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Alexandre Homem Cristo, Os soberanos:
É que, vistas em conjunto, estas e outras contradições exibem, afinal, uma harmonia infalível: Freitas do Amaral e Ferro Rodrigues podem ser contraditórios, mas o seu objectivo em ambas as circunstâncias não varia – defendem os seus próprios interesses (através dos do PS), procurando limitar o acesso da direita ao poder. Nas suas cabeças, as questões constitucionais e eleitorais dispensam grandes discussões: se os beneficia, a regra está correcta; se os prejudica, aconselha-se a excepção. Numa adaptação livre do pensamento de Carl Schmitt, são soberanos: decidem quando a regra é válida, quando a excepção se impõe, quando a tradição se cumpre.
Nótulas sobre a degenerescência:
1) Sócrates recebe, após dois anos de internato luxurioso em Paris, a atenção da mendicância mediática, disposta, mais uma vez, a entregar o poder e as luzes da ribalta a quem mais ludibria e descarrila a sanidade mental dos portugueses.
2) O Professor Marcelo, num assomo de bem-aventurança televisiva, anuncia que necessita urgentemente da nossa atenção. Ao Professor Karamba do comentário televisivo já não basta regurgitar as platitudes do costume. O que importa, agora e de futuro, é situar os dichotes semanais numa espécie de preparação da candidatura presidencial que ainda não se sabe bem se será ou não será. Como sempre, o que move este maître à penser da mesquinhice "lesboeta" é o eterno "pensem em mim".
3) A selvajaria social vê-se, por exemplo, no modo como certos indivíduos acoimam a vida alheia. Respeito pela intimidade privada? bahhh, isso não interessa para nada. Que graça teriam as redes sociais, os tweets instantâneos, e os motejos feicebuquianos sem uma pitada de boato e comentário sobre os amores e desamores dos Carrilhos deste mundo e do outro? Bem vêem que a piada seria nula. O que realmente interessa aos viandantes da infâmia é falar de tudo e de todos, de preferência manchando e classificando, de imediato e sem direito a contraditório, os acusados na praça pública. Há quem se reveja nesta barbaridade nojenta, que alguns, leviana e parvamente, qualificam de sociedade da informação, ou, num acesso mais demótico, de opinião pública. Eu, que sempre suspeitei das boutades das massas ignaras e violentas, traduzo estas ondas da opinião infamante como o exemplo mais acabado da grosseria impante que domina as sociedades contemporâneas. O preço a pagar pelo instintualismo do boato tenderá, inelutavelmente, a ser cada vez mais elevado.
4) Freitas do Amaral é uma personalidade engraçada. Palavra de honra que é. Olhemos para as doutas palavras do ex-ministro dos governos AD e do governo Sócrates ditas, ontem, em declarações à agência Lusa: "é altura de dizer basta e de fazer este governo recuar, porque a continuar por este caminho, qualquer dia temos aí uma ditadura". Reparem na última palavrinha destas declarações: ditadura. Estamos a falar de um indivíduo que serviu, incólume e denodadamente, um regime autoritário, sem que, ao que se sabe, tenha, durante o transcurso desses anos, expresso o menor ressentimento para com o carácter do sistema político que apoiou de um modo tão diligente. Não vem ao caso a opinião que cada um de nós possa ter sobre o Estado Novo, mas o certo é que este senhor, uma eminência parda de todos os regimes e de todas as horas, fala, fala e fala, esquecendo o que fez, o que disse e o que bradou num passado não muito longínquo. A coluna vertebral é, de feito, um adereço muito moldável, sobretudo quando toca no nervo das ambições desmesuradas. Quanto a isto não há nada a fazer.
