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Queria encontrar outro tema para explorar, mas regresso ao mesmo. São questões incontornáveis. São pedras no sapato. São alergias e urticárias provocadas pela audácia descarada de quem nem sequer consegue apalpar o conceito de riqueza - a ideia de que o mundo abunda em meios financeiros acumulados é totalmente falsa. A maior parte do "dinheiro" está consignada a propriedades imobiliárias (na forma de residências principais) e fundos de pensões que investem em títulos de tesouro e acções. Quando um governo ataca a sua própria base de poupança, invocando falsas teses de redistribuição de riqueza, operada pela via fiscal persecutória, omite a grande tendência de ascensão económica e social do nosso mundo. São os aforristas chineses e indianos que demonstram o caminho da sustentabilidade. São nativos desses países que têm vindo progressivamente a "pôr de parte" uma parte dos rendimentos auferidos do trabalho para dispor dos mesmos no último terço das suas vidas enquanto complemento de reforma. Ou seja, mesmo que os sistemas de pensões não entrem em falência material, estarão "minimamente" preparados para o advento do mesmo. O Bloco de Esquerda (BE) faz leitura diversa da realidade. Ao castrar a ideia de poupança e "acumulação" grande ou pequena, lança sobre os ombros da administração central um ainda maior fardo de garantia de sustentação dos seus súbditos. A riqueza acumulada a que se refere a mestrina Mortágua não está parada num cofre à tio Patinhas. Essas "fortunas" de 51 mil euros residem em aplicações dinâmicas buscando um maior ou menor retorno conforme a tolerância de risco do titular. Ora essa predisposição, essa inclinação para dar um destino ao que monetariamente nos pertence, é uma prerrogativa dos cidadãos de um Estado alegadamente democrático. São os cidadãos que devem escolher o modo como interpretam o futuro. São os pequenos ou grandes investidores que decidem quem os deve governar. Nessa medida, e atendendo à declarada autofagia do BE, encontramo-nos diante de uma profecia que realizar-se-á sem grande necessidade de nervosismo ou alarido. O radicalismo extremo encontra sempre uma saída - um beco daqueles que tão bem conhecemos.
Mariana Mortágua procura uma editora para sua nova obra - Dicionário de Ultra-liberais de Esquerda. A académica propõe reinventar a roda fiscal, os eixos da economia e o porta-luvas das poupanças. Com tanto entusiasmo pôs a carroça à frente do PS, mas espetou-se na primeira curva. O que declama não faz sentido. O que enuncia lembra a loucura. O que defende nem sequer é defensável. A confusão que vai naquela cabeça faz-nos temer certos desfechos. Entramos no domínio da irracionalidade pura. Mas ainda mais gritante será o modo como o Bloco de Esquerda (BE) compromete o seu património de correligionários que fez depósitos de fé na ideia de justiça económica e social. Ora o que propõe Mortágua fere de morte a ideia de poupança, de sustentabilidade, de trabalho e o conceito de esperança que deve acompanhar cada cidadão no seu processo de crescimento. Resta saber se a fiscalidade de furto a que se propõe se inscreve nas medidas de ajustamento negociadas com o Partido Socialista (PS). Naquela noite quente de desfecho eleitoral repartido, será que o PS aceitou tudo e mais alguma coisa do guião para cativar o poder? Ou será que isto não fazia parte do combinado? Em todo o caso, face à elevação da fasquia radical, o PS ficou encostado à parede. Ou alinha nestas loucuras ou perde a credencial atribuída pelo BE. No meio deste marasmo, lentamente vislumbramos a consolidação de um partido mais conservador, mais comedido. O Partido Comunista Português (PCP), se for inteligente, pode e deve capitalizar nas eleições autárquicas que se avizinham. Não tem muitas mais hipóteses. Colocar-se ainda mais à Esquerda do BE parece impossível. A régua ideológica fundamentalista acaba ali. Depois cai-se no abismo. A senhora Mortágua ainda não percebeu quais são as virtudes democráticas do capitalismo. São as transferências voluntárias de riqueza que fazem bem ao espírito da nação. São os projectos edificados por capitalistas privados que estão na base da livre expressão. Não existe construção imaterial, a não ser aquela de ordem filosófica. A realidade baseia-se nessa premissa. O BE deve rever os seus preconceitos. O BE deve repensar a sua doutrina. O BE quer acabar com a livre circulação de capitais? Não conhece os pilares da arquitectura da União Europeia? Já faltou mais para algo terrível acontecer. Quando as ideias não existem e os partidos são bens de consumo rápido, não há nada a fazer. Alguém deve ser internado. O país está a ficar louco com tanta asneira.
