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Ulrich Beck, A Europa Alemã: "O significado da cooperação e integração europeia torna-se ambíguo e sobretudo esta nova classe baixa da Europa é vítima desta ambiguidade. O seu destino é incerto: na melhor das hipóteses, federalismo, na pior das hipóteses, neocolonialismo. Quem quiser, pode ver nisto um indício de retrocesso da democracia. No feudalismo, os únicos que tinham direito de voto eram os nobres. Iremos assistir em breve a uma reedição de privilégios deste tipo? Será que só os países ricos é que têm uma voz no capitalismo de risco, enquanto os devedores têm de se contentar com a sombra de uma democracia ou quase-democracia? Por outro lado: como a Alemanha é o país mais rico, agora é ela que manda no centro da Europa."
Roger Scruton, "The Journey Home - Wilhelm Röpke & the Humane Economy":
«The Eurocrats tolds us, when John Major weakly agreed to the Maastricht Treaty, that it was all OK, that national sovereignty would not be sacrificed, that the principle of subsidiarity applied, and that all decisions pertaining to the nation and its specific interests would be taken at the national level, by elected Parliaments. But then comes the catch: it is the European Commission, not the national parliament, which decides that a given issue pertains to the specific interests of a given nation state. National sovereignty is therefore delegated from above, by an unelected Commission which is in the hands of its permanent staff of bureaucrats rather than in those of the sheepish politicians who have been shunted there from parliaments where they are no longer wanted. The principle of ‘subsidiarity,’ which purports to grant powers to local and national bodies, in fact takes them away, ensuring that powers that were once exercised by right are now exercised on sufferance. ‘Subsidiarity’ confiscates sovereignty in the same way that ‘social justice’ confiscates justice, and the ‘social market’ confiscates the market.
So what is the alternative? What was Röpke getting at, and how should we respond to the problems that he wished to address—the problems of social fragmentation and the loss of community feeling, in a world where the market is left to itself? There are those—Milton Friedman, for example, or Murray Rothbard—who have powerfully argued that a genuinely free market will ensure the good government of human communities, through the self-restraining impulse that comes naturally to us. But their arguments, however sophisticated, are addressed to Americans, who live among abundant resources, free from external threat, surrounded by opportunities and in communities where the volunteer spirit survives. And they do not confront the central question, which is how communities renew themselves, and how fundamental flaws in the human constitution, such as resentment, envy and sexual predation, are to be overcome by something so abstract and neutral as consumer sovereignty and free economic choice.
Röpke’s own idea, if I understand him rightly, was that society is nurtured and perpetuated at the local level, through motives that are quite distinct from the pursuit of rational self interest. There is the motive of charitable giving, the motives of love and friendship, and the motive of piety. All these grow naturally, and cause us to provide for each other and to shape our environment into a common home. The true oikos is not a cell shut off from the world, in which a solitary individualist enjoys his sovereignty as a consumer. The true oikos is a place of charity and gift, of love, affection and prayer. Its doors are open to the neighbours, with whom its occupants join in acts of worship, in festivals and ceremonies, in weddings and funerals. Its occupants are not consumers, except obliquely, and by way of replenishing their supplies. They are members of society, and membership is a mutual relation, which cannot be captured in terms of the ‘enlightened self interest’ that is the subject matter of economic theory. For extreme individualists of the Rothbard kind life in society is simply one species of the 'coordination problem,' as the game theorists describe it—one area in which my rational self-interest needs to be harmonized with yours. And the market is the only reliable way that we humans know, or could know, of coordinating our goal-directed activities, not only with friends and neighbours, but with all the myriad strangers on whom we depend for the contents of our shopping bags. Membership, if it comes about, is simply another form of quasi-contractual agreement, whereby we freely bind ourselves to mutual rights and duties.
Who is right in this? Well, the position that I have attributed to Röpke is to me transparently obvious, whereas that which I have attributed (for the sake of argument) to Rothbard is to me profoundly mistaken. (...)»
