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Marcelo lava as mãos no Parlamento Europeu

por John Wolf, em 13.04.16

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Não é preciso ser uma velha raposa (ou um jovem Wolf) para entender onde pretende chegar Marcelo Rebelo de Sousa no seu discurso ao Parlamento Europeu. O Presidente da República Portuguesa necessita de uma apólice de seguro para os mais que prováveis ventos que far-se-ão soprar pela Europa, e as incertezas que pairam sobre Portugal. A União Europeia está à mercê de um novo continente, da profusão de certas tendências ideológicas e de centros de decisão que não se encontram em Bruxelas. A narrativa que administrou pode servir para encaixar desfechos distintos. Seja qual for o pendor do referendo no Reino Unido, Marcelo pode tentar, embora em vão, invocar o excepcionalismo português como se fosse um berliner em Bruxelas, e, deste modo lançar Portugal para o pseudo-lugar suplente deixado pelos retro-nacionalistas britânicos. O apelo à musa da inspiração literária e cultural é um caminho incerto, volátil e de entusiasmo perigoso. Dizem que Fichte foi precursor de certos regimes, e servindo-nos da mesma metodologia do lirismo sagrado, não sei até que ponto Pessoa seria europeísta - para não falar do desprezo que nutria em relação a Portugal. O "europeísta incorrigível" de que fala, soa a estabelecimento prisional, a síndrome de Tourette, a fetiche por algo esfumado. A Europa já não é nada disso. A Europa deixou-se confundir com a União Europeia, e essa sobrelotação está a gerar fenómenos que se afastam da concentração de desígnios, dos grandiosos princípios de solidariedade e paz. Marcelo Rebelo de Sousa antecipa, com alguma argúcia, o que se passará em Portugal. A sustentabilidade, e o grande projecto do governo de Esquerda do seu país, que apregoa para ouvinte parlamentar, não passa de uma aula preparatória para discentes domésticos. Quando o próximo resgate bater à porta, Marcelo será escusado. Dirá habilmente que, enquanto presidente, tudo fez para não desarmar os intentos da Esquerda. Não sei o que anda Marisa Matias a fazer. Não deve estar a ver o que está a acontecer. Mas aplaude entusiasticamente, como se acreditasse.

publicado às 12:55

O esquemismo plumitivo

por João Pinto Bastos, em 22.01.14

Pelos vistos, Pessoa tinha, sem que ninguém soubesse, um heterónimo mui esquemista a gerir a sua própria casa.

publicado às 23:17

Ciência oculta de Zorrinho

por John Wolf, em 03.12.13

O decano da tecnologia em Portugal Carlos Zorrinho já está a apresentar resultados. A equipa de investigadores do Laboratório de Ideias e Propostas para Portugal provavelmente irá reinvindicar a mais recente descoberta bombástica: a situação de corrupção é dramática em Portugal e está ligada à política. Começamos a entender a missão do laboratório de análises. Foi criado para sublinhar evidências e verdades de La Palisse. A corrupção está ligada à política? Não me digam? Pensava que estava ligada à rede de gás natural ou aos escoteiros de Portugal. É por esta e por outras que o gabinete científico de Zorrinho faz mesmo falta. Havia a necessidade de existir um organismo para certificar a redundância, o óbvio. Zorrinho pode começar a marcar a letra sobre as evidências flagrantes (como esta da corrupção), mas o laboratório que dirige tem outras intenções - é mais perverso e oportunista do que se possa imaginar. Em nome das "belas ideias e propostas para Portugal", os socialistas, caídos na penúria de soluções e alternativas para o país, querem coleccionar respostas alheias que não há maneira de aparecer no partido socialista. É uma espécie de outsourcing com um nome que lembra a ciência exacta, sem ser precisa nos seus métodos. Seguro teve esta ideia porque já havia virado o casaco ao avesso para ver se encontrava algo realmente valioso para acrescentar à argumentação política, mas têm tido pouca sorte. Primeiro Soares atraiu as atenções quase todas (mesmo tendo um cartão de membro do partido já comido pelo bicho), e agora Zorrinho, ciente da ofuscação de Mário Soares, rapidamente delineou uma estratégia de verdades inquestionáveis que deixam os adversários internos e os rivais externos boquiabertos com as suas mensagens pseudo-pessoanas. Zeguro ainda não percebeu que se trata de um golpe palaciano. Zeguro ainda não entendeu que está a ser levado pelo Zorrinho. Zeguro que já tinha de se preocupar com o regresso de Sócrates e o jogo de António Costa, agora tem de lidar com os afazeres dos homens de bata branca. Os homens que se batem pela verdade, pela definição do ser português. Mas não devemos esquecer que foi Zeguro que convidou Zorrinho para ser o cientista-mor do laboratório. E já se sabe que quando há cozinheiros a mais a confeccionar a sopa de letras e números, regra geral dá asneira. Tudo isto em nome da ciência, perdão, em nome de Portugal.

publicado às 10:50

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

por João Quaresma, em 03.10.13

Disto já não se faz.

publicado às 23:48

O melhor governo é aquele que governa menos.

por Ana Rodrigues Bidarra, em 24.07.13

 

 

 

"O melhor regime político é aquele que permita com mais segurança e facilidade o jogo livre e natural das forças (construtivas) sociais, e que com mais facilidade permita o acesso ao poder dos homens mais competentes para exercê-lo. É escusado acentuar que esse regime variará de nação para nação, e, em cada nação, de época para época.


Sucede com o regime democrático que, tendo, por sua mesma natureza, a primeira vantagem, é, por essa mesma natureza, o pior com respeito à segunda. A sua base liberal, dando azo a que as forças individuais se expandam sem constrangimento, garante a plena valorização destas forças, quanto nelas caiba. Mas o basear o seu sistema de governo num apelo a minorias, forçosamente ignorantes e incultas — ou absolutamente, ou pelo menos, em relação ao resto do país — faz com que o acesso ao poder seja quase limitado a homens dotados para dominar ou sugestionar as minorias, e as qualidade exigidas para esse fim não são as mesmas — são até por vezes contrárias — às que são exigidas para o governo da nação.

