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Como tantos outros estou, à conta da crise, a iniciar outra actividade profissional radicalmente diferente da que até agora - e com bastantes dificuldades - vinha desempenhando enquanto empresário em nome individual. No nosso país nem sempre é fácil mudar de profissão (ou re-inventar-se como agora pretensiosamente se diz) depois de passados os 40 anos, ou 47, no meu caso. Eu, depois de uma sequência de azares, tive sorte. Se por acaso nesta idade se procura trabalho na mesma área de actividade corremos o risco de ser, além de velhos, sobre-qualificados, o que leva muitas empresas a preferir "sangue novo" por tuta e meia em detrimento dos serviços de alguém com experiência cheio de vontade de trabalhar. A desculpa da sobrequalificação é um disparate. Porque não optam as empresas por um profissional de topo que, por força das circunstâncias está a preço de saldo? Recordo-me agora de um internamento hospitalar que tive em Londres há 4 anos e da conversa que tive com um enfermeiro inglês especialmente atencioso e muito simpático. Contou-me ele que até aos 42 tinha sido contabilista mas que estava farto da profissão, pelo que resolveu mudar de vida: estudar enfermagem, profissão a qual, aos 40 e poucos, sentia que era a sua verdadeira vocação. Então fez um ano de universidade, o ano de estágio no hospital, que foi o momento em que o conheci, e iria terminar os seus estudos com mais um ano na universidade. A história dele não é diferente da de tanta gente, em Inglaterra ou por essa Europa fora, na qual a mudança da actividade profissional é uma experiência valorizada profissional e humanamente, para não dizer académicamente. E sem estigmas. As novas oportunidades não são programas de intenções para inglês ver... Em Inglaterra muitos trabalhadores experimentam o "friday night stress", que não é mais do que um despedimento à sexta-feira, seguido de um stress de fim-de-semana, a procura de emprego na segunda-feira, a entrevista à terça e novo emprego na quarta-feira. Okay, talvez esteja a ser um pouco optimista nas virtudes da cultura "hired and fired" anglo-saxónica mas não estarei assim tão longe da realidade. Muito do desemprego que existe é friccional, de trabalhadores entre empregos e de curta duração (não há também tanta dificuldade em mudar de cidade porque, regra geral, não se compra casa, aluga-se). Em Portugal a coisa fia de maneira diferente. Vivemos num país envelhecido e cheio de contrasensos. Por vezes ouvimos dizer que alguém que morreu aos 75 anos morreu novo. Paralelamente ouvimos também que aos 40 estamos muito velhos para iniciar nova carreira porque de facto há poucas oportunidades. Que raio de país este.
Estou em Portugal há menos tempo do que os seus 40 anos de democracia e, pela primeira vez, questiono de um modo profundo o seu futuro e as implicações para a minha felicidade e a realização dos meus objectivos. Numa frase: Portugal é um país maravilhoso para se viver, mas não para trabalhar. Na qualidade de estrangeiro fui sempre tratado de um modo magistral e afectuoso. Fui alvo de tanta generosidade, de gente simples ou não. Quando chegava à casa de um desconhecido levado pela mão de um amigo, sem demoras recebia o abraço afectuoso da casa e tinha de deixar à saída a promessa de tornar à mesma. Quando as emoções lastimosas se apresentam ao nosso espírito, a latinidade portuguesa ampara e evita a queda. Vamos sair que isso passa. E isto é muito valioso. Na vida agitada do dia a dia, o português inventa sempre uma hora para o encontro, o convívio - o café. Quando chega o sol então é uma alegria. O calor faz-se acompanhar pelas coisas boas da vida. Peixe assado e vinho branco, praia. Tudo isto é qualidade de vida e nem sequer estou a levar em conta a abundância de trocos para a prossecução desse esplendor. Não é (era) preciso muito para estar nas sete quintas. Mas isso infelizmente mudou drasticamente nos últimos anos e agora a felicidade em conta tornou-se cara, incomportável. Quanto a trabalhar em Portugal: a coisa muda de figura (com as devidas e merecidas excepções). Começa logo mal com a pontualidade - é coisa que não abunda. Três horas depois da hora agendada - é melhor ficar para amanhã (amanhã? Hoje já terei fechado o negócio com outro parceiro, por sinal de outro país, e que garante a entrega num prazo ainda mais apertado). A patologia prossegue ainda com as respostas que não chegam. Os mails que morrem na eternidade no inbox de destinatários toldados pela sua pretensa superioridade hierárquica. Depois temos a ausência de ambição profissional e vistas largas (o que tenho a ganhar com isso e por que razão devo esforçar-me se estou bem assim?). Depois há a falta de educação profissional - a cortesia que faz parte do protocolo. Quando se recebe algo, agradece-se. Depois há os contactos privilegiados que levam as coisas avante ou não. E aqui já não estou a especular. Para se conseguir chegar "lá" é preciso conhecer a gente "certa". Movimento-me em tantas dimensões profissionais e confirmo que os campos estão todos minados. Das artes às letras, da banca aos media, é a mesma coisa. Poderia continuar a dissertar sobre este mal-estar que me aflige e que coloca diante da minha pessoa um grande "poste" de interrogação. Será que Portugal consegue contrariar o que vem praticando há tanto tempo? Será que vale a pena investir o meu esforço num país que se rege por padrões comportamentais e políticos que tantos danos causam ao indivíduo e à ideia de mérito? Começo a pensar que não, que não merece a pena. O que vale mesmo são os valores que Portugal tem guardados na alma desses indivíduos que conhecemos e que conquistam a nossa amizade para todo o sempre. Com isso podemos contar. Mas é uma quase-saudade sem ter partido, sem ter sentido a ausência. Sem ter abalado para tornar a voltar. Ficar.