Estou a perceber o que diz Freitas do Amaral, mas não posso deixar de reparar numa certa contradição de natureza política e conceptual. Diz ele que "a independência nacional está em causa", mas que as eleições devem ser convocadas depois das eleições alemãs. Estão a ver o mesmo que eu? Se as decisões nacionais estão dependentes das decisões tomadas na Alemanha, então Portugal já perdeu a sua independência. Está a mercê do destino dos outros e deixa de ter o seu próprio presente. Se é necessário esperar para que a política alemã mude, para acertar na terminação certa, significa que o ex-lider político assemelha-se àqueles selecionadores nacionais que sacam a calculadora do bolso e começam a fazer contas à vida. Portugal já não pode ir a reboque de comentadores de bancada. Não estamos a jogar a feijões. Estamos sob o jugo alemão e sabemos que a táctica de jogar à defesa dá mau resultado. Se esperamos pelos germânicos, porque não esperar pelos turcos ou pelos auturcos, perdão, autarcas. No meu entender, Freitas do Amaral não acertou o relógio. Está sob o efeito de um jet lag político, de uma viagem atrasada por hipotéticos cenários. Portugal já não pode esperar sentado pelo fecho das urnas da região da Baviera. Portugal já vive o efeito de um halo, de um ralo alemão. A receita a aplicar tem de ser um tout-court - é para ontem. Caso se tenha de pedir um segundo resgate? Se Freitas do Amaral atira esta possibilidade ao ar significa que ele sabe muito bem da sua inevitabilidade, que não há volta a dar. Se ele entende a independência nacional enquanto jurisdição territorial e cultural, eu diria que a mesma não está em causa. Quanto à independência económica e financeira, essa parece estar comprometida. Esperar pelas eleições na Alemanha é assinar a rescisão de contrato da independência portuguesa. Portugal encontra-se além do redline e o motor está a gripar. Que fique bem claro; as eleições alemãs servem para salvar aquele país. As eleições na Alemanha dizem respeito ao seu interesse nacional. Por vezes não acredito na ingenuidade de certos indivíduos que já estiveram no topo do mundo das nações unidas. Um posto a partir do qual se deveria observar com maior nitidez a linha do horizonte. Está um dia cinzento em Portugal. Os meses que se seguem não serão muito diferentes.
Quando tomou posse, com ar de gozo dizia que a oposição estava "cheia de inveja" da qualidade da gente que Sócrates arrebanhara. O ministro de Sócrates fez o jeito integracionista, participou calmamente em tudo aquilo que se sabe, até ao ponto em que se lembrou de um velho mal de coluna vertebral, atempadamente abandonando as prementes Necessidades.
Após duas gerações de desastres nos quais o ministro de Sócrates gostosamente colaborou, o ministro de Sócrates fala no perigo da perda da independência e o mesmíssimo ministro de Sócrates recorda-nos Aljubarrota e os Áustrias. Ancho de vento leste, diz ainda o ministro de Sócrates que é necessário impormos a mudança da política alemã. Esfregamos já as mãos de contentes, imaginando a gente do Reichstag de rastos nesta Canossa à beira Tejo, implorando-nos o perdão e em singela recompensa, despejar-nos metade do tesouro público amealhado por Berlim. Está-se mesmo a ver!
Freitas do Amaral, um ex-líder do CDS e ex-candidato ao cargo esfíngico ocupado agora pelo não menos esfíngico Cavaco Silva, não se cansa de repetir as platitudes do costume. A última, provavelmente inspirado por José Lello, foi a comparação entre o relatório do FMI e o Tea Party. Sim, leram bem, o relatório do FMI é um desdobramento dos brados primitivos dos bárbaros republicanos. No fundo, Freitas nunca foi mais do que um prosélito dos modismos do presente, sempre pronto a vender o seu parecer aos arrivistas do momento. Como disse o João Gonçalves, Freitas ficou sempre aquém.
Por razões "derivadas" da oposição americana à sua actuação na ONU, passou a detestar os EUA e colocou-se ao lado de todos aqueles que vêm os yankees como os inimigos da raça humana. Num ápice tornou-se de gauche e até o vimos em extasiada camaradaria com Louçã em pleno Rossio, em manif anti-NATO que faria Amaro da Costa corar de vergonha.
Sabe-se que "aderiu" a Sócrates e no dia da sua tomada de posse como ministro dos Negócios Estrangeiros - posto a que renunciaria devido a "dores na espinha" -, foi dizendo que ..."a direita está cheia de inveja da qualidade da gente deste governo". Pois a coisa não foi de feição e diz-se que se afastou, quando perdeu as ilusões quanto à possibilidade de ser o candidato do PS à eleição presidencial. Agora considera Sócrates como uma desgraça à escala nacional, ou seja, uma tragédia, possivelmente grega.
Pelos vistos, prepara-se para a tal eventualidade pós-Cavaco, não vá Durão Barroso ou um outro qualquer pindérico tirar-lhe o poleiro. Já faz fosquinhas a Passos Coelho e ao governo, aproveitando para bater forte e feio nos antigos líderes do PSD que andam a criticar o executivo.
Bem feitas as continhas de carvoaria, é isto, a República.