Se a transmissão de poderes da maioria para o governo tivesse nos dominadores e sugestionadores das maiorias, não o seu termo, mas um ponto intermédio — isto é, se os eleitos do povo fossem, não seus governantes, mas apenas os que escolheriam os governantes, eleitos não para governar mas para escolher —então se poderia admitir uma certa facilidade de acesso ao poder de homens competentes para exercê-lo. Não se pode porém esperar da fraqueza e do egoísmo humanos que os capazes de dominar empreguem essa capacidade simplesmente para fazer dominar outros; nem a vaidade que serve de base a toda a capacidade de domínio deixa de convencer o dominador da sua capacidade de governar também. O homem que domina multidões num comício facilmente se capacita que dominará números num orçamento. É um absurdo como lógica, natural como psicologia."


- Fernando Pessoa.

publicado às 21:49

Do sentido da vida (2)

por Samuel de Paiva Pires, em 07.01.13

Escreveu Fernando Pessoa, no Livro do Desassossego, «E sobretudo, por amor de Deus, não tomemos a sério nada do que fazemos. Façamos uma antedescoberta da futilidade do que fazemos.» Se tudo o que fazemos é fútil, se a vida não tem sentido e, sendo assim, dos acasos que nos sucedem não podemos retirar lições, já que são apenas isso, acasos, ainda que pareçam ligados entre si e se revistam de um amargo sabor irónico que nos faz pensar nas palavras de Chesterton a todo o momento, e se esses acasos, especialmente quando são fruto de injustiças gritantes, nos roubam os sonhos e nos compelem no sentido da mera existência - por oposição à vivência - então a afirmação com que Camus principia O Mito de Sísifo ganha ainda mais força: «Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio.» Escreveu Unamuno que os portugueses são um povo de suicidas. Ouvi hoje de manhã, na Antena 1, que o número de suicídios em Portugal aumentou. Provavelmente por causa da crise. O que se me afigura uma cobardia. Pôr cobro à vida por questões financeiras, por já não se conseguir viver ao mesmo nível de outrora, é próprio de espíritos fracos. Já colocar cobro à vida em virtude de um abalo existencial, é outra história completamente diferente. Surge então uma outra questão: onde é que se arranja coragem para tal? E mesmo que se consiga arranjar coragem, apresenta-se-nos ainda uma derradeira questão: e os outros que cá ficam? É que o suicídio é um egoísmo. E talvez seja nos outros que cá ficam que podemos encontrar o sentido da vida.

 

Leitura complementar: Do sentido da vida.

publicado às 21:28

77.º aniversário da morte de Fernando Pessoa

por Samuel de Paiva Pires, em 30.11.12

 

«Cada um de nós, na sua vida realizada e humana, não é senão a caricatura da sua própria alma. Somos sempre menos do que somos. Somos sempre a traição daquilo que quisemos ser e que, por isso, intimamente e verdadeiramente somos. A nossa vida é a nossa deselegância, o bobo eterno que a acompanha, e às vezes diverte, a divina Realeza.»

publicado às 12:33

Nacionalistas e estrangeirados

por Samuel de Paiva Pires, em 21.11.12



Eduardo Lourenço, "Nacionalistas e estrangeirados", in Heterodoxias:


«António Sérgio age, paradoxalmente, como um superpatriota. A certos respeitos, e por mais estranho que pareça, a sua atitude tem pontos de contacto com a do racionalista místico, mas também nacionalista místico que foi Fernando Pessoa. Só que Pessoa levou a abstracção, ou o sonho, mais longe que Sérgio. No fundo, Sérgio queria descobrir uma nova Índia como Pessoa, desejava um Portugal digno dessa nova descoberta como o de Quinhentos que é o objecto supremo dos seus desvelos, ele que era da Índia e Pessoa de parte nenhuma. Sérgio e Pessoa são também, como quase todos nós, herdeiros da Geração de 70, das suas visões pessimistas e hiperpatrióticas virando-as do avesso, convertidas em ironia ou sarcasmo para se vingeram da nossa imagem do presente português de que se envergonham ou os envergonha. Só para Sérgio a imagem ideal da nossa cultura existia como imagem exemplar europeia, da Europa da revolução científica atrás da qual corremos em vão, enquanto para Pessoa essa mesma Europa era também reino cadaveroso a redimir por um Portugal, futuro das nações como para Agostinho da Silva, um Portugal cuja existência histórica orgânica (não poluída pela sobrevivência ao outro) finara em Alcácer.»

publicado às 14:42

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Sendo, entre outras coisas, conhecido pela crítica que faz às noções de beleza vigentes nos mais variados domínios, em Beauty Roger Scruton sistematiza magistralmente a sua abordagem kantiana ao conceito de beleza. Rejeitando o relativismo da apreciação estética, considerando que a beleza é um valor universal ancorado na racionalidade humana, Scruton crê que é possível educar o gosto de forma a poder apreciar a beleza e fundamentar esta apreciação na razão. À primeira vista, esta posição pode parecer cair num racionalismo exagerado, mas quem conhece o trabalho de Scruton sabe que não é de todo o caso. A verdade é que, embora a contemporânea corrupção das artes nos leve a celebrar o que é feio, como Scruton não se cansa de assinalar, e esta crise fomentada pelo relativismo intelectual e moral se verifique essencialmente nas Ciências Sociais e Humanas, desde Platão que a beleza se encontra na companhia da verdade e do bem, sendo estes valores o trio que se constitui como centro das preocupações da Filosofia. Partindo desta concepção, o que Scruton faz é recuperar duas ideias de Kant: sendo a apreciação estética individual e, portanto, subjectiva, não deixa de ser passível de ser debatida com terceiros – e daí a possibilidade de se educar o gosto –; e a verdadeira apreciação da beleza é aquela que tem uma perspectiva de interesse desinteressado, sendo um fim em si mesma.