Nem sempre se pode fiar no que diz Cavaco (o que diz Cavaco?), mas desta vez o Presidente da República fala a verdade. Os efeitos (e as medidas) do programa de ajustamento far-se-ão sentir até 2035. E o chefe de Estado partilha este aviso porque em breve estará disponível para estar do outro lado da barricada, precisamente no mesmo campo onde a FMI ou o Banco Mundial têm as suas sedes - os mesmos que condicionam a vida portuguesa. Estará Cavaco Silva a piscar o olho a futuros patrões? Mas, mesmo assim, atingida essa data do calendário, apenas 75% dos dinheiros emprestados serão honrados. Alguém terá de responder pelos restantes 25%. No entanto, este discurso aterrador pode ter tido um efeito positivo - se não vai a bem, vai a medo. O PS já se mostra disponível para debater algumas questões com o Governo, ou, para todos os efeitos legislativos, o PSD. Será que o tal consenso nacional pode emergir a partir de um efeito pavloviano desta natureza? Será que lentamente começam a perceber que o salvamento do país é uma questão que tem de envolver todas as partes sem excepção? Em 2035, Cavaco Silva terá mais ou menos 100 anos de idade. Será, para todos os efeitos mais velho que a soma do Antigo Regime e dos 40 anos de Democracia em Portugal. Mas existirá melhor figura para ser o portador destas péssimas notícias? Penso que não. A haver alguém com o perfil certo para entregar este telegrama, essa pessoa é Cavaco Silva. Os outros, a caminho de Belém ou não, como Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa ou Guterres, decerto que prescindirão das verdades que comprometem seriamente as suas candidaturas. E é com isso que teremos de contar. A política que subalterniza o interesse nacional e o sentido de emergência que deve permear todas as instituições e figuras de Estado. Não será o caso, certamente.
A imprensa estrangeira que nomeou Mário Soares personalidade do ano não é assim tão estrangeira. Contabilizo pelo menos 16 jornalistas da associação de imprensa estrangeira em Portugal com apelido português. Estrangeiro sou eu, mas não sou jornalista. E quem terá ficado em segundo e terceiro lugar na votação da figura do ano. Ou será que Mário Soares foi o único a concurso? E o Baptista da Silva - o consultor da ONU -, não conta? Gostaria de saber como funciona o processo de selecção, qual o critério definido e quais as filiações ideológicas e partidárias do júri do concurso. Assim, atirado ao ar, o prémio soa a arranjinho e não passa de propaganda de não se sabe bem o quê. E a associação de imprensa nacional quem elege como preferido? A imprensa estrangeira em Portugal diz que Soares é a personalidade do ano, mas não refere o género de personalidade. Se é expansiva, sisuda, marcante, ou se é uma personalidade passada ou ajuízada. Qual a vocação programática da associação? Defende os valores humanos, a Democracia e o endeusamento de figuras do passado? Já bastava a surrealidade que acontece numa base diária em Portugal, para termos de levar com esta terminação de taluda. Será que Soares procura lançar-se às europeias que estão aí à porta e pediu ajuda para melhorar a imagem no exterior? E em que estado emocional terá ficado Seguro? Às tantas esperava que lhe saísse a fava do bolo-Rei, mas em vez disso saiu-lhe o Rei e foi mandado à fava. Contudo, o mais grave deste devaneio relaciona-se com o atestado passado ao povo português. Este conjunto de relatores do estado da nação, valida a ideia, de que alguém do passado, tem um papel proponderante no destino do país, como se desejasse que Portugal não saísse da sua condição, como se o futuro de Portugal estivesse refém para todo o sempre de uma figura política de outro tempo histórico, de outra galáxia.