(imagem daqui)
Quando me iniciei na actividade blogosférica, há quase 5 anos, poucos eram os blogs que lia. Entre estes figurava o Combustões, que foi o segundo blog a linkar o Estado Sentido. E o Miguel Castelo-Branco foi uma das primeiras pessoas deste meio a quem tive o atrevimento de endereçar um e-mail. O seu blog constitui leitura obrigatória e, como já por várias vezes afirmei, o Miguel é certamente uma das melhores penas da língua portuguesa, o que alia a um conhecimento profundo das matérias que trata e a uma paixão notável por aquilo que faz. Ontem o Miguel teceu um elogio à minha pessoa que ainda continua a deixar-me ruborizado e que, por tudo o que escrevi, muito me sensibilizou. Não estando habituado a lidar com elogios, creio que a melhor forma de o retribuir é através de uma réplica cuidada e fundamentada em relação ao tema em apreço, que permita contribuir para o debate sobre o federalismo americano e europeu.
O Miguel critica o meu elogio de James Madison, afirmando que não existe tal coisa como pensamento americano, que “uma colónia produz "pensamento" coincidente com a sua circunstância”, e que mesmo a obra mais importante da teoria política americana, The Federalist, é apenas um pequeno livro quando comparada com o pensamento de Hume ou outros pensadores europeus. Ora eu não estou em desacordo, nem poderia estar. Mas parece-me que a crítica à falta de originalidade é manifestamente injusta. Como o Miguel bem sabe, não existe pensamento filosófico completamente original, isto é, elaborado a partir do nada. Todo o pensamento ocorre dentro de uma tradição. Socorrendo-me de Michael Polanyi, entre tantos outros, é de notar que a razão não se opõe à tradição e que, de facto, todo o pensamento tem de ocorrer dentro de uma tradição, de um enquadramento fiduciário que não é estático mas dinâmico, visto que incorpora a possibilidade de conflito interno, a capacidade de rebeldia contra o consenso e a possibilidade de cultivar o progresso radical dentro de um contexto de continuidade. A tradição é um pré-requisito da racionalidade e da condição humana, pois como Polanyi assinala em Knowing and Being, “nenhuma mente humana pode funcionar sem aceitar a autoridade, o costume, e a tradição: tem de depender destes para o mero uso da linguagem.”
Ora Madison é um produto da cultura britânica, e filosoficamente é um discípulo do Iluminismo Escocês. John Gray faz notar isto em Liberalism. E se diversos autores têm preferido salientar a influência do particular contexto que emergiu da Revolução Americana no pensamento de Madison, esquecendo a influência do pensamento europeu, outros, como Roy Branson, preferem destacar precisamente a influência dos iluministas escoceses no constitucionalismo americano. Foi através de John Witherspoon, presidente de Princeton quando Madison aí estudou, que este viria a incluir na sua biblioteca diversos volumes dos escoceses, trazidos por Witherspoon. E quando o Congresso Federal o encarregou de elaborar uma lista dos livros a adquirir para uso do Congresso, Madison incluiu nesta várias obras de Hume, Smith, Ferguson e Millar. Não é, contudo, despiciendo referir o particularismo do constitucionalismo americano, como Hamilton salienta no Federalist N. 1 (tradução minha): «Tem sido frequentemente observado que parece ter sido reservado às pessoas deste país, pela sua conduta e exemplo, decidir a importante questão, se as sociedades dos homens são realmente capazes ou não de constituir um bom governo a partir da reflexão e escolha, ou se estão para sempre destinadas a fazer depender as suas constituições políticas do acidente e da força.»
O Miguel prossegue criticando a defesa da propriedade privada pelo pensamento americano, culminando na recomendação de que este não é exemplo para nada. A este respeito, não poderia estar mais em desacordo. Como salienta Ralph Ketcham a partir de Aristóteles, a forma como um filósofo encara a natureza humana, quer de facto quer potencialmente, é o bastante para antecipar os seus argumentos noutras áreas. Enquanto Rousseau parte do optimismo antropológico para chegar a um esquema de perfeição, Madison radica o seu pensamento na ideia de imperfeição humana dos iluministas escoceses, procurando de forma moderada adaptar o exercício do poder às características humanas, conforme a sua célebre citação no Federalist N. 51 (tradução do José Gomes André): «Se os homens fossem anjos nenhuma espécie de governo seria necessária. Se fossem os anjos a governarem os homens, não seriam necessários controlos externos nem internos sobre o governo. Ao construir um governo em que a administração será feita por homens sobre outros homens, a maior dificuldade reside nisto: primeiro é preciso habilitar o governo a controlar os governados; e, seguidamente, obrigar o governo a controlar-se a si próprio. A dependência do povo é, sem dúvida, o controlo primário sobre o governo; mas a experiência ensinou à humanidade a necessidade de precauções auxiliares.»