 

É nesta segunda ideia que me quero focar. Scruton afirma que não «avaliamos a beleza de algo apenas pela sua utilidade, mas também pelo que as coisas são em si próprias – ou mais plausivelmente, pela forma como aparecem em si próprias. (…) Quando o nosso interesse é inteiramente tomado por uma coisa, como ela aparece na nossa percepção, e independentemente de qualquer uso que se lhe possa dar, então podemos começar a falar da sua beleza.»1 Desta forma, «consideramos algo belo quando obtemos prazer em contemplá-lo como um objecto individual, por si próprio, e na sua forma apresentada. (…) Estar interessado na beleza é colocar todos os interesses de lado, de modo a atender à coisa em si própria.»2 É isto que é um interesse desinteressado, contrário à abordagem interessada que pressupõe tratar algo ou alguém como um meio para satisfazer os nossos interesses.

 

Feitos os considerandos anteriores, permitam-me procurar aplicá-los a duas situações: a música e a beleza feminina.  

 

Não me recordo onde foi que li ou ouvi que a diferença entre estar apaixonado e não estar é que quando se está a música faz sentido. A ideia parece estar correcta, à primeira vista. Não é preciso realizar um apurado estudo estatístico para chegarmos à noção de que a esmagadora maioria das músicas trata da temática do amor. O que acontece quando estamos apaixonados e ouvimos determinadas músicas é que estas ficam associadas a certos momentos e à pessoa a quem o nosso amor se dirige. Quer o sentimento seja correspondido ou não, quer as músicas nos apareçam por acaso ou sejamos nós a procurar ouvi-las deliberadamente, as composições e as letras parecem feitas de propósito para nós. Quer seja a alegria ou a tristeza que nos invada, parecem realmente fazer sentido. Mas este sentido não decorre da apreciação da música como fim em si mesma. Decorre da condição do sujeito que realiza a apreciação, o que significa que esta tem um contexto do qual o sujeito não se consegue desligar e que não serve o propósito de efectuar uma mais correcta apreciação do valor estético do objecto visado. Por outro lado, quando não estamos apaixonados, por estranho que isto possa parecer a muitos indivíduos, estamos em condições de poder apreciar de forma mais verdadeira – porque inteiramente desprovida de interesse – a beleza de uma música. Não há, contudo, como escapar à temática do amor. Se o tentássemos fazer, provavelmente acabávamos a ouvir uma diminuta porção de toda a música jamais realizada. Mas mesmo que pudéssemos escapar a esta temática, por que o haveríamos de fazer? Juntamente com a verdade, o bem e a beleza, o amor também se constituiu desde a Antiguidade Clássica como temática de eleição dos filósofos, dado que se encontra inscrito na natureza humana e é provavelmente o sentimento mais poderoso que qualquer ser humano pode sentir. Mesmo quando não estamos apaixonados, ou sonhamos em estar ou queremos não cair nesta condição. O amor define-nos, e define em parte a forma como vemos e estamos no mundo.

 

Isto significa também que o amor está ligado à apreciação da beleza. Dado que o amor se revela na concretização do desejo sexual erótico individualizado, tendo precisamente a ver com a intencionalidade da emoção sexual dirigida a um sujeito corporizado e não apenas a um corpo, importa salientar que, citando novamente Scruton, “De acordo com Platão, o desejo sexual, na sua forma comum, envolve um desejo de possuir o que é mortal e transitório, e uma consequente escravização ao aspecto menor da alma, o aspecto que está imerso no imediatismo sensual e nas coisas deste mundo. O amor pela beleza é realmente um sinal para nos libertarmos deste apego sensorial, e de começarmos a ascensão da alma em direcção ao mundo das ideias, para aí participarmos na versão divina da reprodução, que é a compreensão e a transmissão de verdades eternas.»3 Quando os nossos sentidos estão despertos, quando procuramos a beleza como fim em si mesma, por vezes, embora raramente, deparamo-nos com uma mulher que nos deixa com uma sensação de verdadeira admiração por si, sem que tal envolva necessariamente um interesse sexual. Nestes momentos, percebemos realmente o dilema entre os nossos desejos e instintos primários e o nosso eu mais racional. Prevalecendo o segundo, abre-se a porta a todo um novo tipo de sensações. Chega a tratar-se, quando muito, caso conheçamos a pessoa e, portanto, esta não seja meramente uma estranha que se nos atravessa na rua, de um amor platónico – a sublimação do amor erótico, dirigido a algo mais elevado que é o prazer da contemplação de algo belo. Não contém, nem poderia, o desejo sexual, porque tal seria conspurcar um objecto que para nós se torna sagrado.

 

Quando existe desejo sexual, quando se trata da mais comum forma de amor, abre-se a porta à eventualidade de sermos invadidos por sensações bem menos tranquilizantes que as referidas no parágrafo anterior. Fernando Pessoa escreveu que todas as cartas de amor são ridículas. E são-no porque ainda antes de serem escritas têm um propósito definido – conquistar a outra pessoa – que advém de algo tão forte que chega a escravizar quem escreve a carta. Quando o eu irracional, primário e movido pelo desejo, se sobrepõe ao eu racional, o resultado é quase sempre desastroso, ridículo e piroso. Numa carta de amor, é-o necessariamente porque a carta é um mero instrumento que visa a conquista do outro, que é objectificado com vista a satisfazer as necessidades emocionais e sexuais de quem escreve. Amar é um egoísmo totalitário e avassalador. Quando não se está inebriado por este tipo de sentimentos, apreciar a beleza de alguém como fim em si mesmo reveste-se de uma natureza completamente diferente. E se por acaso o nosso espírito o decidir declarar à visada, a sensação de o fazer e após o fazer é completamente diferente. É algo verdadeiramente genuíno e que conforta a alma daqueles que estão despertos para a beleza que se encontra neste mundo. Afinal, o que poderá ser mais poético do que a beleza pela beleza?

