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Eu que sou terminantemente contra a imposição da obrigatoriedade das aulas de educação sexual - mais uma vez se coarcta a liberdade de escolha dos pais - dei por mim a ler um autor que talvez não fizesse mal aos que de forma muito progressista vão conseguindo banalizar ainda mais aqueles que são alguns dos instintos e actos que de forma mais acentuada caracterizam o ser humano: Zygmunt Bauman, sociólogo que cunhou o conceito de modernidade líquida, considerando que na época em que vivemos tudo é efémero e a vida um amontoado de escolhas fragmentadas e diversos projectos que vamos encetando consoante as circunstâncias e contextos em permanente mudança acelerada. É também o autor de um interessante livro onde aplica o mesmo conceito às relações humanas. Para Bauman, os laços humanos padecem, na actualidade, de uma imensa fragilidade derivada de duas forças contraditórias que levam os indivíduos a criar laços, ao mesmo tempo que os pretendem manter flexíveis. Desta forma, considera que a modernidade líquida, e passo a citar a contracapa, "ameaça a capacidade de amar e os crescentes níveis de insegurança, tanto nas relações amorosas como nas familiares, e até no convívio social com estranhos".
Aqui fica uma breve passagem de Amor Líquido, editado pela Relógio D'Água, com o subtítulo Sobre a fragilidade dos laços humanos, (páginas 66 e 67) :
«Como que antecipando o padrão que iria prevalecer na nossa época, Erich Fromm tentou explicar a atracção do «sexo em si» (do sexo «pelo sexo», praticado separadamente das suas funções ortodoxas), referindo-se à sua qualidade como uma (enganosa) resposta ao desejo, demasiadamente humano, de «fusão total» por meio de uma «ilusão de união».
União - porque é exactamente o que homens e mulheres procuram ardentemente no seu desespero de escapar à solidão de que já sofrem ou que temem estar por vir. Ilusão - porque a união alcançada no breve instante do clímax orgástico «deixa os estranhos tão distantes um do outro como estavam antes», de tal modo que «sentem o seu estranhamento de maneira ainda mais acentuada». Neste papel, o orgasm sexual «assume uma função que o torna não muito diferente do alcoolismo e do vício em drogas». Tal como estes, ele é intenso - mas «transitório e periódico».
A união é ilusória e, no final, - a experiência tende a ser frustrante, diz Fromm, por ser separada do amor (ou seja, permitam-me explicar, do tipo de relacionamento fürsein: de um compromisso intencionalmente duradouro e indefinido para o bem-estar do parceiro). Na visão de Fromm, o sexo só pode ser um instrumento de fusão genuína - em vez de uma efémera, dúbia e, em última instância, autodestrutiva impressão de fusão - graças à sua conjunção com o amar. Qualquer que seja a capacidade geradora de fusão que o sexo possa ter, ela vem da sua «camaradagem com o amor».
Desde que Fromm escreveu sobre a questão, o isolamento do sexo em relação a outros domínios da vida tem avançado mais do que nunca.
Hoje o sexo é a própria síntese, talvez o silencioso/secreto arquétipo, daquele «relacionamento puro» (um paradoxo, com certeza: os relacionamentos humanos tendem a preencher, infestar a modificar todos os recessos e frestas, por mais remotos, do Lebenswelt, de modo que podem ser tudo menos «puros») que, como indica Anthony Giddens, se tornou o modelo alvo/ideal predominante da parceria humana. Agora espera-se que o sexo seja auto-sustentável e auto-suficiente, que se «mantenha sobre os próprios pés», para ser julgado unicamente pela satisfação que possa trazer por si mesmo (ainda que, em regra, ela seja interrompida bem antes da expectativa gerada pelos media). Não admira que também tenha crescido enormemente a sua capacidade de gerar frustração e de exacerbar a própria sensação de estrangulamento que se esperava que curasse. A vitória do sexo na grande guerra da independência tem sido, na melhor das circunstâncias, uma vitória de Pirro. Os remédios maravilhosos parecem produzir moléstias e sofrimentos não menos numerosos e comprovadamente mais agudos do que aqueles que prometiam curar.