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António Costa pode invocar as razões de peito que entender, afirmar que se enganou há dois anos quando prescindiu das decorações, mas é verdadeiramente escandaloso que o Presidente da Câmara de Lisboa e seus compinchas de autarquia tenham decidido esbanjar 300.000 euros em luzes de Natal. Um país falido não se pode dar a este luxo. Ponto final. A árvore de Natal da praça do Comércio, assim como as luzinhas que decoram a baixa, são um atentado à dignidade de centenas de milhar de cidadãos que não têm meios para mandar cantar um ceguinho. Dizem algumas mentes espirituosas que a esperança deve ser a última a morrer, a derradeira a apagar as luzes, mas este espectáculo serve apenas para prolongar a dor. Faz com que o povo pense que afinal está tudo bem. Mas meus senhores, talvez estas velas de aniversário sejam o último fôlego antes do estoiro final. A seguir ao fogo de artifício e ao espumante de fim de ano, veremos o estado da ressaca nacional. A situação que atravessamos nunca será ultrapassada se nos sujeitarmos à sorte de políticos que não entendem a gravidade destes tempos históricos. Trezentos mil euros serviriam para deixar obra por mais pequena que seja - a remodelação de um centro de acolhimento para sem-abrigo, a construção de um centro de saúde onde mais falta faz, a distribuição de rações de sobrevivência a quem mais fome tem. Enfim, não é preciso ser um génio para perceber o que quero dizer. Deste modo não se vai a parte alguma. Em vez das luzes high-tech penduradas entre os edifícios da cidade, uma iniciativa de contenção seria mais que bem-vinda. Por exemplo, uma noite de vigília à moda dos Nazarenos - uma corrente humana em que cada um acende a mecha da sua pequena vela - o pequeno isqueiro de empatia, de solidariedade silenciosa. Ainda ontem houve alguém que me disse que a decoração natalícia tem a importante função de atrair turistas, de trazer à capital forasteiros que deixam uma gratificação ao desgraçado, ao que eu respondi; qualquer dia esses mesmos turistas virão fazer a ronda dos cemitérios nacionais, prestar homenagem aos tombados em tempos de paz. Em dia de restauração o que necessita de ser refundado é o sentido ético e humano das nossas sociedades. Venha de lá esse pinheiro manso e o fósforo para atear a pira decorada por almas penadas, enforcadas pela miséria, enterradas pelos nossos olhos que ainda acreditam no pai Natal.
Deve ser apenas uma mera coincidência de época balnear. Acabo de abrir a caixa de correio e lá está a Revista da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Na capa uma imagem a atirar para o Pop-art de Roy Lichtenstein, com um cacilheiro ao fundo, não se sabe bem se a abandonar a Lisboa, a deixar em terra a ciclista. A cara do personagem - da jovem que encarna o estado de espírito -, é uma cara de poucos amigos. A menina está sozinha mas está muito bem. Não deixa descair a preferência de género, o seu sexo de eleição. Pode ser que seja hetero mas também é possível que não seja. A rapariga de cabelos alaranjados provavelmente ter-se-á exposto em demasia ao sol; tem a face e o peito pejados de sardas (ou serão pigmentos naturais?). O piercing na narina direita da garina é a prova de que é uma rapariga toda atirada para a frentex; vai aos festivais de verão (se não vai, tem auscultadores para fazer bombar os éxitos) e repete a cada segunda frase "tá-se bem". A t-shirt de alças e às riscas encarnadas deve ser para afastar os bichos, as vespas, mas cumpre outra função; condiz na perfeição com as cores do patrocinador - o anunciante. Na contracapa lá está o Red da Vodafone e três protagonistas com cara de espanto. Mas não se limitam a olhar com cara de parvas. Uma delas tem vasilhame na mão, um copo vazio (será para recolha de fundos?). Nunca havia recebido esta revista moderna no conforto da minha casa, embora seja publicada trimestralmente, mas está tudo explicado. A Câmara Municipal de Lisboa quer dar uma ajudinha ao presidente-candidato-a-presidente António Costa. Embora tenha sido educado a não julgar um livro pela sua capa, a verdade é que não retirei a revista do envólucro de plástico e não o farei. Sinto-me ultrajado por receber esta encomenda à última hora, no cair do pano de reeleições. Em todo o caso, não devo ter grandes problemas de consciência porque não se trata de um livro. É um panfleto político na mais pura acepção do papel gasto pelos munícipes. Se não estou enganado, a edição é financiada pela Câmara Municipal de Lisboa. Certo? Então, os moradores de Lisboa estão a pagar por isto, a sustentar a campanha do presidente da Câmara de Lisboa. Por essa razão não irei rasgar o plástico que protege a revista e ser maravilhado com as histórias de sucesso autárquico. A publicação que chega a tempo e horas é uma ferramenta de propaganda política, uma acção inserida na campanha política que já começou. Durante os últimos anos nunca havia recebido da CML uma revista com tanto aprumo e design, mas esta prenda caiu-me mal. Fez-me mal à digestão política. Provavelmente irá irritar mais uns quantos - a tiragem chega aos 350.000. Quanto terá custado? Faz parte do orçamento do PS ou da CML? Pode parecer que estou a ser picuinhas, mas estamos em fase de auditoria intensa a todas as movimentações políticas. Faz parte do processo democrático prestar contas e justificar os gastos. Como disse, ficar-me-ei pelos clichés inscritos na capa; "o Tejo devolvido aos Lisboetas", "Lá vai Lisboa", "À conversa com Júlio Pomar" sem esquecer aquele toque cosmopolita de modernidade iorquina. O código QR (no canto inferior esquerdo) para aqueles munícipes agraciados com um smartphone capaz de ler por entre as linhas. Capaz de entender as segundas intenções. Seara verde, verdinho.
Os ex-Presidentes da República, quando cessam as suas funções, têm direito a:
- Gabinete com secretária;
- Viatura com motorista e combustível pago pelo Estado;
- Assessor da sua confiança pago pelo Estado;
- Ajudas de custo para as deslocações oficiais fora da área de residência
- Pensão por terem ocupado as funções.
Resultado:
Custo de 1 milhão de euros no orçamento do Palácio de Belém, pagos pelo erário público, ou seja, por todos nós. Acresce que, actualmente, o Presidente da República recebe ainda 2900 euros por mês para despesas de representação pelo cargo que ocupa. Assim, a Presidência assegura a actualmente a Cavaco Silva, durante os próximos quatro anos, os gastos com alimentação, habitação, médico e outras despesas pessoais.
E viva a República!