 

Como escreveu Oscar Wilde, “Aqueles que encontram belas significações nas coisas belas são cultos. Para esses há esperança. São os eleitos aqueles para quem as coisas belas apenas significam Beleza.”



1 - Roger Scruton, Beauty, Oxford,Oxford University Press, 2009, p. 17.

2 - Ibid., p. 26.

3 - Ibid., p. 41.

publicado às 02:35

Do estado mental irracional dos comunistas

por Samuel de Paiva Pires, em 09.08.12

Eric Voegelin, "Liberalism and Its History":

 

«The radical revolutionary must make the revolution into a permanent condition; there can be no compromise or stabilization of the achievements at a definite point. For as soon as a plateau of stabilization is permitted, the revolution is over. To keep a revolution alive one must carry it on further; it thrives on unrest, it needs a permanent opponent; it must meet obstacles to be overcome by its assault, etc. If there are no more obstacles, no more imperialists or deviationists, the revolution dies for lack of things to attack. Revolution can end only if it has reached its goal. And this is precisely the insight expressed by Trotsky in his idea of the révolution permanente: revolution in the modern sense has no intention of producing a stable condition; revolution is the mental and spiritual condition of an act which has no rational goal. The revolution can be permanent because its formal goal, which in communism is a society whose members have become supermen, cannot be realized. Revolution becomes permanent when the revolutionary posits a goal which ex definitione cannot be reached because it requires the transformation of human nature. The unchangeable nature of man constantly places obstacles in the path to the paradisaical goal. If the goal of the revolution is defined by a gnostic philosophy of history, then revolutionary action has no rational goal.»

 

Fernando Pessoa, "O Preconceito Revolucionário":

 

«O estado mental do homem que crê na eficácia social directa das revoluções é exactamente o mesmo do do homem que crê na realidade dos milagres. A crença na eficácia das revoluções pressupõe a crença na intervenção antinatural da vontade humana no curso natural das coisas sociais. Não é mais absurdo supor que determinado taumaturgo inverte, por o uso de qualidades inanalisáveis, as leis físicas e naturais [?], do que supor que um grupo de homens nascido no mesmo meio que outro grupo, educado da mesma maneira, sofrendo as mesmas influências, e com hereditariedade social idêntica, pode, substituindo-se a esse outro grupo e por o simples facto de ter ideias diferentes, agir diferentemente na vida social. Isto é tão simples!

 

O estado social permanece o mesmo agravado com a anarquia que resulta da substituição violenta de uma situação administrativa por outra. Os antigos detentores do poder, por imorais e corruptos que fossem, tinham, ao menos, pelo uso do poder, certa noção inevitável de como usá-lo, conheciam, pelo menos, como administrar. Os recém-vindos, iguais moralmente a eles por serem produto do mesmo meio, levam para o poder a falta de prática do poder; são fatalmente piores — intelectualmente piores. Assim, os governos revolucionários, sendo tão imorais como os governos anteriores, são intelectualmente mais incompetentes. (...)»

publicado às 16:00

Fernando Pessoa, nascido a 13 de Junho de 1888

por Samuel de Paiva Pires, em 13.06.12

 

 


O Agnosticismo puro é impossível
:

 

«O Agnosticismo puro é impossível. O único agnosticismo verdadeiro é a ignorância. Porque para nos radicarmos no agnosticismo é‑nos preciso um raciocínio para nos persuadir que a razão tem certos limites. — Ora, quem observa, pode parar; quem raciocina não pode parar. Portanto, quando pelo raciocínio havemos provado a limitação ou a não‑limitação destas ou daquelas faculdades, não podemos dizer: «paremos aqui» mas devemos seguir no raciocínio e tirar dessa limitação — na limitação, as consequências deduzíveis. Assim fazem todos os «agnósticos» consciente ou inconscientemente.»

publicado às 16:46

Sobre a interpretação de manifestações

por Samuel de Paiva Pires, em 23.03.12

Ana Lima, Uma reflexão de Pessoa:

 

Dizia Pessoa: “nisto de manifestações populares o mais difícil é interpretá-las. Em geral, quem a elas assiste ou sabe delas ingenuamente as interpreta pelos factos como se deram. Ora, nada se pode interpretar pelos factos como se deram. Nada é como se dá. Temos que alterar os factos, tais como se deram, para poder perceber o que realmente se deu. É costume dizer-se que contra factos não há argumentos. Ora só contra factos é que há argumentos. Os argumentos são, quase sempre, mais verdadeiros do que os factos. A lógica é o nosso critério de verdade, e é nos argumentos, e não nos factos, que pode haver lógica."

publicado às 18:54

À atenção de indignados e revolucionários

por Samuel de Paiva Pires, em 16.10.11

Fernando Pessoa, "O Preconceito Revolucionário":

 

«O estado mental do homem que crê na eficácia social directa das revoluções é exactamente o mesmo do do homem que crê na realidade dos milagres. A crença na eficácia das revoluções pressupõe a crença na intervenção antinatural da vontade humana no curso natural das coisas sociais. Não é mais absurdo supor que determinado taumaturgo inverte, por o uso de qualidades inanalisáveis, as leis físicas e naturais [?], do que supor que um grupo de homens nascido no mesmo meio que outro grupo, educado da mesma maneira, sofrendo as mesmas influências, e com hereditariedade social idêntica, pode, substituindo-se a esse outro grupo e por o simples facto de ter ideias diferentes, agir diferentemente na vida social. Isto é tão simples!