Madison contraria a noção de bem comum positivado e interpretado pela elite governamental de Rousseau (que Schumpeter mostrou ser uma falácia), adoptando a perspectiva anglo-saxónica da liberdade negativa, da ausência de coerção por terceiros, e do governo limitado para desenhar uma solução governamental em que converte vícios em virtudes e procura fragmentar e difundir o poder. Conforme Hayek faz notar, a primeira e mais básica condição para a prevenção da coerção é o reconhecimento do conceito de propriedade privada. A propriedade privada é um elemento fundamental para alcançar a liberdade individual, tal como Locke já havia teorizado, e como Gray assinala em Liberalism ao considerá-la como “um veículo institucional para um processo de decisão descentralizado” em estreita ligação com a capacidade de um indivíduo dispor de si próprio, das suas capacidades e talentos. Contudo, ainda de acordo com Hayek, embora a propriedade privada seja essencial para assegurar a condição de liberdade individual, tal não significa que os indivíduos tenham de ser titulares de bens passíveis de serem apropriados de forma privada. Por outras palavras, para evitar a coerção, não é necessário que um indivíduo possua propriedade, mas sim que tenha ao seu dispor os meios materiais que lhe permitam prosseguir os seus fins privados, e que estes meios não sejam detidos exclusivamente por um único agente. Tal como o poder deve ser suficientemente fragmentado para evitar a sua perigosidade para o cidadão, também a propriedade deve ser dispersa o suficiente para que o indivíduo não esteja exclusivamente dependente de alguém ou alguma entidade em particular que possa providenciar-lhe o que necessita para alcançar os seus fins ou, por exemplo, empregá-lo.
Importa ainda notar que sendo certo que Madison estudou os clássicos para poder aplicar a filosofia à prática política, não é inteiramente verdade que não tenha sido inovador, dentro da tradição em que se encontrava, e é no que se segue que, contrariando o Miguel, Madison parece-me exemplar – assim como no seu carácter vigoroso. Socorro-me aqui da introdução de Cass R. Sunstein à edição que possuo de The Federalist. Tanto os federalistas como os anti-federalistas inspiraram-se em Montesquieu. Os segundos apontaram o problema da corrupção como sendo originado pelo espírito de facção, que temiam tomasse conta da federação. A solução dos mesmos é inspirada directamente pelo republicanismo de Montesquieu, consistindo na inculcação da virtude cívica e na defesa de repúblicas de pequena dimensão e da importância da homogeneidade. A resposta de Madison foi uma inversão da perspectiva em termos morais e antropológicos, considerando que a corrupção que cria facções é natural, e que embora seja indesejável, é um produto da liberdade e desigualdade humanas. Isto significa que as ideias de inculcação da virtude e da educação como forma de minorar este problema são desadequadas. Além disto, o problema tende a ser mais grave nas pequenas repúblicas do que nas grandes, já que nas pequenas é mais fácil que um pequeno grupo privado tome o poder político e distribua riqueza e oportunidades como bem entenda, que foi precisamente o que aconteceu nos anos imediatamente seguintes à Revolução Americana. Foi a partir da observação deste período que Madison repudiou as concepções clássicas referidas, considerando que estas não seriam defesa suficiente contra a tirania. Radicando na natureza humana o interesse próprio, resultado das diferenças de talento e propriedade, este é a causa do espírito de facção, pelo que tentar debelá-lo através da indução de preferências por via do governo comportaria um risco ainda maior de tirania, acabando por destruir a liberdade individual. A solução, original, de Madison para este problema foi a de considerar que em grandes espaços, numa grande república, o espírito de facção não é prejudicial mas sim benéfico, visto que a diversidade de interesses obstaria à tentação de oprimir minorias, de interferir nos direitos de terceiros, acabando o tamanho e a diversidade por criar um sistema de protecção contra a opressão. A isto Madison acrescentou ainda o princípio da representação, teorizado no Federalist N. 10 (tradução minha), que teria como efeito «aperfeiçoar e ampliar os pontos de vista públicos, passando-os por meio de um corpo escolhido de cidadãos, cuja sabedoria pode discernir melhor os verdadeiros interesses do seu país, e cujo patriotismo e amor à justiça são menos prováveis de ser sacrificados a considerações temporárias ou parciais.» Esta defesa da diversidade é ainda feita pelos federalistas no que concerne à diferença de opiniões – também esta vista como um vício pelos anti-federalistas –, que serve o propósito de promover a deliberação e circunspecção, sendo um check à maioria (Federalist N. 70).
