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Já estamos habituados. Ouve-se muito em Portugal. Escutam-se uns. Filmam-se outros. Criam-se comissões. Fazem-se perguntas. Mas os resultados são fracos. Não interessa de que bancada parlamentar se fala. Não importa qual o partido político em causa. A soma final é igual a zero. Zero à Esquerda e Zero à Direita. E assim, sem grande sobressalto, escutaremos Manuel Pinho, como tantos outros que já falaram e ofereceram a sua versão corroborrada pelo bom nome e a verdade única que certamente sai pela boca fora. O cidadão português, visado mais do que os outros pela falência ética dos governantes, já se deveria ter indignado de um modo transversal e arrepiante. Refiro-me à podridão sistémica que contamina há décadas a realidade política nacional. Os parlamentares já não podem invocar imunidade seja de que espécie for. Estão comprometidos, mesmo que em conluio abstinente, mesmo que o assunto em causa nada tenha a ver directamente com a sua bancada. A casa da representatividade legislativa, de onde emanam as lideranças, deveria demitir-se em bloco. O mês de Abril, que serve para evocar lirismos e sentimentos de fraternidade, não passa de uma farsa. Há muito que o espírito e corpo da Democracia são postos em causa pelo vil desempenho de lideres no governo ou pela oposição. Assistimos a um festival sem fim de corrupção e transgressões. Confirmamos a associação insidiosa de toda a classe política que não ousa sair à rua em causa própria. Amanhã é feriado. Dia do trabalhador e de uma mão cheia de ladrões.
Acabo de assistir à Grande Reportagem da SIC, transmitida em três episódios, desde Quarta-feira, sobre a queda do BES. Já se sabia que Ricardo Salgado e companhia não são propriamente pessoas recomendáveis, e embora as trapaças na alta finança não surpreendam, a falta de escrúpulos revelada pelo deliberado defraudar daqueles pequenos aforradores que são conhecidos como "Lesados do BES" é particularmente repugnante - e ver o padre de Ricardo Salgado a asseverar que o sofrimento destas pessoas é o que mais custa ao ex-Dono Disto Tudo é realmente a cereja no topo do bolo.
O que não se sabia é que o Banco de Portugal tinha conhecimento, desde 2004, de deficiências graves ao nível da gestão de várias sucursais e filiais do grupo, que Fernando Ulrich fez chegar ao governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, em Janeiro de 2013, um relatório elaborado por técnicos do BPI que demonstrava que o GES estava falido, pelo menos, desde 2009, e que uma nota informativa interna da autoria de vários técnicos do Banco de Portugal, datada de Novembro de 2013, colocava em causa a idoneidade e a continuidade de Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires, José Maria Ricciardi e Paulo José Lameiras Martins enquanto administradores do BES, chegando mesmo a sugerir o afastamento imediato de Ricardo Salgado. Isto, portanto, vários meses antes da queda do BES, que ocorreu em meados de 2014. Recorde-se que Carlos Costa insistiu em vários momentos na tese de que nada pôde fazer antecipadamente e na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do BES e do GES chegou mesmo a afirmar que não tinha elementos para abrir um processo de reavaliação da idoneidade dos referidos administradores.
A reportagem da SIC, que recomendo vivamente, deixa à vista graves falhas na supervisão bancária em Portugal, sendo difícil não concluir por uma certa conivência ou submissão do governador do Banco de Portugal a Ricardo Salgado. O mais surpreendente, todavia, continua a ser o facto de Carlos Costa ainda permanecer à frente da instituição. Ninguém lhe pede que cometa seppuku, mas apenas que tenha um módico de vergonha.
Estão surpreendidos? A Câmara Municipal de Lisboa (e as restantes autarquias) deve (m) ser virada (s) ao avesso. Por um instante apenas ponham de parte os partidos e a política. Concentrem-se na ideologia de mercados e dinheiro. Na religião das influências. No sector profissional da troca de favores. Estão chocados com os alegados favorecimentos da autarquia ao Grupo Espírito Santo? Pois, não deviam estar. Sabemos como as coisas funcionam. Imaginem uma enorme orgia com convidados de todos os parâmetros económicos e sociais. Um enorme lóbulo de amigos e compadrios, arquitectos, empresários, escritores, poetas, intelectuais, fazedores de opinião, jornalistas, advogados, construtores, gestores de resíduos sólidos, responsáveis de outdoors, directores de agências de comunicação, donas de quiosques e refrescos - tudo misturado numa bela caldeirada de vantagens para quem está no poder e não só. É disso que se trata. Venha de lá essa sindicância, a investigação levada a cabo por instâncias judiciais. O que é realmente impressionante é ter havido tanto silêncio durante tanto tempo. Alguém colocou uma tampa firme sobre a panela. Pelos vistos há limites para a pressão que se aguenta. Quero lá saber de timings e calendários eleitorais. Está a acontecer agora? Ainda bem. Portugal e Lisboa merecem melhor.
