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Já que alguns dos periódicos da nossa praça decidiram fazer uma revisitação jornaleira da I Guerra Mundial, não seria de todo desavisada a aplicação, em simultâneo, desse capital de pesquisa na oferta, sem quaisquer contrapartidas, de "As Consequências Económicas da Paz" de John Maynard Keynes. Seria, até, vistas bem as coisas, uma boa forma de compreender, num exercício de prognose, o que poderá estar reservado ao continente europeu, caso algumas das engenharias políticas e económicas propugnadas pela finança insindincada sejam levadas avante. Os leitores, entre os quais me incluo, agradeceriam, decerto, esse esforço.
Apetece-me relembrar dois posts do Dragão. O primeiro, Para que conste - I:
«Estado e Finança são inseparáveis. Entretecem-se e reforçam-se. Afinal, sempre foi preciso financiamento para exércitos e obras públicas. Só que como o Estado em relação à Nação, também a Finança começa por servir o Estado e acaba a servir-se dele. Por outras palavras, assim como a Nação desenvolve um Estado, o Estado desenvolve uma Finança. À medida que se hipertrofia o Estado, hipertrofia-se ainda mais a Finança. Necrose com necrose se paga. Quanto mais o Estado devora a Nação, mais a Finança digere o Estado. De modo que a sujeição nanificante (e nadificante) da nação a um estado descomunal agrava-se pela subserviência deste a uma Finança desorbitada e exorbitante. E tanto assim é, e tem sucedido, que podemos hoje em dia testemunhar o nosso próprio Portugal a ser estrangulado por um Estado que a Finança traz pela trela.»
E o segundo, Os otários que paguem a crise. É para isso que eles existem:
«Entretanto, o país de regresso à sua penúria tradicional, do ponto de vista dos ricos e seus acólitos, é positivo: quer dizer que o país, de volta ao terceiro mundo e à realidade, está a transformar-se num país mais competitivo, com mão de obra mais barata e menos esquisita. Para os pobres, os verdadeiros, também não faz grande diferença: abaixo de pobres não passam, e já estão habituados. Concentram-se no futebol, na pinga e lá vão. Os únicos que, de facto, têm motivos para se preocupar seriamente são aquela classe heteróclita e intermediária – daqueles que vivem digladiados entre a angústia de regredirem a pobres e a ilusão de, num golpe de asa, ou por qualquer súbita lotaria do destino, ascenderem a ricos. Esses, temo-o bem, vão ter que sacrificar-se, mais uma vez, pela competitividade do país. É, aliás, urgente que desçam do seu pedestal provisório e se compenetrem dos seus deveres atávicos. São para isso, de resto, que, cíclica e vaporosamente, são criados.
Há coisas que são mesmo do arco da velha e que comprovam que vivemos em regime de socialismo bancário. O caso Monte Branco, que hoje vem amplamente noticiado em alguma imprensa, é a prova final e acabada de que a finança é um negócio da China. Fazem-se trapaças, ludibriam-se os patetas, extraem-se rendas e comissões, mas, atenção, falir como ocorre amiúde em qualquer actividade normal sujeita à livre concorrência, isso é que não. O capitalismo da "creative destruction" schumpeteriana só se aplica ao Zé da mercearia. De preferência, com a banca, esse potentado feudal, a ganhar. E, perdão que já me ia esquecendo, a destruir. Por fim, não poderia terminar esta posta sem referir o silêncio sepulcral que reina na blogosfera liberal a propósito deste assunto. Silêncio esse, sintomático e indiciador de algo bem mais nefasto que, por respeito aos leitores, me abstenho de dizer. Tristes tempos.
A crítica do neoliberalismo provinda do centro-esquerda é um must imperdível. Estamos, basicamente, a falar dos sectores políticos que mais beneficiaram do conluio com o sector financeiro. Entretanto, como não poderia deixar de ser porque o que é tem sempre muita força, o sector financeiro, por outras palavras, a bancocracia, continua incólume e intocada no altar dos dogmas inamovíveis. Como disse há tempos o Jorge Costa, vivemos no regime do socialismo bancário. No fundo, uma boa descrição do estado a que chegámos. Um regime que acolheu tudo e todos, esquerda e direita, esquerdinhas e direitinhas. E não me venham com os neoliberalismos, paleoliberalismos e capitalismos do costume, porque isto não tem rigorosamente nada a ver com um sistema de mercado e de livre concorrência. Trata-se tão-só de socializar os prejuízos, uma espécie de senhoriagem global que ninguém controla. Sobretudo nós, os papalvos que amarfanhamos tributos e contribuições infindáveis. Sempre em nome da sacrossanta democracia de pechisbeque.
O Dragão em grande, Para que conste:
«Concentremo-nos, para já, na frase "o regime fiscal destrói o país". Terá acontecido então, no crepúsculo do século XVIII, mas experimentamo-lo também agora, na aurora do século XXI. Pelos vistos, repetem-se as cenas históricas, como se repetem as crises e alguns dos seus ingredientes característicos. E não deixa de ser espantoso como o "estado" dum determinado país atenta contra ele, país, e, por conseguinte, e a limite, contra si próprio. Enigma capital: o que levará um aparelho de estado ao suicídio - à cegueira de não ver que quando agride alarvemente aquilo que o sustém é a sua própria derrocada que escava? Em suma, o que é que transporta aquilo que é suposto ser uma sofisticação civilizacional, num súbito roldão, à barbárie revisitada?