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Não é preciso ler a obra de Niall Ferguson - A Ascensão do Dinheiro -, para saber que os pressupostos do crédito estão a ser postos em causa no âmago da União Europeia (UE). Sem percorrer esse perigoso caminho das compensações históricas* que são devidas ou não, e que não pouparia nenhuma nação à face da terra, o que resultar do conflito que opõe a Grécia à Alemanha pode destravar por completo a já de si ténue relação entre dinheiro e Ética. Se vingar a tése do perdão, certamente que uma extensa fila de faltosos procurarão tratamento idêntico - situação essa contraditoriamente inexequível. O crédito (como quem diz a crença que os outros depositam em nós) precede a existência física de dinheiro - o bom nome é a divisa maior, mas apenas se valida através da sua extensão material. Se esse fundamento deontológico que se encontra por detrás da construção monetária das nossas sociedades falhar, como podemos esperar que não mine todo um sistema de transacções? Como podemos aceitar que a excepção à regra se venha a tornar a norma? São considerações desta natureza que podem corromper um dos valores mais importantes do acervo existencial humano: a confiança. Não pretendo com esta linha de argumentação libertar os credores do seu sentido de responsabilidade no contexto de um projecto europeu alegadamente inclusivo e nivelador de diferenças. Culpados? Sóis todos vós europeus por terem concebido um modelo sistémico deficiente. Em nome de uma grande "entidade económica europeia concorrencial" os visionários foram ambiciosamente incompetentes. Avançaram a causa dos negócios, mas omitiram a federação do espírito das nações. Esqueceram-se dos pilares de justiça e segurança social, e prescindiram de uma efectiva Política Externa e de Segurança Comum. A Grécia, assim como o conflito na Ucrânia, servem, de um modo cáustico, para expor as grandes lacunas da UE. Se os lideres europeus tiverem a visão e a ousadia requeridas, a grande reforma poderia ser posta em marcha na construção de uma nova ordem na Europa. Mas não é disso que se trata. Quer a Alemanha quer a Grécia estão a defender os respectivos interesses nacionais. Merkel e Tsipras estão, efectivamente, empatados: querem salvar a sua pele e pouco mais. A tal união - essa não passa do papel, da massa.
*Compensações históricas possíveis:
EUA ao Iraque, à Nicarágua e ao Afeganistão.
Portugal a Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde
França à Argélia e à Líbia
Etc a etc, etc e etc
The Social Europe Journal publicou ontem um artigo da co-autoria do meu amigo e escritor Austríaco Robert Menasse. A sua narrativa sublinha o grande legado Europeu - a Res Publica. Num exercício de fast-forward thinking e instigado pelas suas ideias, tento imaginar um modelo de federalismo Europeu, e assumo como linha de partida os indivíduos, os cidadãos dos Estados-membro da União Europeia, e uma das suas conquistas políticas. A sua condição de sujeito mais passivo do que activo na condução política da Europa. Os representantes políticos dos países, que têm assento nas instituições "unionistas", resultam de uma expressão de vontade doméstica e não traduzem um esquema de vontade pan-europeu, não são fruto de uma genuína mescla transnacional, da manta de retalhos de contradições que uma federação implica. São delegados de poder em defesa dos seus territórios, embora invoquem oportunamente um desígnio maior, quasi civilizacional. Todos sabemos quais os limites que se impõem na expressão dos desejos dos cidadãos. O caminho trilhado, que anunciam como comprido, está longe de estar cumprido. Numa especie de fogo cruzado político, os cidadãos de um Estado-membro podem eleger Presidentes de Câmara de países que não os seus. Já o fazem há anos. Mas sabemos que esse privilégio é parco à luz de um genuíno processo de aprofundamento, de integração, de federalização que ainda não foi escolhido como projecto inequívoco. Se uma Federação Europeia conhecer a luz do dia, teremos de saber, se será possível ou exequível formar governos "estaduais" com executivos "estrangeiros". Ou seja, se de facto houver uma efectiva materialização de uma federação, a presença recíproca de poder político terá de fazer parte do DNA Europeu, de um political melting pot. Nesse sentido, e apelando a um imaginário político ousado, teriamos por exemplo um governo Francês com um gabinete governativo formado por um núcleo de "nativos" e um conjunto de ministros provenientes de outros "territórios" do grande continente político Europeu. Lá teríamos ao lado de uma Merkel, ministros Gregos, Italianos ou Austríacos. Em Portugal, sucederia o mesmo, um executivo composto por uma equipa nacional e completada por ministros e secretários de estado de outras paragens da União Europeia. Esta forma de câmbio político de facto, funcionaria como o catalisador da integração Europeia e simultaneamente como um mecanismo de checks and balances, por forma a responsabilizar os políticos por decisões tomadas domesticamente mas cujos efeitos se fariam sentir no espaço comum. Seria o casamento inter-cultural e político para bem e para mal. Sei que este tipo de visualização pode representar um salto indutivo excessivamente grande, mas à luz da grande crise económica e social que nos aflige, todas as opções e cenários devem ser colocados em cima da mesa que se estende de uma periferia a outra. A isso estamos obrigados, porventura sem mais demoras. Um federal express europeu.
