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Ordeiramente, a sucessão de eventos perfila-se numa repetição do filme grego, agravada pelo engelhar progressivo dos actores.
Recusando-se a mirrar a dimensões compatíveis com um sustento menos escandaloso, o Estado permanece inchado, ineficiente, opressivo e soviético.
As pessoas, que já não se reproduziam, começam a fugir.
O Estado continua a recusar-se a encolher, por não poder fazê-lo sem expurgar de si e do seu pasto os amigos, micro e macro, que o fizeram como é.
As pessoas começam a matar-se e a levar filhos consigo.
O Estado recusa-se a encolher e pede mais tempo, findo o qual toda a gente sabe que não terá ainda encolhido.
Os maiores fundos largam no mercado as participações que detinham de activos portugueses.
O Estado não só se recusa a encolher, como ameaça recrudescer absorvendo no seu seio, entumescido e pútrido como o eixo Belém-São Bento, a produção dos poucos que restam para lhe resistir.
A seguir vem um segundo resgate, mas só em 2015, porque entretanto o país voltou aos mercados, em ano de autárquicas, para poder custear a manutenção de um sistema que exclui, assim a talhe de foice, 90% da população (50% que não votam, 25% que nunca votaram ao "centro" e uns bons 15% de ostracizados entre crianças, velhos, marginais e eremitas como eu) cavando ainda mais o fosso entre a democracia e a forma grotesca de partilha do poder que se vive em Portugal.
E até lá? Tudo caladinho à espera da sua vez sem saber qual das desgraças lhe tocará na lotaria da morte. O gang que assalta, o hospital que se engana, o condutor mais tresloucado que nós, o erro judiciário, a bala fiel no quarto do casal para obviar a espera, a garrafa, a apatia?
Pode ser que não.
Em tempos temi que isto, o saque desenfreado e o riso boçal dos filhos da puta Abrilados, durasse para sempre, até ao fim dos meus dias. Mas agora renasce-me a esperança de ver outro desfecho, um final bom para cinéfilos.
Há pouco, numa das minhas contumazes deambulações feicebuqueiras, deparei-me com uma agudíssima análise do Jorge Nascimento Rodrigues, que permito-me citar aqui no blogue: "A verdadeira divisão é entre os que ainda aceitam jogar segundo as regras da troika em diversos graus (Bersani e Monti) e os que, por demagogia populista ou convicção, se opõem, como todos os grupos e partidos que se integram na coligação liderada por Berlusconi ou os integrantes do movimento de Beppe-Grilo (verdadeira surpresa eleitoral, game changer no atual contexto, sendo o segundo partido mais votado, à frente do próprio partido de Berlusconi) (...) Um membro do Partido de Bersani já disse que por este andar haverá novas eleições, como na Grécia. Só que Beppe Grillo não é Siryza e Berlusconi e seus apoiantes não são o PASOK para servir de muleta a Antonis Samaras. È um contexto radicalmente diferente". O cerne destas eleições prende-se exactamente com o facto, estranho para alguns, de Berlusconi e Grillo não serem comparáveis aos actores políticos da desgraça grega. Há diferenças notáveis entre os eurocépticos italianos e os eurocépticos gregos, ainda que a semelhança principal entre ambos reconduza-se ao firme repúdio da actual arquitectura de gestão macroeconómica do euro. O que as eleições italianas patentearam foi uma divisão radical entre os que partilham os postulados merkelianos e eurocráticos de gestão do euro, e os que preferem uma via autonomista que recupere soberania e voz activa na resolução dos problemas políticos e económicos nacionais. Sim, caríssimos leitores, o que está em causa é tão-só saber até que ponto os italianos aderiram ao federalismo aditivado dos eurocráticos de Bruxelas e Berlim. Pelos vistos, a adesão não foi em massa, e por mais que se critique Berlusconi - e eu estou longe, bem longe, de ser um admirador do Casanova cantor -, e muitos fá-lo-ão, uma coisa é certa, o senhor renasceu das cinzas, qual fénix perdida nas ladeiras da proscrição judicial. O futuro será incerto, e as próximas horas, dias e meses revelarão se os italianos estão ou não dispostos a suportarem, silente e calmamente, a dureza austeritária. Algo me diz que não. Mais: esta crise porá a nu, definitiva e derradeiramente, a pobreza política que domina as estruturas políticas europeias. Com que consequências? Só o futuro o dirá.