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1. Naturalmente acossado, o primeiro-ministro tem andado ocupado a apagar os incêndios de imagem que o laxismo e uma certa sobranceira auto-suficiência do seu próprio executivo terá permitido. É uma realidade que não escapa nem aos próprios socialistas que muito mais terão para fazer do que embrenhar-se em desculpas cujos farrapos não cobrirão um só dedo de quem está ao leme da governação. Seria mais simples, digno e credível assumirem os erros que todo o país já compreendeu. Isto é tão válido para os actuais governantes, como para todos os outros do passado e do futuro, pouco interessando o nome do partido.
Dizia António Costa que a reconstrução das segundas casas, ou seja, aquelas que um dia terão dado tecto à infância de portugueses que da terrinha saíram em direcção a paragens mais auspiciosas, têm o seu vital quinhão de importância na manutenção de uma certa identidade de cada um dentro deste exíguo território que é o nacional. Tem ele toda a razão e embora seja evidentemente um escasso pecúlio a apresentação de uma verba de 5.000 Euros para fazer face a despesas que inevitavelmente envolverão as infra-estruturas de cada um das casas, o erguer de muros, o forro de chão, telhados e uma infinidade de detalhes nada e essenciais à criação de condições de habitabilidade. É a verba possível, é verdade.
Pelo que se vê, habituados a transferências directas através do computador caseiro, uma vez mais não fazem a menor ideia do que são obras em casa. Convenhamos que 5.000 Euros são pouca coisa e deveremos então ficar naquela posição incómoda de nos apercebermos o quão distante estarão os decisores acerca da realidade do dia a dia, dos orçamentos, preços de materiais e da mão de obra nacional que deveria ser bem paga, garantindo a própria sobrevivência da mesma. O que mais impressão causa, é um certo alheamento que não poderá ser desligado de um infinito conjunto de actividades que facilmente deveria, num Estado interessado e competente, ser politicamente entendido como convém. Neste momento deveria estar o país a ser mobilizado para uma campanha mais vasta, onde os fundos são o ponto essencial de encontro para muitas, senão a maioria, das soluções. É esta a função de um governo, seja ele qual for. Infelizmente tal não tem acontecido ao longo de muitas décadas, vive-se semanalmente, esperando pela sondagem da sexta-feira.
Muita sorte têm aqueles que por cá ou vindos de França, da Alemanha, Bélgica ou Luxemburgo, poderão quando puderem ou quiserem, visitar a terra e com a passagem dos anos, a cada vez mais idealizada casa que os viu nascer. Fica longe? Nem por isso, está apenas a uma distância de poucas horas, pois o sempre sonhado regresso, o retorno, é um mero componente da vontade.
É fácil perceberem o que aqui se escreve.
Exige-se competência e abnegação, não havendo lugar para o tradicional improvisar.
2. Também como conviria, o MNE tem actuado de forma discreta quanto aos portugueses da Venezuela. O correspondente secretário de Estado tem visitado o país com a regularidade possível e finalmente ouvimo-lo declarar diante das televisões, estarem dispostos a incluir no serviço de assistência pública todos os necessitados que a ele acorram. Esperemos então pelos actos que confirmem palavras que não poderão ser vãs devido à reconhecida inércia que caracteriza muitas das políticas públicas que não envolvam a recolecta de dinheiro. Fica no entanto aquela nebulosa situação da presença física dos futuros beneficiários, se permanecem na Venezuela ou serão para alguns desagradável e inevitavelmente transportados para Portugal e não apenas para a Região Autónoma da Madeira. Dourando a pílula, vejam-nos como números que ajudarão a repovoar algumas zonas do país, assim talvez entendam.
Dir-se-ia existir a maior relutância quanto à palavra evacuação e mais ainda, refugiados. São mesmo refugiados, a maioria deles em condições deploráveis. Dado o que se sabe acerca da imparável deterioração da situação geral naquele país, aconselhar-se-ia o estabelecimento de um plano sólido que acorra às eventualidades que talvez se precipitem sem anúncio prévio.
Neste caso, também não há lugar para o improviso.
O discurso proferido há pouco por António Costa é absolutamente vergonhoso. A total falta de empatia, a incapacidade para a assunção de responsabilidades, a ausência de um pedido de desculpas aos portugueses por, em larga medida, terem sido deixados à sua sorte nestes últimos dias e pelos disparates ontem proferidos por membros do seu governo e por ele próprio, a repetitiva remissão para o relatório da comissão técnica independente sobre a tragédia de Junho deste ano, tudo isto é absolutamente deplorável. António Costa mostrou não ter qualquer sentido de Estado e que a reputação de politiqueiro lhe assenta como uma luva. Se dúvidas houvesse a este respeito, bastaria atentar no resumo de Gabriel Silva dos erros e responsabilidades directas que o Primeiro-Ministro teima em não assumir. Tudo isto vindo de um Primeiro-Ministro que afirma agora que "Depois deste ano nada ficará como dantes", quando a sua proposta de Orçamento do Estado para 2018 não deixa adivinhar qualquer mudança estrutural no dispositivo de prevenção e combate aos incêndios. Como acontece há já cerca de 40 anos e como o próprio António Costa afiançava ontem, para o ano há mais, infelizmente.