Eu não disse que esta história das compensações lançada pelos gregos aos alemães poderia ser aproveitada? Embora não seja a mesma coisa, vai haver mais gente a pedir dinheiros. A holding Joe Socrates International ainda há-de causar mais estragos ao país do que um hipotético default de Portugal. Os gregos têm razão e deveriam servir de exemplo - os portugueses devem exigir compensações a Sócrates pela devastação causada e que ainda está longe de estar contabilizada. O legado do ex primeiro-ministro é deveras assinalável e continua a contribuir para falências de empresas portuguesas. Ou seja, o recluso de Évora é um contribuinte líquido para os níveis de desemprego, mas desta feita a nível internacional. Neste caso a Venezuela aparece como cabeça de série de um torneio de cambalachos financeiros. Já ia em 10 países o processo de internacionalização de Sócrates, mas tenhamos calma. Deve ainda haver diversas situações que virão a lume a tempo das legislativas venezuelanas ou lusitanas. Convenha a quem convier.
O país inteiro está boquiaberto e pergunta: como foi possível isto acontecer ao Banco Espírito Santo (BES)? E a pergunta é legítima e exige o apuramento de responsabilidades. Em democracias alicerçadas em constituições que definem a separação de poderes e atribuição de competências, os deputados parlamentares também devem ser considerados co-autores deste escândalo bancário que terá impactos avultados na economia nacional. No meu entender, houve uma interpretação restritiva da função parlamentar. Quantas comissões dedicadas às actividades financeiras foram constituídas ao longo das décadas e com membros de todos os partidos? Nunca ouviram falar no poder extra-judicial que advém da aplicação das prerrogativas que decorrem do "checks and balances"? Ou seja, os representantes que ocupam lugares na Assembleia da República deveriam ter funcionado como um quarto poder, como um corpo fiscalizador de domínios sensíveis como é o da banca. A linha de vida da economia de um país emana de um sistema bancário saudável e todos os sintomas eram mais que óbvios no caso do BES. A amplitude e diversidade de negócios do grupo deveria ter sido suficiente para fazer soar o alarme. Mas não, os deputados (e os governos) deixaram a coisa andar até à plena exaustão, e hoje, de um modo politicamente conveniente, falam das trancas à porta depois do país ter sido arrombado. A haver investigação séria e conclusiva sobre as ramificações da prevaricação, os deputados devem ser arrastados para esse tribunal. De nada serve o discurso indignado de deputadas como Catarina Martins, quando a própria, como tantos outros da Esquerda ou Direita, estiveram anos a fio a ver o comboio passar. Em suma, os parlamentares não cumpriram a sua função de um modo adequado. Não souberam proteger Portugal do pior pesadelo possível. Não souberam ver o que se passava diante dos seus olhos. Ou não quiseram.
Afinal o que é Marques Mendes? Marques Mendes Bom ou Marques Mendes Mau? O que julga este porta-voz do Banco Espírito Santo (BES)? Que assim, sem mais nem menos, se agita uma varinha Moulinex e o BES fica um mimo? Frase ganhadora do prémio silly season: "Tudo o que é lixo estará de fora bem como todos os esqueletos" - sem comentários.
