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Penso sinceramente que uma grande oportunidade está a ser esbanjada. Mas antes de ir direito ao assunto, deixem-me afirmar o seguinte em relação aos princípios que determinam a minha postura política. Em primeiro lugar, a liberdade de expressão é um dos bastiões da Democracia que não pode ser posta em causa, e cantar ao vivo, com ou sem banda de suporte, tem de ser considerada uma forma de comunicação inalienável. Não há nada de errado na canção de intervenção Grândola Vila Morena da autoria de Zeca Afonso. A melodia e as palavras que se inscrevem na pauta, têm uma residência importante na história política e social de Portugal. Contudo, lamento que no momento actual, e no contexto específico que vivemos, nenhuma canção original tenha brotado de uma fornada de valentes músicos movida por causas maiores. E isso confirma alguns pressupostos endémicos. A incapacidade de Portugal para se reinventar e estabelecer um código de ruptura. Ao riscarem vezes sem conta o disco de Grândola, este perde a sua força anímica. Passa a ser um dois em um. Um head and shoulders do protesto, algo emprestado, à falta de melhor termo, de um vizinho simpático. Preferia que houvesse um concurso de televisão para eleger a melhor canção de intervenção. Eu sei que é uma contradição. Não existe tal coisa - a melhor canção de intervenção. Mas também não gosto da expressão, quem não tem cão caça com gato. A grande maioria daqueles que entoam a Vila Morena, e de quem se espera a verdadeira mudança, nem sequer viveram sob a alçada da restrição dos direitos e garantias. Não carregarem a intensa simbologia dessa luta. Vivem outra forma de castração, e a repressão que hoje sentimos deveria evocar um outro arranjo musical, uma outra lírica contestatária. Esta consanguinidade de recursos acaba por demonstrar que Portugal procura soluções diversas fazendo uso das mesmas ferramentas. Onde está a Mariza? Onde estão os Xutos e Pontapés? Onde estão eles? Sera que estão tão bem instalados que nem sequer lhes passa pela cabeça uma composição de resistência? Há ainda uma outra dimensão que se relaciona com esta canção. Ela circunscreve-se à cultura local. A luta e a contestação que une os irmãos Europeus, deveria dar azo a uma canção mais universal. Uma app para andróides e humanóides onde quer que estejam a agonizar.
Joaquim Couto, O país do livro e +1 direito.
Daniel Oliveira, E agora, senhor Relvas, o povo mau.
Viriato Soromenho-Marques, Até quando?
Registo com agrado a cobertura do PS ao PSD e Miguel Relvas perante os protestos dos últimos dias. Dependem um do outro para sobreviverem e manterem os seus interesses à custa do povo - enquanto o repelem para o mais longe possível. Já este, começou finalmente a perceber que «Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...». O mesmo é dizer que é o governo que deve temer a nação, não o contrário. E parece que o centrão está a tremer - muito levemente, mas é um princípio - com medo que lhe tirem a gamela. Óptimo.
112 recebe enchente de chamadas de pessoas com ideias suicidas
Mas não, claro que nada justifica o protesto - ainda que este extravase a suposta legalidade. Não há descontentamento generalizado algum e o país está cada vez melhor. Só não vi tanta gente preocupada com a liberdade de expressão quando Relvas andou a silenciar jornalistas (conforme nos recorda o Pedro Picoito), ou até mesmo com a legalidade, quando relativizaram o episódio da licenciatura forjada. A verticalidade tem dias, como se sabe. Poucos ou nenhuns, infelizmente. Um dia, se e quando a direitalhada descer do pedestal estratosférico onde vive ultimamente, talvez seja tarde demais. Como costuma dizer o Professor José Adelino Maltez, o maquiavelismo "parecendo ter razão no curto prazo, logo a perde a médio e a longo prazos. Porque, além de ser uma péssima moral é uma não menos péssima política."
O Samuel resumiu, a meu ver, bastante bem a essência da coisa: de facto, e sem querer maçar-vos, uma coisa, legítima e até benfazeja, é o uso de um slogan ou de uma canção para, simbolicamente, interromper um discurso político. É questionável? Sim, é, mas é legítimo como arma de intervenção política. Não alinho, pois, no coro da direita que critica este tipo de gestos - estou bem longe, longíssimo se quiserem, de me rever nas figurinhas que protagonizaram aqueles cânticos. Outra coisa bem diferente é a banalização deste tipo de gestos que, como é óbvio, acaba por prejudicar grandemente o objectivo subjacente aos mesmos. É que podem estar certos de uma coisa, caros cantautores da treta: terem permitido, com a vossa leniência, que Relvas exercitasse impunemente os seus dotes vocais só provocou, junto dos portugueses, a vossa descredibilização perpétua. Ninguém fica impune quando a verve bonjoviana de Relvas é estupidamente estimulada.
Interromper um discurso do Primeiro-ministro na Assembleia da República com a cantoria da "Grândola, Vila Morena" tem qualquer coisa de simbólico e que fica gravado, pela apreciação ou não, nas mentes dos portugueses, especialmente na conjuntura que vivemos. Repetir a cantoria interrompendo um Ministro, nos moldes patéticos que este vídeo revela, vulgariza o primeiro acto, retirando-lhe grande parte da carga simbólica, especialmente quando o Ministro se junta à cantoria. É pena. E eu que nem gosto da música. Só espero que isto se perceba, não vá outro grupo de "cantores" surpreender-nos um destes dias quando, por exemplo, Vítor Gaspar estiver a discursar. Poupem-me, a mim e a todos os portugueses, por favor, a ter de ouvir o Ministro das Finanças a cantar. Como dizia alguém, quando quem manda perde a vergonha, quem obedece perde o respeito. E Relvas ainda gozou, fazendo coro com os "cantores". Há algo de terrivelmente errado com Portugal, para termos deixado de produzir estadistas e estarmos entregues a isto.