Tenho mergulhado no passado recente português e é impressionante a quantidade de personalidades que tenho conhecido e das quais apenas muito leve e vagamente ouvi falar. É como se eu desconhecesse por completo os avós e bisavós do pensamento contemporâneo português. É um fosso abismal! Estou deveras impressionada com a minha ignorância - embora não devesse.
Como podemos compreender e pensar Portugal no presente e dar-lhe um rumo de futuro se tão pouco sabemos do passado, inclusive do passado recente. Quantas personalidades marcantes, quantas ideias, quanto pensamento vivo, quanta sabedoria portuguesa, quanta intuição sublime, foi atirada para o asilo do esquecimento!
Quanta ingratidão, quanta soberba, quanta miséria.
E não há uma alma que nos devolva o passado, que nos dê a conhecer o que de melhor e mais edificante foi construído ao longo dos séculos pelos nossos antepassados! Apresentem-me os meus avós, bisavós, tetravós! Quero conhecê-los e quero ouvi-los, quero saber o que pensaram e pensam ainda de nós, nós os que estamos perdidos, nós os que estamos desorientados nós que precisamos de um conselho e de uma direcção. Que é feitos dos "antigos"? Que é feito das suas ideias?! Ligamos a televisão, abrimos um jornal, passamos os olhos por uma revista e só vemos superficialidade descartável encenada por gente que veio ao mundo com o único propósito nefasto de nos distrair e confundir.
Resta-me a curiosidade individual e atomizada, sem método, aleatória, de buscar e aqui e acolá, ler esta passagem e aquela, sem guia, sem instrumentos, ao acaso, sem um fio condutor que não apenas aquele do meu parco entendimento filosófico...Ah, paciência, curiosidade e inteligência não me abandonem nunca , por favor, por que sois tudo o que me resta nesta existência orfã e faminta!
E sigo deambulando, solitária, pelo tempo histórico, colando os fragmentos do pensamento como quem cola pedaços de fotografias na tentativa de perceber a imagem total e ter uma ideia daquilo que poderá ter existido e que o tempo, na sua dinâmica inexorável, se encarregou, como é normal quando não há guardiões da memória, de apagar.
(publicado originalmente aqui)
O Samuel tem razão quando afirma que o mandarinato liberal que despeja a sua verrina na blogosfera não sabe, nem quer saber dos checks and balances típicos dos regimes demoliberais. Ler os tribunos governistas tem o seu quê de torturante, pelo que, por respeito aos leitores, escuso-me de citar alguns desses exemplares que, desafortunadamente, enxameiam a blogosfera com exercícios desapiedados de vira-casaquismo. Porém, tenho de fazer uma ressalva. Uma ressalva, aliás, indispensável. É que não obstante a crítica deletéria que esses epígonos dos liberalismos iliberais têm protagonizado todos os dias, a toda a hora, o certo é que o Tribunal Constitucional, instituição que, recorde-se, é inerentemente política, tem atrasado em demasia o veredicto a propósito do Orçamento do Estado. Nada, rigorosamente nada justifica que, hoje, dia 2 de Abril de 2013, o Tribunal Constitucional ainda não se tenha pronunciado sobre os pedidos de fiscalização feitos há já 3 meses. Repito, nada justifica, ainda para mais sabendo nós que está em causa uma decisão que, independentemente do sentido que venha a ter, será absolutamente fundamental para o futuro creditício da República. No fundo, a crise do regime é já, como diria Miguel Veiga, uma crise crepuscular. Não há nenhuma instituição do regime que não saia chamuscada do peso dinamitante do austerismo. E quando assim é, é de esperar o pior.
As elites políticas americanas, atacadas por um surto de afasia política, insistem em não entender-se. Aparentemente, republicanos e democratas resolveram entregar-se a uma rave colectiva, esquecendo, por momentos, que lá fora, na Main Street, há muita gente à espera de um sinal de responsabilidade, ou como diriam os hermeneutas do politicamente correcto, de sentido de Estado. Na Europa dos federalistas à la carte os sinais também não são nada benfazejos. A propósito deste canto ocidental à beira-mar plantado, o Financial Times fala mesmo em "terramoto fiscal". O periódico da grande finança não errou no diagnóstico, é justamente isso que nos espera a breve trecho. Um terramoto que, se tudo correr como os podengos arregimentados desejam, não colocará em causa os fundamentos do regime. Mas, como dizia esse fazedor de platitudes chamado João Pinto, prognósticos só no fim do jogo. Juntem a irresponsabilidade americana à inépcia europeia, com uns pózinhos da inabilidade portuguesa de permeio, e terão uma mistura explosiva de caos económico, instabilidade social e crise política. O próximo ano não será nada fácil e, contra o que alguns pensam, os pressupostos de sempre e as teorias acabadas de antanho já não servem de nada perante uma crise estrutural. Uma crise que, de certo modo, é a crise de um modo de vida. Acordar disto será complicado.