Que se lixe a queda na bolsa das acções do Banco Espírito Santo (BES). O mais grave de tudo isto tem a ver com um valor intangível: a confiança. Por causa de salafrários como Ricardo Salgado, Jardim Gonçalves, José Sócrates ou Vale e Azevedo, para nomear apenas alguns de um imenso caldeirão de bandidos, o país inteiro passou a estar sob suspeita. A cada 24 horas que passa nasce mais uma extensão de uma longa novela de prevaricação. Acordamos, e mais três são implicados. Um deles, o delfim-genro de Ernâni Lopes, de seu nome Joaquim Goes (melhor aluno da Universidade Católica, segundo consta). Por causa destes sujeitos, já nem confiamos na Dona Ercília da Mercearia do bairro - "O pão é de hoje? É sim senhor. Acabadinho de chegar na Sexta-feira passada". Para além de todos os processos judiciais que possam decorrer da investigação às actividades financeiras destes indivíduos e dos grémios que os viram nascer, o povo português deveria levá-los à barra dos tribunais por danos morais e psicológicos causados. Deixamos de confiar. Qualquer coisa que mexa ficamos logo em sobressalto - de pé atrás. Começamos (ou continuamos) a ter dúvidas sobre as grandes instituições financeiras e os seus timoneiros, mas também a vacilar em relação à oficina de reparação da viatura e a conta apresentada, ou por causa da extensa lista de medicamentos inscritos na receita do dermatologista lá da seguradora. O português tem motivos para desconfiar. O cidadão nacional tem razões para olhar sobre os seus ombros. O povo, por estas razões todas, tem a obrigação de escrutinar os políticos, de espremê-los até ao tutano. Se não o fizer, a porta ficará aberta para ainda maiores desgraças. Entretanto, esta estória, para além de mal contada, está longe do seu desfecho.
Porque é que o caso BES vai dar em nada? Porque Ricardo Salgado soube montar a sua defesa de um modo inexpugnável. Ao longo de décadas a família Espírito Santo foi envolvendo tudo e todos, resgatando para o seu círculo de dependência, políticos, empresários, partidos, instituições, fundações, clubes de futebol e homens de cultura. Quem são então os responsáveis pela promiscuidade e os ilícitos que decorrem de proximidades e conveniências? São todos. São todos os governos de Portugal havidos antes e depois do 25 de Abril. Foram todos os políticos próximos ou extintos pela perda de mandatos. E porque razão apenas agora rebenta a bomba do Grupo Espírito Santo? Em parte, ou integralmente, porque este seria o momento certo para arrasar com a candidatura de António Costa que assentou grande parte da gestão camarária na obra e na empreitada, na conversão imobiliária, e, umas instituições financeiras, mais do que outras, beneficiam com decisões políticas que implicam investimentos que apenas são possíveis com empréstimos da banca. Parece que o país inteiro sabe mas não quer saber quais as implicações desta teia de interesses. Ou é espectador ou participa no esquema. Manuel Salgado é primo de Ricardo Salgado? É apenas um detalhe, mas serve para ilustrar a promiscuidade, o antro de relações perigosas/proibídas em que se transformou Portugal. A pegada do BES é enorme e envolve tantas empresas e grupos económicos que assistiremos a um jogo de soma-zero, o exercício de lavagem colectiva de mãos - uma extensão da lavagem de dinheiros. Depois temos o falso jornalismo do grupo Impresa, pela voz da SIC ou através dos textos assinados no Expresso que ostenta a ilusão de um sistema de justiça implacável para gaudio do povo sedento de sangue. Três milhões para o bailout de Ricardo Salgado pode parecer muito à luz do Euromilhões, mas não passa de uma ninharia quando comparado com os juros que o país irá pagar nos próximos tempos pela quebra de confiança e o descalabro material, efectivo. Que se faça a lista de compras de supermercado para saber quem virou a cara a tanta prevaricação, e nesse longo rascunho estarão todos os convivas em que possam pensar - Sócrates, Cavaco Silva, Guterres, Manuela Ferreira Leite, Mário Soares, Passos Coelho, Duarte Lima (para mencionar apenas alguns), assim como célebres escritórios de advogados e empresas de constituição de offshores. Acreditam mesmo que veremos a luz do dia em relação a este caso? Se o BES cair, cai o país inteiro. Cai a PT. Cai a Caixa. Cai tudo. Caem todos. Seria bom que assim fosse, mas não me parece que Portugal abandonará as práticas que fazem parte da sua matriz, dos poderes que estão instalados e que foram contaminando o resto da paisagem económica e financeira. O Grupo Espírito Santo até pode evaporar, desaparecer da face da terra, mas o dia da ressurreição dará vida a um outro corpo, com outro nome, mas com os mesmos rituais de obediência e recompensa. Extravio, prevaricação, pecado por pouco.