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Sempre foi assim. Não tem a ver com a crise nem com a troika. Nem resulta da acção deste governo nem dos anteriores. A expressão pagar para ver foi mal empregue em Portugal durante todos estes anos. Na maior parte dos casos, as obras eram adjudicadas e depois era um ver se havia (dinheiro) ou um vê se te avias para receber. Falam agora das pequenas e médias empresas (PMEs) que já não pagam, mas a tradição sempre foi essa. Não é preciso ser uma coisa de porte pequeno ou médio. Nem precisa de ser uma empresa familiar. Falo de qualquer sujeito. Os indivíduos considerados normais ou mesmo os excepcionais, gente de carne e osso que conhecemos tão bem desde a infância, de um São João de Brito, da Lapa ou de Telheiras, da Faculdade ou da falta delas. Gente com formação ou com alguma informação. Falo das relações (alegadamente profissionais) que se estabeleceram entre indivíduos, filhos da mesma nação de aproveitamento da ocasião que não faz um ladrão, mas que anda lá perto. Posso falar à vontade? Sem rodeios? Sem treta? Muito bem. Então vamos por partes. Quantas vezes não foi confrontado com uma situação de pro bono forçado pelo amigo? (estou a ser simpático e não estou a polarizar ao afirmar "sobre o amigo"). És arquitecto não és? É pá, dá lá um jeito na remodelação lá da minha cozinha que eu depois facilito qualquer coisa. É que agora não dá jeito e tal por causa da prestação do carro. Faz lá uma atenção. És amigo ou não? Ou então; Procura-se produtor para longa metragem que queira ganhar experiência. Colocamos o seu nome nos creditos finais do filme. E de atenção em atençãozinha, as amizades foram atropeladas na passadeira vermelha do oportunismo, sem o mínimo de pudor. Um país inteiro a insultar o amigo profissional da onça que não foi pago a ouro, que não foi pago de todo. Ficou a arder com o livro de recibos verdes, um livro em branco. Ainda hoje me deram conta de uma tentativa de captação de trabalho intelectual a título gratuíto. O visado por esse assédio fez o que todos deveriam fazer para defender a profissão. Fez um manguito muito bem esboçado. Mandou passear os proponentes que ainda por cima ofendiam pela prática de um tratamento discriminatório - para alguns há cachet, para outros nem por isso. Este ultraje tem de acabar. Nunca existiram almoços grátis, mesmo que pareça apetitoso e seja um mito urbano. A haver ónus terá de ser um encargo repartido por todos, decidido à cabeça pelo projecto solidário. É assim que funciona. Portanto, esta história das PMEs que já não pagam é uma história da carochinha, antiga como o raio e falseada para bel prazer de maus pagadores. Estas empresas, a que se somam os excelsos cidadãos, tentaram sempre preterir a dolorosa. E ainda procuram fugir a sete pés do valor objectivo da transacção, como se uns fossem mais importantes do que outros na cadeia alimentar da economia. De cambalacho em cambalacho, aqueles que pactuaram como o jogo rapidamente passaram a combalidos. Agora já é tarde - são profissionais que já não se aguentam em pé, porque se deixaram corromper a troco de qualquer realeza curricular. Realizaram o trabalhinho sacado a chantagem emocional ou intelectual pelo amigo dispensável. E é uma dor de cabeça muito grande, como reza a notícia em epígrafe. A pergunta que coloco é como se quebra este vício do pendura, que procura a borla, se nos encontramos precisamente no epicentro da tempestade?, de um furação que não precisou de virar nada ao avesso. Há muito tempo que está tudo de pernas para o ar acrescido de juros de mora. Agora estão à procura de um modo de se aliviar. Só posso dizer que estamos todos exaustos de borlas.