Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Portugal sofre de pseudo-elitismo crónico. O mito sagrado da cultura tem servido fetiches de diversa ordem, mas sobretudo para invocar poderes sobrenaturais e reclamar dinheiro dos contribuintes. Em nome de causas maiores, do bem público e do dever do Estado, um conjunto alargado de "estruturas" (termo querido da Catarina Martins) tem recebido, a fundo quase perdido, somas interessantes para tirar o povo da sua ignóbil miséria cultural. São estes agentes em missão de salvamento que resgataram Portugal profundo da tirania da estupidez e ignorância. O contínuo endeusamento de uns quantos "grandes", que consubstanciam a máxima "em terra de cegos quem tem olho é rei", é o derradeiro responsável. São esses iluminados, tocados pela magistratura do privilégio da corte de vantagem, das ligações especiais, que foram levados em ombros na luta cultural de classes levada a cabo pelas Esquerdas, ditas titulares exclusivas das artes performativas e do seu integral entendimento. No entanto, o modelo (falido, falhado) não se localiza na régua ideológica ou partidária, nada tem a ver com a Esquerda ou a Direita. É problema de fabrico. É uma patologia respeitante à matriz estatutária do país que distingue despudoradamente a superioridade cultural de uns e afasta a mediocridade avultada de outros. Confirmamos a eternização dos mesmos jogadores. São eles; políticos-poetas, escritores-aclamados, críticos-intocáveis, actores-consagrados, cantoras-diva e encenadores-inamovíveis que degeneram a possível e desejável alteração das regras, do modelo. São esses mesmos, próximos da poltrona do funcionalismo público, que não desejam grandes sacudidelas. Para eles, a cultura deve estar divorciada do mercado, porque o público nada sabe e portanto não saberia distinguir uma ópera bufa de uma simples libertação de gases. Os agentes ditos culturais não entenderam pelo menos duas coisas: a arte é sinónimo de ruptura e desequilíbrio. E os empreendimentos culturais financiam-se de um modo social, sem ser necessariamente socialista, mas intensamente escrutinado em função dos valores investidos e do retorno qualitativo e expectável das obras de arte apresentadas. Neste capítulo das artes e da cultura, da programação e dos modelos de financiamento, poucos o sabem fazer como os americanos. Ora vejam este exemplo e descubram as diferenças. Isto é apenas dinheiro dos contribuintes. Mais nada.
Portugal está a assistir a acontecimentos peculiares, com uma carga dramática intensa e com laivos de ironia histórica. Está a viver a descolonização daqueles que resultaram da descolonização dos anos sessenta e setenta. Parece que estamos a reviver a demise do império ultramarino sem ter de ir além-mar. O descalabro que está a acontecer, está à distância de um autocarro da Carris, à distância de um bairro cada vez menos de periferia. Os Portugueses, que foram enviados para o desterro, que emigraram, também foram descolonizados de sua casa. Tudo isto é trágico, e coloca numa mesma casa de desespero, nativos, colonos, e imigrantes. A séria crise que se nos atravessa, serve também para destapar as graves falhas de sucessivos governos, no que concerne à integração daqueles provenientes das ex-colónias. Por outro lado, os neo-colonizadores do norte da Europa ainda não perceberam que estão a criar um fenómeno que há alguns seria impensável nos territórios de uma Europa "civilizada". Em breve, a expressão que será empregue pela primeira vez na União Europeia, será refugiados europeus. Em cada um dos países afagados pela mão áspera da Troika, os cidadãos desses países já vivem a condição plena de refugiados. Procuram fugir da perseguição dos governos que elegeram. As comunidades provenientes de ex-colónias Portuguesas, que depositaram confiança na pátria de acolhimento, estão a braços com um dilema adicional. O regresso aos seus países de origem, se realizado em grande escala, decerto que esmagaria as parcas estruturas que começam a ser erguidas naqueles países emergentes que carregam passados históricos complexos, pejados de destruição e da falta de instituições democráticas, no seu sentido mais profundo e consolidado. A Austeridade já não é apenas Europeia. É já um fenómeno que se sente em diversos países Africanos, pelas ondas de choque que se fazem sentir na vida de cidadãos provenientes das ex-colónias Portuguesas. Essas comunidades não conheceram outra coisa senão Austeridade, mesmo quando a Austeridade ainda não tinha sido inventada. Sempre viveram com grandes dificuldades e marginalizados pelo mainstream político. Agora assistimos à africanização da Austeridade. Quando pensamos em Portugal, realizamos um exercício enorme. Portugal tem o mundo todo contido em si. E Portugal tem compatriotas espalhados pelos seus quatro cantos do mundo. A grande estratégia nacional tem obrigatoriamente de incorporar esse sentido universal. Pelas razões atrás referidas, e outras que não cabem nesta discussão, o papel de Portugal é importantíssimo no quadro Europeu, e por essa razão há que dar forma à sua voz, de modo a que possa condicionar o desenho dos anos futuros, da Europa e do Mundo. Temo, porém, que os lideres nacionais não sejam capazes de vislumbrar a mudança de paradigma a que estamos a assistir. Juntemos a esta equação Portuguesa, as matrizes contidas em França, na Alemanha, em Espanha, na Turquia e na Grécia, e verão que estamos a braços com um desafio de proporções incalculáveis. O Conselho de Estado a que (não!) assistimos demonstra a infantilidade e inconsciência dos nossos governantes. Algo muito mais profundo está em causa que torna irrelevante coligações e a fita-cola que desejam usar. O país fracturado não pode ser reparado com ligaduras, mas também não pode permanecer engessado em atavismos.
Christine Lagarde: "Não termos previsto a inconstitucionalidade de algumas medidas foi uma infelicidade"
Em entrevista exclusiva ao Expresso, a directora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) assume, de novo, outro falhanço de previsão do FMI. Ou, no fundo, a reconfirmação pública de que os pseudo"especialistas" em economia e finanças têm, afinal, "pés de barro". Nada que não se soubesse e que não tivessemos repetidamente denunciado ao longo dos últimos meses...
Também publicado aqui.
An amazing mea culpa from the IMF’s chief economist on austerity:
Um documento muito e tristemente revelador este, uma análise de Olivier Blanchard (e de Daniel Leigh), intitulada Growth Forecast Errors and Fiscal Multipliers. No fundo, a confissão pública, em mea culpa, do falhanco das políticas adoptadas. Para que conste e se reflicta por cá. Será que Vítor Gaspar o leu?