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Para além disso, não percebo bem em que é que o "Marxismo cultural" é uma ameaça assim tão assustadora, ao ponto de em 2019 alguma direita achar que vive numa luta mortal contra o dito.
Nada disto é novo. Já no início do século XX Gramci tentou engendrar nos seus escritos "a longa marcha" do Marxismo "através das instituições". Mais tarde essa estratégia foi desenvolvida na Escola de Frankfurt de Marcuse e outros. Marcuse defendia "uma coligação de negros, estudantes, mulheres feministas e homossexuais", supostamente para destruir a civilização ocidental. Seguiram-se décadas, até hoje, em que as universidades do Ocidente foram ocupadas por departamentos de "culture studies" inspirados em Frankfurt.
Mas talvez fosse bom lembrar à direita mais stressada que as ideias sobre o avanço do Marxismo por via cultural partiram sempre da confissão de que o Marxismo, enquanto sistema económico, não era naturalmente aceite pelas pessoas. O argumento era o de que os proletários não aderiam à revolução porque as suas cabecinhas estavam formatadas pela ordem tradicional do capitalismo e da repressão sexual. Se os Marxistas acham que têm de mudar a cultura, é porque reconhecem a sua fragilidade original.
E, de facto, o que é que os "Marxistas culturais" conseguiram? Ao que se sabe o capitalismo ainda anda por aí. Com avanços e recuos, com méritos e erros, mas ainda assim a espalhar-se pelo mundo, galgando terreno ao Marxismo, que é mais forte na caserna académica do que no coração dos povos e no cérebro dos governantes.
Quanto às "marchas" e "coligações" de Gramci e Marcuse, o que mais há são estudantes, trabalhadores e minorias a querer casar, ter filhos e ganhar dinheiro honestamente. A ordem tradicional, baseada socialmente na família e economicamente no capitalismo, tem uma grande capacidade de conquistar e absorver as vanguardas dos "marxistas-culturais". E isso só prova a sua inultrapassável validade civilizacional.
Um excelente artigo de Francisco Mendes da Silva, a ler na íntegra, sobre Enoch Powell, mas que começa com este parágrafo certeiro:
«De todos os modos primitivos em que ainda se desenvolve o debate político em Portugal, existem dois que me suscitam um particular desalento: o quase completo desdém pelos discursos escritos e – sem que daqui resulte qualquer contradição – a inabilidade para o “soundbite”. Descontando a prosápia inócua que vai sendo proferida, compilada e publicada por algumas cúpulas senatoriais sem grandes responsabilidades de escolha política ou preocupações de combate e ruptura, o debate faz-se de navegações à vista e reacções circunstanciais, sem nenhum respeito pela organização das ideias, pela coerência das posições, pela sedimentação programática. Daí que, em vez de exigência substantiva e esmero estilístico, tenhamos de suportar os mais lamentáveis malabarismos oratórios, nunca para lá da metáfora deslocada, da piada de caserna ou do recurso preguiçoso à gíria futebolística. Isto para não falar de erudição, que – à parte da eventual citação dos “grandes estadistas” canónicos (um Churchill aqui, um Kennedy ali) – é coisa que de todo inexiste.»