A cultura e pseudo-intelectualidade ainda são uma divisa de valor. O povo deve ser reencaminhado. O povo deve ser levado pela mão para o ministério do saber e da presciência. O burro não há-de morrer idiota. A Presidência da República disponibilizou o shopping de Belém para que editores da praça pudessem espalhar a boa palavra. Mas o busilis da questão não reside aí. Um território institucional do Estado foi colocado à disposição de empresas para que estas pudessem exercer a sua actividade e gerar um cash-flow. Houve vendas nos jardins do Palácio de Belém. Houve mais-valias no Palácio de Belém. Houve marketing e publicidade de editoras no Palácio de Belém. Houve lucros no Palácio de Belém. E se amanhã o lobby das farmácias quiser fazer uma mostra e venda promocional de um novo anti-psicótico nesse mesmo jardim? A saúde é tão importante quão a literatura. Um supositório vale tanto quanto uma bela suposição. Qual foi o regime fiscal que prevaleceu na festa do livro? A quem pertence esse domínio público? Agradecia que alguém me esclarecesse. Belém é um offshore ou não?
O grande amigo de Ana Catarina Mendes, Fernando Rocha Andrade - o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais -, quer levar o escândalo Panama Papers até às últimas consequências. Acho muito bem que haja um socialista disposto a limpar a sua casa (e quem sabe a dos outros). As palavras que lhe saem da boca podem sair caras. Vamos ver qual o enquadramento fiscal a atribuir a José Sócrates. O fiscal (ista) podia, no entanto, ser mais incisivo, mais contundente. Foi muito lacónico. Os portugueses envolvidos não são uns Idalécio quaisquer. É necessário alguma argúcia e sofisticação para entrar nestes esquemas. É preciso algum cinismo de algibeira, e capital amigo. Não interessa a cor política ou a obra literária que possa ter servido de inspiração. A Esquerda, em particular, vai ter algumas dificuldades em descalçar algumas botas. Mas adiante. Rocha Andrade, se fosse idealista e justiceiro como deve ser, teria proposto logo um varrimento à situação patrimonial e fiscal de todos os políticos, passados, presentes e (já agora) do futuro. Quem não deve não teme. Poderia ser a oportunidade perfeita para tirar a limpo aquele mito urbano dos diamantes africanos, da avioneta e uma Jamba qualquer. Acho piada a tese moralista e simultaneamente voluntarista de João Galamba - “Não há maior crime contra a democracia do que a fuga aos impostos”, (...) e o problema deve ser resolvido com base na “cooperação multilateral”. Cooperação multilateral uma gaita. O delfim socialista nem sabe a sorte que tem em viver no paraíso fiscal português. Se conhecesse um regime tributário autoritário não falava em cooperação multilateral. Os EUA, que têm servido de culpados exclusivos pelos defeitos do capitalismo selvagem, têm provavelmente o sistema tributário mais feroz do mundo. Os cidadãos norte-americanos, onde quer que se encontrem à face da Terra, são obrigados a declarar rendimentos (os da Eritreia também) - por isso não apareceram muitos nomes do Texas na lista do Panama Papers. Mas há algo mais que me preocupa. Não é apenas a origem e a ocultação de fortunas. É exactamente o oposto. Dinheiro dos contribuintes que existem de facto (o cidadão comum) e o descaramento do governo de António Costa (e amigos) na atribuição de fundos a projectos que colocarão Portugal novamente no caminho da ruína. Entre os bananas nacionais e os Panama Papers, venha o macaco e escolha.