Para finalizar este já longo texto, note-se que esta original concepção do republicanismo, segundo Sunstein, é provavelmente responsável pela longevidade da Constituição americana, e é esta perspectiva pluralista, defensora do individualismo e céptica em relação à natureza humana e ao exercício do poder que me parece poder servir de inspiração para algo que possa vir a ser um verdadeiro federalismo europeu. Conforme o José Gomes André salientou há uns meses, “Digo "verdadeiro" para o separar dos habituais adjectivos pejorativos que lhe atribuem, sem perceberem que federalismo não corresponde a um "centralismo unitário e jacobino", nem à destruição dos Estados-membros, mas sim à instituição de vários eixos de poder complementares - convivendo sob uma mesma entidade política autoridades distintas, democraticamente legitimadas.”
Como muito bem questiona o João Vacas acerca da eventual saída federal, “esta respeitaria o princípio da igualdade entre os Estados federados? Em termos práticos, estes teriam o mesmo peso numa das futuras câmaras parlamentares? Sem isto, não se trataria de uma verdadeira federação mas de centralização disfarçada. Com a subsidiariedade como flor de lapela. Mais do mesmo, portanto.”
(James Madison, imagem daqui)
Uma oportuna reflexão de Paulo Marcelo, sobre uma possível saída para a crise do euro e a União Europeia:
«Hollande prometeu um novo "quadro político europeu", mas o que quer isso dizer? Estou convencido que só saímos disto com uma profunda reforma institucional. Confirma-se que a esta união monetária (incompleta) não subsiste sem uma união fiscal e orçamental, legitimada por uma união política. Só isso convencerá os mercados e porá fim à turbulência que alastra da periferia para o centro. A união está coxa e só pode ser salva com um orçamento comum, aprovado por representantes eleitos, o que implica uma profunda reforma constitucional, ao estilo da Convenção de Filadélfia (1787), na origem do federalismo americano.»
Porém, dada a forte tendência racionalista construtivista da filosofia política continental, tenho sérias dúvidas que o federalismo europeu seja semelhante ao americano, isto é, que tenha no seu cerne uma concepção antropologicamente pessimista e metodológica e politicamente individualista da natureza humana e do exercício do poder, procurando fragmentá-lo e difundi-lo para evitar a perigosidade para o cidadão que resulta da sua centralização. É preciso não esquecer que através do método comunitário a União Europeia tem vindo a arrogar-se cada vez mais competências em cada vez mais domínios da vida pública e privada, ao passo que as principais prerrogativas do Estado Federal americano são nas áreas da moeda, política externa e defesa. Dificilmente Bruxelas abrirá mão do poder que tem. E há ainda dois obstáculos por ultrapassar: um, salientado recentemente por Robert J. Barro, é o custo potencialmente proibitivo e em grande parte desconhecido de juntar populações heterogéneas com diferentes culturas, línguas e histórias sob a égide de um só estado - daí ser necessário que a maior parte das competências na administração directa dos diversos países seja retida pelos estados federados; o outro, e que salta à vista de todos, é que não temos líderes com um mínimo de preparação para uma empreitada destas. Não digo que não possam aparecer, especialmente se for adoptado o estilo da Convenção de Filadélfia, em que não sejam os actuais governos automaticamente mandatados (por eles próprios, claro) para representar os estados, mas tenham lugar eleições para os delegados. Mas mesmo assim, será difícil que apareça alguém da craveira de Madison, Hamilton, Jefferson, Franklin ou Washington.
Ainda em Washington, usufruímos de várias reuniões com diversas ONG’s, gabinetes do Department of State, Department of the Interior e do Smithsonian, visitámos o Theodore Roosevelt Island National Memorial Park e ainda o Air and Space Museum. A 19 de Abril lá seguimos viagem até Burlington, Vermont. Por estes dias, visitámos o Vermont Institute of Natural Science (um instituto dedicado à reabilitação de aves como águias, corujas e falcões), o Marsh-Billings-Rockefeller National Park, o Echo (um aquário junta ao Lago Champlain), a primeira fábrica da Ben & Jerry’s em Waterbury, a vila de Stowe e a State House em Montpelier.