 

O estado social permanece o mesmo agravado com a anarquia que resulta da substituição violenta de uma situação administrativa por outra. Os antigos detentores do poder, por imorais e corruptos que fossem, tinham, ao menos, pelo uso do poder, certa noção inevitável de como usá-lo, conheciam, pelo menos, como administrar. Os recém-vindos, iguais moralmente a eles por serem produto do mesmo meio, levam para o poder a falta de prática do poder; são fatalmente piores — intelectualmente piores. Assim, os governos revolucionários, sendo tão imorais como os governos anteriores, são intelectualmente mais incompetentes. (...)»

publicado às 18:04

Um poderoso ensaio de Pessoa, incluído no volume intitulado A Essência do Comércio, da coleccão do i, e retirado daqui.

 

 

 

"A questão chamada dos tabacos veio trazer de novo à superfície o problema batido e debatido de se se deve preferir o sistema de administração de Estado (que no caso particular dos tabacos é uso denominar régie), o sistema de monopólio privado ou o sistema de concorrência livre.

 

Evidentemente, em qualquer problema desta ordem há três pontos a considerar, ou três interesses — os do Estado, os do comércio ou indústria e os do consumidor. E todos os problemas particulares deste género se apresentam de diverso modo no que respeita a cada um desses interesses. Não é, porém, nosso intuito — nem, dada a índole desta Revista, poderia ser — o tratar particularmente do problema do regime dos tabacos em Portugal. O que pretendemos é servir-nos da oportunidade oferecida por ele, ou, melhor, pelo estado agudo dele, para estudar a questão na sua absoluta generalidade.

 

Limitar-nos-emos pois a estudar imparcialmente — ou tão imparcialmente quanto humanamente seja possível — as vantagens e as desvantagens dos três sistemas de administração comercial e industrial. Nada mais.

 

Considerada em si mesma, a administração de Estado é o pior de todos os sistemas imagináveis para qualquer das três entidades com que essa administração implica. De todas as coisas “organizadas", é o Estado, em qualquer parte ou época, a mais mal organizada de todas. E a razão é evidente. A sociologia é uma pseudociência, ou, pelo menos, uma protociência. Não há ciência social, ou, pelo menos, não a há por enquanto. Em matéria social há só opiniões, tão pouco definitivas e científicas como as que há em matéria artística ou literária. Desconhecemos por completo que leis regem as sociedades, ignoramos por inteiro o que seja, em sua essência, uma sociedade, porquê e como nasce, segundo que leis se desenvolve, porquê e de que modo se definha e morre. Ninguém ainda sequer definiu satisfatoriamente “sociedade”, “progresso” ou “civilização”. A humanidade tem-se entretido — desde a formação, na Grécia antiga, do espírito critico — a idear sistemas políticos e sociais “definitivos” em matéria tão flutuante e incerta como a vida, em assunto ainda tão fora da ciência como a sociedade.

 

É preciso, contudo, que as sociedades, sejam o que forem, se governem; é forçoso que haja um Estado de qualquer espécie. E esse Estado é chamado a governar uma coisa que não sabe ao certo o que é, a legislar para uma entidade cuja essência desconhece, a orientar um agrupamento que segue (sem dúvida) uma orientação vital que se ignora, derivada de leis naturais que também se ignoram, e que pode portanto ser bem diferente daquela que o Estado pretende imprimir-lhe. Assim o mais honesto e desinteressado dos políticos e dos governantes nunca pode saber com certeza se não está arruinando um país ou uma sociedade com os princípios e leis, que julga sãos, com que se propõe salvá-la ou conservá-la.

 

A lei aparentemente mais justa, a lei mais de acordo com os nossos sentimentos de equidade, pode ser contrária a qualquer lei natural, pois pode bem ser que as leis naturais nada tenham com a nossa “justiça” e em nada se ajustem às nossas ideias do que é bom e justo. Por o que conhecemos da operação de algumas dessas leis — por exemplo, a da hereditariedade —, a Natureza parece frequentemente timbrar em ser injusta e tirânica. Ora não há certeza que a Natureza seja mais terna para a vida social do que para a vida individual. Ninguém ainda provou, por exemplo, que a abolição da escravatura fosse um bem social. Ninguém o provou, porque ninguém o pode provar. Quem nos diz que a escravatura não seja uma lei natural da vida das sociedades sãs? Ninguém o pode dizer, porque ninguém sabe quais são as leis naturais da vida das sociedades e essa pode portanto ser uma delas. A velha afirmação de Aristóteles — aliás tão pouco propenso a soluções “tirânicas” — de que a escravatura é um dos fundamentos da vida social, pode dizer-se que ainda está de pé. E ainda está de pé porque não há com que deitá-la abaixo. A essência do que em política se chama “conservantismo” nasce directamente desta nossa ignorância, consiste no receio de infringir leis desconhecidas em matéria onde todas as leis são desconhecidas.

 

É pois evidente que quanto mais o Estado intervém na vida espontânea da sociedade, mais risco há, se não positivamente mais certeza, de a estar prejudicando; mais risco há, se não mais certeza, de estar entrando em conflito com leis naturais, com leis fundamentais da vida, que, como ninguém as conhece, ninguém tem a certeza de não estar violando. E a violação das leis naturais tem sanções automáticas a que ninguém tem o poder de esquivar-se. Pretendendo corrigir a Natureza, pretendemos realmente substituí-la, o que é impossível e resulta no nosso próprio aniquilamento e no do nosso esforço.

 

Os riscos, e pois os prejuízos, da administração de Estado estão evidentemente na razão directa da extensão com que essa administração intervém na vida social espontânea. Máximos nos regimes reformadores, que pretendem organizar de novo uma coisa chamada “sociedade”, que não sabem o que é nem a que leis obedece, esses riscos e essa extensão baixam à medida que a administração de Estado se aproxima da estrita actividade fiscal e tributária que só ao Estado compete, porque só ao Estado pode competir. Mas não é a esta actividade própria e restrita que nos referimos quando examinamos a questão de administração de Estado; referimo-nos a essa administração em geral e, particularmente, à administração pelo Estado de comércios ou indústrias que podem não ser administrados por ele. Pelas razões já vistas, é evidente que, na proporção em que esses comércios ou indústrias forem importantes, e implicarem com a vida da sociedade ou da nação nessa mesma proporção será prejudicial a administração deles pelo Estado. E se essas indústrias ou comércios não tiverem importância nacional ou social, não há razão para que o Estado queira ocupar-se deles. Em qualquer dos casos, pois, a administração do Estado é um erro: num caso é inevitavelmente nociva, no outro francamente desnecessária.