Quando iniciei este blog, nos idos de Outubro de 2007, estava eu em plena temporada brasiliense (saudades...), com a mente inquieta em torno de dois projectos de reorganização política de Portugal: a recuperação da instituição monárquica e a federalização de Portugal. Sendo um liberal por definição, embora doseie o liberalismo com o pragmatismo utilitário, interroguei-me brevemente, na altura, sobre o significado de tais projectos que então resumi. Um ponto que coloquei em comum entre os dois seria o recuperar da segunda câmara parlamentar, cuja natureza também viria a esclarecer, conforme me pareceu adequado. Embora compreenda os argumentos contrários à regionalização, especialmente os que Miguel Neto bem aponta, parece-me que o actual estado das coisas não pode ser satisfatório, e embora saiba que é impossível federalizar Portugal, até porque a nossa História Política é contrária a qualquer projecto do género (infelizmente, pois tal como Tocqueville, sou um admirador do sistema federal norte-americano), aqui fica o repost integral de Uma Federação e Segunda Câmara para Portugal?:
Após ter reclamado a recuperação da instituição monárquica decidi reflectir sobre um outro tipo de projecto político, confesso, não sem alguma inquietação perpassando a minha mente, como poderão perceber.
Erroneamente, de uma forma um pouco subconsciente, costumava pensar que um sistema federal apenas seria viável em países constituídos por um imenso território, como é o caso dos Estados Unidos da América ou do Brasil. Isto porque nunca antes debrucei o meu pensamento sobre o sistema federal, talvez devido a uma habitual centralização sobre o redutor sistema político português.
O critério do território certamente não é passível de sustentação de um projecto político de federação, de que é exemplo a Confederação Helvética que, politologicamente é uma federação.
Através de um projecto de federação para Portugal seria necessário criar estados autónomos com um governo e parlamento com esferas de poder e competência específicas, efectivamente descentralizando o Estado, algo de que alguns vão timidamente falando, apesar do silêncio que permanece sobre o assunto da descentralização desde que se mandou a Secretaria de Estado da Agricultura para a Golegã, o que constituiu apenas um movimento de deslocalização, fracassado por razões óbvias.
A nível do governo central, seria necessário criar uma segunda câmara no parlamento, voltando a utilizar-se a Sala do Senado (onde figura uma bonita tela de D. Luís), o que implicaria uma revisão constitucional que especificasse as atribuições e competências da Câmara dos Deputados e da Câmara dos Senadores (representantes dos estados federados, em número igual por estado), tornando o sistema bastante semelhante ao sistema norte-americano.
Assim se criaria um contra-poder que, se não acabaria, pelo menos atenuaria a ditadura da maioria vigente nas legislaturas mais recentes, decorrente das maiorias absolutas que os líderes partidários têm o displante de pedir em período de campanha eleitoral, o que faz com que os cidadãos se conformem com a realidade de a democracia portuguesa ser de facto uma oligarquia de interesses egoístas e personalidades que não se preocupam com os verdadeiros desígnios da Nação e do Estado.
Desta forma se alcançaria um Estado descentralizado através do que Tocqueville ensina, conferindo "uma vida política a cada porção de território, a fim de multiplicar até ao infinito as oportunidades de os cidadãos agirem em conjunto e lhes fazer sentir diariamente que dependem uns dos outros", o que diminuiria a típica assimetria entre o Portugal rural e urbano.
Com este projecto se recuperaria o conceito dos corpos intermédios que diminuem a perigosidade do Estado para a liberdade do homem e do cidadão, acautelando e aconselhando o poder vigente.
Acabar-se-ia finalmente com os Governos Civis, que têm apenas atribuições como emitir Passaportes (pelo menos o de Lisboa) e perdoar multas de trânsito, entre outras que não representam uma considerável regulação da vida social, e através deste sistema talvez o desenvolvimento económico e social do país pudesse levar-nos a um lugar mais elevado nos índices da União Europeia e da OCDE, em vez de continuarmos a disputar um “honroso” último lugar com a Grécia (na UE a 15).
Pergunto-me no entanto qual a viabilidade deste projecto e o que poderá representar, já que poderá assustar os interesses vigentes, porque os ameaça, porque é uma revolução do Estado feita pelo Estado dentro do Estado, em que não se muda de regime, mas de forma mais importante, se muda de sistema.