Cada vez mais patente e concreto na minha mente está o sistema de governo descentralizado dos EUA, com o seu foco no indivíduo e nos direitos individuais. Não existe Ministério da Economia, Ministério do Ambiente ou Ministério das Obras Públicas. Deixando de lado as questões de Defesa e Política Externa, prerrogativas do Governo Federal, a esmagadora maioria das decisões são tomadas ao nível estadual e, nos estados, nas cidades e vilas, pelos indivíduos que directamente se envolvem nos processos de decisão. Tomando como exemplo o Vermont, o planeamento sobre a utilização do território é feito por comissões locais compostas por voluntários, o que faz todo o sentido se pensarmos que 81% do território estadual é detido por proprietários privados. Claro que há uma tensão entre o indivíduo e a comunidade, mas a verdade é que o princípio da propriedade privada é sacrossanto. Sendo um limite à actividade governamental, isto obriga a que os processos decisórios sejam morosos mas tenham sólidas raízes na sociedade civil, que é verdadeiramente vibrante, com o espírito de associação que Tocqueville tão bem observou patente em toda a parte.
Em véspera de partida para Pensacola, Florida, saliento ainda como ponto alto destes dias o espectáculo de dança contemporânea da célebre companhia Alvin Ailey American Dance Theater a que tivemos o privilégio de assistir.
Deixo uma fotografia do Lago Champlain, com o estado de Nova Iorque do outro lado (quem quiser ver mais fotos e acompanhar estas 3 semanas mais directamente pode adicionar-me no Facebook):
Ainda há umas poucas semanas, aqui se chamava a atenção para o claro móbil das manobras que vão ocorrendo nos centros de decisão europeus. Derrotados em referendos nacionais ou pela pressão da opinião pública dos principais países do grupo, o informal directório pretende hoje contornar os contratempos através do recurso à chantagem proporcionada pela crise económica e financeira que grassa na U.E. No olho do furacão, a Sra. A. Merkel sugere a inevitável "perca"* de soberania dos países incumpridores das metas traçadas em Maastricht - onde já vai esse "Tratado"? -, não especificando quais as medidas a tomar pelos beneméritos que pretendam corrigir os eternamente zelosos infractores. Como se fosse ainda possível perder-se mais soberania sem que dela se prescinda pura e simplesmente?!
Num post que me causou algumas irritações e dissabores, advertia acerca da tentação pelo "federalismo" que mais não é, senão a total submissão ao projecto de fazer alastrar a Mitteleuropa até às margens do Atlântico, Mediterrâneo e Ártico. Só não vê quem não quer, ou apenas quem pretenda garantir o excepcional regime de privilégios de que alguns têm beneficiado nas últimas décadas e em detrimento do país como um todo.
*É assim mesmo que os nosso senhores usam dizer: perca.
A ministra do Trabalho alemã, a cristã-democrata Ursula von der Leyen, considera que a crise da zona euro só pode ser superada fortalecendo a união política do continente com a criação dos "Estados Unidos da Europa".
"O meu objectivo são os Estados Unidos da Europa, seguindo o exemplo de outros estados federais como a Suíça, Alemanha ou os Estados Unidos de América", afirma Ursula von der Leyen na edição de hoje da revista alemã Der Spiegel.
Uma união política permitiria, segundo a governante, unificar questões importantes em matéria de política financeira, fiscal e económica, "aproveitando as vantagens da dimensão da Europa".
No entender da ministra do Trabalho alemã e vice-presidente do partido da chanceler Angela Merkel, a União Democrata Cristã (CDU), a moeda única europeia não é suficiente para fazer face à competição global.
Ursula von der Leyen também defendeu esta semana a exigência da Finlândia de que os países que beneficiam da ajuda do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) apresentem como caução desses empréstimos as reservas de ouro que possuam ou as participações que detenham em empresas estatais.
Em declarações à televisão pública ARD, a governante - que é apontada pela imprensa alemã como uma possivel sucessora de Angela Merkel - argumentou que só assim esses Estados "continuarão a envidar esforços para consolidar as finanças públicas".
Quando iniciei este blog, nos idos de Outubro de 2007, estava eu em plena temporada brasiliense (saudades...), com a mente inquieta em torno de dois projectos de reorganização política de Portugal: a recuperação da instituição monárquica e a federalização de Portugal. Sendo um liberal por definição, embora doseie o liberalismo com o pragmatismo utilitário, interroguei-me brevemente, na altura, sobre o significado de tais projectos que então resumi. Um ponto que coloquei em comum entre os dois seria o recuperar da segunda câmara parlamentar, cuja natureza também viria a esclarecer, conforme me pareceu adequado. Embora compreenda os argumentos contrários à regionalização, especialmente os que Miguel Neto bem aponta, parece-me que o actual estado das coisas não pode ser satisfatório, e embora saiba que é impossível federalizar Portugal, até porque a nossa História Política é contrária a qualquer projecto do género (infelizmente, pois tal como Tocqueville, sou um admirador do sistema federal norte-americano), aqui fica o repost integral de Uma Federação e Segunda Câmara para Portugal?:
Após ter reclamado a recuperação da instituição monárquica decidi reflectir sobre um outro tipo de projecto político, confesso, não sem alguma inquietação perpassando a minha mente, como poderão perceber.