 

Viciosa, assim, em sua própria essência, a administração de Estado sofre ainda a viciação proveniente de ser exercida por e através do tipo de indivíduo que em geral forma o funcionário público. Salvo para as carreiras militares — em que há abertas especiais para a ambição e para a energia —, nenhum homem de verdadeira energia e ambição entra para o serviço fixo do Estado. Não entra porque não há ali caminho para a energia, e muito menos para a ambição. O novelista americano Nathaniel Hawthorne marca isto com extraordinário relevo no prefácio do seu romance A Letra Encarnada. Formado, pois, de um conjunto de homens necessariamente inferiores nas suas qualidades de acção, o serviço público civil resulta universalmente incompetente e desleixado e, derivadamente em sociedades eivadas de qualquer vírus corruptor, mais corrupto que qualquer outro conjunto.

 

Estes elementos fixos, assim tão pouco aptos para o desempenho competente de qualquer função administrativa, ainda que subordinada, são dirigidos, nos estados modernos, por políticos profissionais, isto é, por indivíduos que subiram ao poder por circunstâncias várias, em que a competência administrativa não entra, nem tem que entrar. Aliás, quem tem uma notável competência administrativa emprega hoje a sua actividade em campos mais apropriados que a governação dos países. E se em quase todas as nações assim acontece, assim sobretudo sucede naquelas onde a instabilidade governativa é acentuada; nenhum administrador verdadeiro se sujeita a administrar com risco de descontinuidade e interrupção.

 

A administração de Estado só é admissível quando é inevitável, e só é inevitável num caso anormal, a guerra, e, ainda assim, só para certas indústrias ou comércios. Como porém, nas sociedades chamadas civilizadas, as actividades normais são todas de ordem pacífica, e a guerra, motivando a suspensão de actividades pacificas, implica a suspensão da própria essência do que constituiu uma sociedade civilizada, o facto de que o Estado só pode utilmente administrar um comércio ou uma indústria em tempo de guerra é mais um argumento contra o exercício normal pelo Estado desse comércio ou dessa indústria.

 

A administração pelo Estado de uma indústria ou de um comércio é prejudicial ao Estado, porque todo o comércio ou indústria mal administrado é prejudicial a si mesmo; e é prejudicial à indústria ou ao comércio particular, que por ela fica proibido. Só pode, em certos casos, beneficiar o consumidor; porque pode bem ser que o produto vendido o seja em condições anormalmente favoráveis. Há serviços de Estado em muitos países, que trabalham com deficit previsto para beneficiar o consumidor. Como, porém, esse consumidor é ao mesmo tempo contribuinte, o que o Estado lhe dá com a mão direita, terá fatalmente que tirar-lho com a esquerda. O consumidor é, no fim, quem paga o que deixa de pagar.

 

Seria ridículo e indesculpável que, depois destas considerações essenciais, gastássemos a paciência do leitor com o exame da mitologia de argumentos que se têm apresentado em defesa da “nacionalização”, ou administração de Estado. Nenhum desses argumentos, próprios em geral só para contos humorísticos ou discursos políticos, pode prevalecer contra as considerações orgânicas que apresentámos.

 

Sabemos bem, é certo, que administração de Estado não causa hoje o horror que causava no século que passou. Sabemos bem que está hoje em curso o ataque ao individualismo económico do século dezanove. Mas também sabemos que, assim como há modas no vestuário, assim as há nas ideias. Onde não há ciência, nada leva de vantagem a ideia de hoje sobre a ideia de ontem, porque não representa um acréscimo de conhecimentos. E em matéria social ainda não há ciência.

 

Os monopólios São de duas ordens — os monopólios artificiais e legais, isto é, concedidos pelo Estado, por lei ou contrato; e os monopólios naturais e espontâneos, isto é, formados, em liberdade de comércio ou indústria, pela concentração de empresas, ou pela absorção de umas por outras, ou de várias por uma só. Os chamados trusts são um caso flagrante deste último tipo de monopólio.

 

Trataremos agora dos monopólios legais — dos que o Estado concede ou autoriza por contrato ou lei. Dos monopólios espontâneos, como são produtos especiais da liberdade de comércio e de indústria, trataremos quando tratarmos desta.

 

O monopólio legal é ao mesmo tempo análogo à administração de Estado e diferente dela. Há, evidentemente, várias espécies e graus de monopólios legais, como, aliás, dos outros; e consoante essas espécies e esses graus, se acentuam ou se esbatem as analogias e as diferenças entre eles e a administração de Estado. Trataremos, porém, do assunto com o máximo possível de generalização. A administração de Estado tem característicos próprios, por ser de Estado; são os que já delineámos. Mas, à parte esses característicos, apresenta ela os que são comuns a todas as empresas que não têm que recear concorrência: a artificialidade económica, porque vivem uma vida económica claustral, separada dos contactos e choques com os fenómenos económicos gerais; a incúria técnica, porque estão economicamente garantidas; a tendência para o abuso, porque para o abuso tende instintivamente todo o homem, ou toda a instituição humana, logo que não exista um travão fácil, rápido e natural para os seus actos. E evidentemente por estes característicos que os monopólios — e sobretudo os legais, em que a garantia é absoluta — têm analogia com a administração de Estado.

 

A par destas analogias com a administração de Estado, apresentam os monopólios certas diferenças dela.