Dizia a antiga publicidade do Pisang Ambon que "O verde é a cor da aventura". Mas na política, é a cor do embuste pela forma como os governos aumentam a receita fiscal colocando a questão no plano moral e não no económico, furtando-se assim a um debate racional sobre novos impostos.
"Os impostos verdes em Portugal são uma das formas com que os sucessivos governos justificam aumentos de tributação. Não têm nada a ver com o nível de poluição causada, nem o nível de qualidade ambiental; têm a ver com a necessidade de justificar receitas fiscais, que são depois usadas para financiar despesas de valor duvidoso para a economia. Para mascarar o esquema, os governos invocam políticas seguidas noutros países, dando a impressão que Portugal é moderno. Seguimos políticas ambientais que os países mais ricos seguem, numa clara prova de que somos tão bons quanto eles. Isto é independente dessas políticas fazerem sentido ou não para Portugal, já que os outros países modernos poluem muito mais do que nós."
Uma excelente e realista análise por Rita Carreira n'O Observador: «Poluição, Rendimento e fiscalidade verde»
Estamos entregues aos bichos, sim senhor. A redução da taxa do IVA de 23% para 6% do pão com chouriço levanta algumas questões alimentares, mas não só. Se o governo pretende promover uma espécie de kit de salvação para matar a fome, esquece-se que o petisco não pode ser consumido às secas: o pãozinho achouriçado precisa de um lubrificante para descer pela goela. E é aqui que reside uma parte do problema. Que bebida é indicada para acompanhar este paniativo (de pan paliativo)? Um leite com chocolate? Um penálti de tinto? Uma taça de sangria? Como podem constatar, os cozinheiros fiscais apresentam apenas metade da ementa. Se fossem misericordiosos e entendessem o grau de pobreza que aflige o país, teriam pensado numa solução integrada, numa cesta de piquenique com diversos. Pelos vistos acordaram virados para o chouriço como poderiam estar inclinados para a salsicha. Em qualquer dos casos, baixar o chouriço não ajuda nada a taxa de natalidade. Não sei se consigo consumir tamanha dose de surrealidade - chiça, IVA Chouriça.
Eu sei que nem todas as leis são criadas para ter um efeito retroactivo. Existem excepções para acomodar certas circunstâncias económicas e políticas. O perdão fiscal que rendeu 1,2 mil milhões de euros de receita, produz, na minha opinião, um efeito prospectivo, considerações para anos futuros. Aqueles que agora foram "beneficiados" com este regime especial, podem afirmar sem pudor, que o "crime compensa". Os outros que foram cumpridores fiscais ao longo dos últimos não recebem uma recompensa pelo seu bom comportamento. Não senhor. E é aqui que reside uma parte do dilema ético da questão. Bem sei que o país se encontra numa situação de ruína financeira e que todas as soluções são mais que bem-vindas, mas por daqui a alguns anos, quando novos incumpridores fiscais invocarem o precedente do perdão, quero saber de que modo o governo, seja ele qual for, descalça a bota. No fundo, a mensagem que passa para a rua é a seguinte: não te preocupes em cumprir as tuas obrigações fiscais, porque é provável que haja um novo perdão. Como podem constatar, e apesar das "receitas recorde", planta-se no espírito residente da nação, a ideia de que um salvo conduto será hasteado como uma bandeira de impunidade. Se a missão do Estado e dos governos é operar num quadro de justiça económica e fiscal, parece-me que uma nova modalidade contributiva deve ser implementada para quem sempre foi disciplinado e cumpridor das suas obrigações fiscais. O sorteio de carros, embora tenha um impacto mediático assinalável, obedece a um princípio aleatório. Ou seja, a tômbola não trata de um modo equitativo os bem comportados. No longo prazo, os efeitos da clemência fiscal, irão corroer o espírito vertical dos cidadãos que sempre seguiram as regras. Eu sei que o conceito de perdão é parente próximo da confissão e da tradição misericordiosa da matriz judaico-cristã de Portugal, mas até onde devemos ir em busca dos dinheiros perdidos, fugidos da cadeia económica e fiscal - de onde nunca deveriam ter emigrado para começar.