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Arrisco mais uma vez com palpites sobre o resultado final das eleições presidenciais francesas. O meu track-record recente é deplorável. Enganei-me com o Brexit e estampei-me com Hillary. Ou seja, não ofereço garantias do que quer que seja. No entanto, avanço com alguns cenários conceptuais, com um modelo operativo ideológico questionável. Assumindo a vitória final de Macron devemos levar em conta o seguinte. O Emanuel tem de cantar uma parte da cantiga pop. Afinal foi mais de 20% do eleitorado que escolheu Le Pen nesta primeira ronda, e nessa medida, como em semelhante medida de um choroso socialista Fillon, Macron terá de acomodar vontades e desejos que não os seus. Nesse terreno alegadamente amorfo de centralidades ideológicas, se Macron for de facto o próximo presidente, terá de incluir uma parte da agenda patriótica de Le Pen, outra parte socialista-tributária-penalizadora de Fillon, e agradar ao firmamento financeiro de onde provém, onde fez escola na banca de investimento. O pilar de desmontagem da globalização de que se serve Le Pen não é totalmente descabido. Afinal, foi em nome da eficiência produtiva que a mesma avançou e simultaneamente cavou o fosso largo de justiça económica e social, entre abastados e nem por isso. Nesta panóplia de considerações a ter em conta, Macron formará a sua presidência numa espécie de geringonça atípica, ou, traindo os intentos enunciados, e nesta ante-câmara de derradeira campanha política, assumindo sem pudor o espaço ocupado por Le Pen. Os socorristas Fillon ou Hamon, ao fazerem-se ao piso de Macron, servem duas causas; por um lado procuram derrotar Le Pen, e por outro lado entusiasmam-se com a possibilidade de serem recrutados politicamente. Em todo o caso, devemos levar em conta que as ocorrências francesas determinarão novas ordens. No plano doméstico da nação gaulesa, mas sobretudo ao nível da arqueologia da União Europeia (UE) que ainda vive a ilusão das grandes famílias políticas europeias. Embora se sirvam com saudosismo de grandes chavões de referência e figuras abstractas, a verdade é que muitos terão de mudar de chip rapidamente. Portugal, mas sobretudo os socialistas cá do burgo, em vésperas de comemoração democrática-revolucionária, terão de encontrar figuras de referência no algo decadente quadro socialista pan-europeu - os socialistas franceses não estão disponíveis, não servem para grandes ideários. Não esqueçamos que existem muitos que desejam a eutanásia da UE, o desfalecimento endémico do projecto. Encontramo-nos sem dúvida num momento chave da história da Europa. Mas tardamos em encontrar a porta certa neste labirinto de possibilidades.
Os democratas franceses nada aprenderam com os mais recentes eventos que abanaram o sistema político norte-americano. A lição de Hillary não foi assimilada. São tantos os participantes a concurso nesse campo ideológico que Marine Le Pen deve estar a esfregar as mãos de contente. Sarkozy jafoste. E agora Fillon mignon apresenta-se com grandes desígnios que se inscrevem nessa velha escola de funcionalismo público, impostos mais ou menos baixos, e depois, como se ninguém reparasse, lá mete um referendo sobre a quota de imigrantes como se a virtude democrática das massas pudesse ser exultada de um modo honesto. Ou seja, defende o que Trump defende, mas não assina o despacho. Remete para o povo essa decisão nefasta. Sacode preventivamente a água do capote do nacionalismo residente na marselhesa. Em plena época de falências do politicamente correcto o filão de Fillon não pega. Nas cidades e nas serras, e nos banlieu, o código de sobrevivência é outro. Os franceses de pleno direito, que em tempos não o eram, são os primeiros a pôr trancas à porta, a barrar a porta a "ladrões" de empregos. E há mais. A alegada moderação de Trump apenas ajuda a consolidar a ideia de que afinal o conservadorismo não se faz equivaler a extremismos proto-fascistas. Vivemos uma época de grandes rupturas. O descarrilamento das instituições clássicas, mas também da linguagem que tarda em se refrescar para acompanhar o novo glossário de intenções políticas.