 

A primeira diferença consiste na especialização. Um monopólio comercial ou industrial é exercido por uma empresa exclusivamente comercial ou industrial; e como, em geral, a matéria de um monopólio é especial e importante, a empresa, que o detém, não se dedica ordinariamente a qualquer outro comércio ou indústria. O Estado, ao contrário, nem exerce tipicamente as funções comerciais ou industriais, nem pode exercer exclusivamente essas funções. Ora a especialização tende a atenuar, nos monopólios, a incúria técnica que a segurança económica neles estimula.

 

A segunda diferença consiste na temporaridade. Salvo em casos especiais — e como tais, em geral, postos explicitamente —as funções e actividades do Estado, e sobretudo as administrativas, têm um carácter de permanência, de perpetuidade. Os monopólios, ao contrário, têm um prazo; são concedidos por um certo, e determinado, tempo. A sua segurança económica sofre assim, porque a sofre no tempo, uma certa limitação; de absoluta torna-se relativa, e assim o seu principal efeito — a artificialidade económica — perde também o seu carácter absoluto, e em certo modo, e até certo ponto, se diminui e limita. Por outro lado, porém, a temporalidade dos monopólios agrava aquela “tendência para o abuso" a que já nos referimos. Todos tendem para abusar; e quem está em condições de poder fazê-lo fá-lo-á com mais certeza e violência se tiver um prazo marcado para a possibilidade desse abuso. Quanto menor for o prazo, maior tenderá a ser o abuso. Acresce que as empresas comerciais e industriais existem especialmente para auferir lucros, por meio de um serviço qualquer prestado ao público; quanto menor for o prazo que lhes é dado para auferir esses lucros, maiores lucros farão eles por auferir em cada ano desse prazo. A tendência humana para abusar atinge economicamente o seu máximo no regime de monopólio.

 

A terceira diferença consiste na separação das funções administrativas e fiscais. Na administração de Estado é o Estado o fiscal da sua própria administração. Ora isto é duplamente mau. É mau, em primeiro lugar, porque a fiscalização do Estado participa da imperfeição orgânica, (já por nós claramente exposta) dessa instituição necessária. É mau, em segundo lugar, porque ninguém — e sobretudo o Estado, entidade anónima e dispersa — é bom fiscal de si mesmo. Nos monopólios legais, porém, separam-se a administração e a fiscalização: a primeira fica no monopólio, a segunda fica no Estado. Um dos males, portanto, desaparece imediatamente. E, se a fiscalização do Estado não for de urna incompetência extraordinária, ou de uma corrupção extrema, de algum modo se poderá atenuar a tendência para o abuso, que, como vimos, é absolutamente orgânica nos monopólios.

 

Tratado assim, em sua essência e generalidade, o regime do monopólio legal, passamos a ocupar-nos do da liberdade de comércio ou indústria.

 

O regime de liberdade apresenta, a nosso ver, cinco característicos: três que são vantagens, dois que são desvantagens. É natural, estimula a profidência técnica, e tende a manter os preços no mínimo possível: estas são as vantagens. É essencialmente incoordenado e instável e, quando degenera, torna-se uma tirania pior que a de qualquer outro sistema: estas são as desvantagens.

 

O regime de liberdade é natural porque deixa as forças económicas — cuja natureza e leis desconhecemos — entregues a si mesmas; não as complicamos pois com a nossa intervenção ignorante, dificilmente benéfica — a não ser por acaso —, como toda a intervenção ignorante. O regime de liberdade, determinando e estimulando a concorrência, força cada concorrente a aperfeiçoar os seus serviços comerciais ou industriais, para levar vantagem aos outros. Sob outro aspecto, essa mesma concorrência conduz naturalmente cada concorrente a não elevar os seus preços para além dos dos outros, pois que seria o primeiro a perder com isso. Este aspecto da questão é trivial e conhecido.

 

O regime de liberdade é incoordenado porque é individualizante, e é instável porque é incoordenado. O regime de concorrência põe cada concorrente em oposição, não só a cada um dos outros, mas ao conjunto de todos os outros. A congregação ou coordenação de esforços adentro de cada indústria ou de cada comércio torna-se difícil e, na proporção em que se torna difícil, se torna difícil aquele especial aperfeiçoamento dessa indústria ou desse comércio que nasce de ele, ou de ela, tomar consciência plena de si mesmo, o que só pode fazer se os seus elementos componentes e representativos não se repelirem uns aos outros. Além disto, os problemas comerciais e industriais não surgem em abstracto, mas em relação a entidades sociais chamadas nações; e onde uma concorrência nacional se sobreponha a uma concorrência individual, a pulverização oriunda do regime livre deixa desprevenida uma indústria ou um comércio, e uma nação. Acresce, como indicámos, que o que é incoordenado é instável. A certos incidentes ou contingências económicas, que particularmente ou especialmente afectem um certo comércio ou uma certa indústria, esse comércio, ou essa indústria, só pode fazer face se tiver um conjunto, se puder formar um conjunto, com que lhes possa fazer face. E, como os incidentes e contingências económicas são, como todos os fenómenos sociais, complexos e compostos de elementos vários, um conjunto inorgânico é instabilizado imediatamente pelo embate deles, e os elementos incoordenados, que compõem esse conjunto, agitados em sentidos diferentes pelas forças diferentes de que cada incidente ou contingência se compõe.

 

Mas, se a incoordenação social da liberdade económica é um defeito, maior, socialmente, é o defeito que nasce de essa liberdade se coordenar. Como o regime de liberdade económica é essencialmente incoordenado, a coordenação só se forma nele por uma degenerescência do seu princípio basilar. Essa coordenação, ou essa degenerescência, dá-se de uma de duas maneiras — a formação de monopólios espontâneos, ou a sindicação. Ambos estes sistemas nascem do regime da liberdade; ambos, uma vez nascidos, o passam a aluir nos seus fundamentos. Foi por isso que aludimos a estes sistemas como “a degenerescência” do regime de liberdade. Quem não sai aos seus, degenera...