À hora a que escrevo este texto, registam-se 31 mortos nos incêndios de ontem, número que deverá continuar a aumentar. Quatro meses depois da tragédia de Pedrógão Grande, poucos dias após a publicação do relatório que evidencia as falhas graves que originaram esta tragédia - em resposta ao qual, a Ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, diz que não se demite - e no dia em que o Secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, afirmou que "Têm de ser as próprias comunidades a ser proativas e não ficarmos todos à espera que apareçam os nossos bombeiros e aviões para nos resolver os problemas. Temos de nos autoproteger, isso é fundamental”.
Já nem falo nas consequências políticas que deveriam ser retiradas de tudo isto, da liderança da Protecção Civil por boys incompetentes, da gestão política com o objectivo de manter a popularidade de António Costa e de segurar a Ministra no cargo, da total ausência de conhecimento por parte da Ministra e do Secretário de Estado em relação à forma como vivem as populações no interior rural do país e como combatem os incêndios com os meios escassos que têm à disposição, da redução de meios de combate aos incêndios em resultado da compartimentação deste combate em várias fases, da desorientação e falta de coordenação dos meios existentes, do escandâlo que é o SIRESP, enfim, de tudo o que contribui para o que estamos a viver.
Apenas questiono, considerando que ano após ano se repete este flagelo, que as condições atmosféricas propícias a estes incêndios se registam ao longo de metade do ano, que ao Estado compete garantir a segurança dos seus cidadãos, até quando continuarão os políticos a ignorar a necessidade de estabelecer um dispositivo integrado de prevenção e combate aos incêndios florestais altamente profissional, especializado e em funcionamento durante todo o ano e a tempo inteiro? O que é que ainda terá de acontecer para que isto constitua uma prioridade nacional?
Rui Ramos, "Um país entregue à sua sorte":
Não, não é a altura para discutir a limpeza das matas e das bermas da estrada, a desertificação do interior, a propriedade rural, o aquecimento global e a relação dos seres humanos com a natureza. Tudo isso são temas muito interessantes, mas desta vez temos de resistir à mania nacional de fazer derivar as conversas. Neste momento, há apenas uma questão relevante: o Estado tem um sistema de protecção civil, e esse sistema falhou tragicamente. Porquê? A “natureza” e os “problemas estruturais”, como o mitológico ordenamento do território, não ilibam o sistema, porque a protecção civil existe para defender as populações nas condições existentes, mesmo quando tudo é “muito rápido”, e não apenas em condições ideais, como fossem aquelas em que o país se tivesse desenvolvido de outra maneira ou a progressão dos fogos fosse sempre muito lenta.
(...).
Os oligarcas não querem que se “faça política” com a tragédia. Mas se não “fizermos política” com a morte evitável de 64 pessoas, para que serve então a política? Só para festejar vitórias no Festival da Canção? A oligarquia convenceu-se recentemente de que a política são uns abraços. Mas a política não devia ser um programa televisivo da manhã, mas o debate sobre o estado de um país onde desta vez faltou a sorte que houve noutras ocasiões. Porque com esta oligarquia política, só a sorte nos pode valer.
Portugal está de luto. Pelo menos 64* pessoas perderam a vida nos fogos florestais de Pedrógão. E Marcelo Rebelo de Sousa abraça a Ministra da Administração Interna, o Secretário de Estado da Administração Interna e o Presidente de Câmara. No lugar dos afectos e compaixão política desmesurados, EXIGE-SE que haja demissões. Houve pelo menos um socialista, em análoga situação de tragédia, que soube interpretar o que os eventos demandavam - Jorge Coelho. O então Ministro das Obras Públicas, assim que ruiu a ponte de Entre-os-Rios, pôs o lugar à disposição. Mas o Presidente da República tem razão - não há falta de competência nem de audácia dos bombeiros e da população que tentaram defender-se o melhor que souberam. O que temos é outra coisa: dolo político, irresponsabilidade governativa e administração danosa das florestas portuguesas. Enquanto os atrasados mentais dos jornalistas perguntam aos banhistas molhados se estes vão ao mar para se refrescarem, tantas questões certeiras deixam de ser colocadas. Das perguntas que devem ser colocadas em plena câmara ardente, uma delas será: "Sr. António Costa, vai sugerir a demissão de responsáveis políticos?", em vez disso, ficámos sem saber se os gelados tiram a sede. Vergonhoso, trágico e para além de lamentável.
* número em actualização constante