por Cristina Ribeiro, em 02.04.08
As minhas últimas férias foram enriquecidas pela leitura de um livro, da autoria de Manuel Tavares Telles, que trata da paixão platónica que por Camilo Castelo Branco manteve, três anos antes do encontro deste com Ana Plácido, em 1856, uma poetisa portuense, a qual viria a traduzir-se numa razoável quantidade de cartas de amor e num diário íntimo, reunidos em «Os Manuscritos Gertrudes».
Começou Gertrudes por se dirigir ao escritor, solicitando a publicação de duas poesias, no jornal em que este trabalhava à época, 1853,- «O portuense». Seria a partir deste primeiro contacto que se iria desenvolver a dita paixão.
"Que sentes?" é o título do segundo desses poemas.
"Que sentes por mim? amor extremoso
Ou fria indif'ença tua alma gelar?...
E, quando meus olhos teus olhos encontram,
Não sentes mil chamas teu peito escaldar?
Se um brando sorriso de meiga ternura
Meus lábios agita, que sentes então?
Não sentes de orgulho, prazer e ventura
No peito agitado profunda emoção?
Se vai revelar-te furtivo suspiro
Esta ânsia d'amar-te, em vão reprimida,
Não sentes...oh! Dize...não sentes, qual sinto,
De amar um desejo, uma ânsia insofrida?
Se rápida foge uma hora a olhar-te,
Em êxtase ardente, em vago ansiar
De mil corações não sentes a vida
Nessa hora em delírio viver e gozar?
Se, às vezes,ao peso de mágoas ocultas,
Eu pendo a cabeça febril e cansada
Quiseras que eu fosse, buscando refúgio
Poisar-te no ombro a fronte abrasada?
Se, alegre me rio, se, triste, suspiro,
Não sentes, qual sinto, pesar ou ventura?
Se enfado, ou amor meus olhos revelam
Não sentes, não sofres, , enfado ou ternura?
Se olhando das nuvens as formas aéreas
Contemplo, absorta, do espaço a amplidão
Seguindo esse olhar, não sentes, qual sinto,
A mente confusa, turvada a razão?
E, quando se escuta do bronze a pancada,
Que à prece nos chama, e as mãos ergo aos céus,
Não sentes também de impulso suave
Tua alma elevar-se aos tronos de Deus?
Que sentes ao ver-me...que sentes oh! dize...
Por mim o que sentes?...não queiras calar...
Preciso que o digas...preciso...compreendes?...
Que a vida ou a morte me dês n'um olhar!