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Não pretendo insultar a inteligência dos leitores, nem ofender a teimosia de alguns, mas tenho uma simples pergunta que gostaria de colocar às hostes mais analíticas, àqueles dispostos a ver para além de Badajoz, mentes hábeis na leitura de quadros maiores. Que relação existe entre a "vitória" socialista portuguesa e o fim da crise na União Europeia? Que relação existirá entre uma putativa vitória socialista nas legislativas e a crise económica e social na zona Euro? A resposta é simples: não existe relação, uma vez que a arquitectura política da União Europeia não se baseia na equidade entre o que se passa a montante e a jusante. O que acontece em Portugal não tem efeitos na Europa, por mais que alguns se queiram armar em campeões da liga do sul. Os socialistas padecem de uma condição auto-endorfínica, quase endémica - alimentam-se do seu próprio sangue, numa espécie de ritual narcisista-masturbatório. Saberá Seguro por que razão a Marine Le Pen arrombou os caciques do poder francês? Não tenho a resposta completa, mas Hollande deu uma ajuda enorme. O aventureirismo fiscal à la Robin dos Bosques colidiu com a seta da livre iniciativa, do self-made man do banlieu e, ao contrário do que seria de esperar, foram largas camadas de oprimidos que produziram os resultados que deixaram a Europa em estado de choque ontem ao cair da noite. Portugal corre perigo imediato, mas também correrá a breve trecho se depositar confiança nas impossibilidades avançadas por Seguro, nas falsas promessas. Não, os portugueses não derrubaram o poder vigente nem elevaram os socialistas a sérios candidatos. Ainda não entendeu Seguro, que aconteça o que acontecer no bairro mais próximo, a Europa dos grandes nunca deixará Portugal se extraviar dos carris do acerto e consolidação orçamental - a austeridade vai muito para além deste governo que se encontra em funções. Se os socialistas quisessem mesmo ajudar o país, deveriam concentrar os seus esforços noutras corridas, nomeadamente em tentar perceber quais os aliados com que podem contar no Parlamento Europeu. Com a nova disposição de cadeiras e a ocupação de muitas delas por euro-cépticos e a direita extremada, as forças políticas "convencionais" da ala socialista ou da ala social-democrata, devem, com um elevado sentido de urgência, tentar perceber como podem travar as ondas de populismo que muito dano podem causar à ordem democrática europeia. Por isso, um pequeno partido como o partido socialista português deveria estar preocupado em angariar aliados ideológicos. As coisas mudaram em França. De terra de liberdades e garantias, exílios e mestrados, França passou a ser entendida como terreno non grato por aqueles que ainda acreditam no projecto europeu. Os socialistas portugueses parecem ligeiramente atordoados com a vitória agridoce de ontem. Fiaram-se na velha receita do voto útil, do castigo aos governantes, mas a coisa deu para o torto. E o que aconteceu nem sequer aconteceu num esplendoroso dia de praia. Foi abstenção pura e dura - e os dias de mon ami Mitterrand acabaram em definitivo.