Erroneamente, de uma forma um pouco subconsciente, costumava pensar que um sistema federal apenas seria viável em países constituídos por um imenso território, como é o caso dos Estados Unidos da América ou do Brasil. Isto porque nunca antes debrucei o meu pensamento sobre o sistema federal, talvez devido a uma habitual centralização sobre o redutor sistema político português.
O critério do território certamente não é passível de sustentação de um projecto político de federação, de que é exemplo a Confederação Helvética que, politologicamente é uma federação.
Através de um projecto de federação para Portugal seria necessário criar estados autónomos com um governo e parlamento com esferas de poder e competência específicas, efectivamente descentralizando o Estado, algo de que alguns vão timidamente falando, apesar do silêncio que permanece sobre o assunto da descentralização desde que se mandou a Secretaria de Estado da Agricultura para a Golegã, o que constituiu apenas um movimento de deslocalização, fracassado por razões óbvias.
A nível do governo central, seria necessário criar uma segunda câmara no parlamento, voltando a utilizar-se a Sala do Senado (onde figura uma bonita tela de D. Luís), o que implicaria uma revisão constitucional que especificasse as atribuições e competências da Câmara dos Deputados e da Câmara dos Senadores (representantes dos estados federados, em número igual por estado), tornando o sistema bastante semelhante ao sistema norte-americano.
Assim se criaria um contra-poder que, se não acabaria, pelo menos atenuaria a ditadura da maioria vigente nas legislaturas mais recentes, decorrente das maiorias absolutas que os líderes partidários têm o displante de pedir em período de campanha eleitoral, o que faz com que os cidadãos se conformem com a realidade de a democracia portuguesa ser de facto uma oligarquia de interesses egoístas e personalidades que não se preocupam com os verdadeiros desígnios da Nação e do Estado.
Desta forma se alcançaria um Estado descentralizado através do que Tocqueville ensina, conferindo "uma vida política a cada porção de território, a fim de multiplicar até ao infinito as oportunidades de os cidadãos agirem em conjunto e lhes fazer sentir diariamente que dependem uns dos outros", o que diminuiria a típica assimetria entre o Portugal rural e urbano.
Com este projecto se recuperaria o conceito dos corpos intermédios que diminuem a perigosidade do Estado para a liberdade do homem e do cidadão, acautelando e aconselhando o poder vigente.
Acabar-se-ia finalmente com os Governos Civis, que têm apenas atribuições como emitir Passaportes (pelo menos o de Lisboa) e perdoar multas de trânsito, entre outras que não representam uma considerável regulação da vida social, e através deste sistema talvez o desenvolvimento económico e social do país pudesse levar-nos a um lugar mais elevado nos índices da União Europeia e da OCDE, em vez de continuarmos a disputar um “honroso” último lugar com a Grécia (na UE a 15).
Pergunto-me no entanto qual a viabilidade deste projecto e o que poderá representar, já que poderá assustar os interesses vigentes, porque os ameaça, porque é uma revolução do Estado feita pelo Estado dentro do Estado, em que não se muda de regime, mas de forma mais importante, se muda de sistema.
Ainda há uns tempos andava assustado porque tinha concordado com Alberto João Jardim já nem sei bem em relação ao quê. Agora vem falar na criação de um partido de índole federalista. Sendo eu um adepto da descentralização do poder sob a formúla federalista, não me parece que um partido seja a melhor forma de promover tal causa, tal como o não é, por exemplo, um partido monárquico quanto à causa monárquica. Uma espécie de movimento de cidadania talvez fosse mais proveitoso. Ainda assim, Alberto João Jardim tem razão, este marasmo em que se encontra Portugal já dura há muito e parece-me que os movimentos que têm surgido nos últimos tempos parecem deixar adivinhar que cada qual vai-se alinhavando com quem pode como forma de tentar eventualmente alterar alguma coisa.