 

O monopólio espontâneo, ou natural, de que os chamados trusts são o exemplo típico, forma-se por agrupamento de empresas, ou por absorção de umas por outras ou várias por uma só. O monopólio espontâneo apresenta os característicos que já indicámos como os do monopólio legal, porém com duas formidáveis excepções: como é natural, e nasce do próprio jogo das forças económicas, tem a força orgânica, a brutalidade íntima, de qualquer força da natureza; como não é legal, não está sujeito a fiscalização, boa ou má, de espécie alguma. Desaba sobre a sociedade como uma tempestade ou um cataclismo, e os governos, não hão-de deixá-lo esmagá-la ou, se o quiserem combater, hão-de colocar-se em situação falsa, pois, não havendo nele nada de ilegal, terão, para o combater, que sair, eles, da legalidade.

 

A sindicação, saída da liberdade como o monopólio espontâneo, é igualmente inimiga dela, e sobretudo das vantagens dela; é-o com menos brutalidade e evidência e, por isso mesmo, com mais segurança. Um sindicato ou associação de classe — comercial, industrial, ou de outra qualquer espécie — nasce aparentemente de uma congregação livre dos indivíduos que compõem essa classe; como, porém, quem não entrar para esse sindicato fica sujeito a desvantagens de diversa ordem, a sindicação é realmente obrigatória. Uma vez constituído o sindicato, passam a dominar nele — parte mínima que se substitui ao todo — não os profissionais (comerciantes, industriais, ou o que quer que sejam) mais hábeis e representativos, mas os indivíduos simplesmente mais aptos e competentes para a vida sindical, isto é, para a política eleitoral dessas agremiações. Todo o sindicato é, social e profissionalmente, um mito. Mais incisivamente ainda: nenhuma associação de classe é uma associação de classe. No caso especial da sindicação na indústria e no comércio, o resultado é desaparecerem todas as vantagens da concorrência livre, sem se adquirir qualquer espécie de coordenação útil ou benéfica. O carácter natural do regime livre atenua-se, porque surge em meio dele este elemento estranho e essencialmente oposto à liberdade. A vantagem pública da não elevação desnecessária de preços desaparece por completo, pois, por haver sindicato, é fácil a combinação e a “frente-única" contra o público e, por esse sindicato ser tirânico, é fácil compelir à aceitação de novas tabelas os profissionais pouco dispostos a aceitá-las.

 

Quanto ao aperfeiçoamento dos serviços comerciais ou industriais, que a concorrência estimula o sindicato diminui-o na própria proporção em que diminui o espírito de concorrência e, como nunca é dirigido por grandes profissionais, mas por políticos de dentro da profissão, pouco pode animar directamente a técnica da indústria ou do comércio que representa. Nem resulta da acção do sindicato qualquer coordenação útil que compense estas desvantagens todas. Não tendo uma verdadeira base de liberdade, o sindicato não coordena a classe como indivíduos; não tendo nunca uma direcção profissionalmente superior, o sindicato não coordena a classe como profissionais; não tendo outro fim senão o profissional e o económico, o sindicato não coordena a classe como cidadãos.

 

Expusemos sucessivamente, analisando-os, o que são, em suas operações económicas e sociais, os regimes de administração de Estado, de monopólio e de liberdade de comércio e indústria. Fizemos o possível para expor imparcialmente as vantagens e desvantagens inerentes a cada um, ou às formas que cada um pode assumir. Repetimos, porém; que essas vantagens e desvantagens são as que pertencem à própria essência e generalidade de cada sistema. Quanto às vantagens e desvantagens da aplicação de cada um a este ou àquele caso particular, depende do caso particular. E nós não nos dispusemos a estudar caso particular nenhum."

 

publicado às 15:57

Tinha 16 anos quando começou a sentir o apelo do mar.

por Cristina Ribeiro, em 08.07.09

 

Mas então acontecera aquela tragédia. Esperar que o tempo aliviasse a dor...

Agora, três anos depois, dissera à mãe: ia ser pescador; o tio arranjara-lhe um lugar no seu barco...

Cheia de receios, a viúva do Tónio Mestre acatava a vontade do filho. Fazer o quê? rezar para que tudo corresse bem...

   Chegada a madrugada da primeira largada, as mulheres, como sempre, acompanhavam os seus homens à praia, e dentre elas destacava-se o vulto negro da mãe, que tratava, sabe-se lá a que custos, de mostrar um semblante calmo e encorajador.

Enquanto o barco se afastava ergueu os olhos ao céu, numa preçe -  Que volte cedo, e bem! - para logo os fixar de novo no mar, onde só se via já, ao longe, um pequenino ponto,como que a suplicar-lhe se mantivesse calmo, como calmo estava agora...

 

publicado às 18:24

Especialmente a pensar na viragem à direita em toda a Europa, demonstrativa de que o discurso do regresso da esquerda acabou por ser contraproducente, relembro o famoso concerto de Natal em que Leonard Bernstein conduziu músicos de diversas orquestras, poucas semanas após a queda do Muro de Berlim. Da 9.ª Sinfonia de Beethoven é extraída a Ode ou Hino à Alegria, em inglês "Ode to Freedom", especialmente significativa se  considerarmos que os povos europeus continuam a ter o mercado como o melhor instrumento de garantia da sua liberdade, por oposição ao tão propalado regresso a Marx. É que afinal o povo não é assim tão estúpido e o neoliberalismo não é esse papão de que todos falam e ninguém sabe o que é. Porque como diria Fernando Pessoa "a ânsia de liberdade é comum ao homem superior e ao mendigo que não quer trabalhar. Assim, as instituições liberais tanto podem significar a expressão da liberdade, como a expressão da incúria e do desleixo", aproveitemos a liberdade que a Europa nos permite para nos regozijarmos com o Hino Europeu e nos inspirarmos para continuar a construção desta:

 

publicado às 02:16






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