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Sim, Henrique, tens razão, na periferia os mandarins vão mudando, mas na Europa tudo como dantes, quartel-general em Abrantes. O problema é mesmo esse, uma Europa que ordena, manda e esquarteja, sem que os ventos da revolta trespassem os suaves e cómodos cadeirões do Berlaymont. No entanto, e como nada é linear, eu recomendaria alguma atenção aos comandantes deste navio desgovernado. É que com tanto ódio à solta, e tanta raiva pronta a explodir em gritos e pontapés a eito, todo o cuidado é pouco. Quando não se cuida dos alicerces dos edifícios, não esperem que os mesmos se mantenham indefinidamente de pé. A lógica é simples, mas cruel. Muito cruel.
Noite de Abril
Hoje, noite de Abril, sem lua,
A minha rua
É outra rua.
Talvez por ser mais que nenhuma escura
E bailar o vento leste
A noite de hoje veste
As coisas conhecidas de aventura.
Uma rua nova destruiu a rua do costume.
Como se sempre nela houvesse este perfume
De vento leste e Primavera,
A sombra dos muros espera
Alguém que ela conhece.
E às vezes, o silêncio estremece
Como se fosse a hora de passar alguém
Que só hoje não vem.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Poesia, 1944"
Um dos argumentos que muitos dos defensores do Acordo Ortográfico têm invocado com insistência é o de que já se realizaram várias reformas ortográficas. Dando de bandeja que, como aqui referi, foram feitas sempre por critérios políticos, por um regime inspirado pelo racionalismo construtivista (I República) e por outro autoritário (Estado Novo ou II República), a verdade é que este argumento cai na falácia da pressuposição. Entre outros, Henrique Monteiro tem sido notável a cair nesta e noutras falácias, como a falácia do historiador e a de argumentum ad consequentiam.
O director do Expresso parte de uma premissa que não discute se é verdadeira ou falsa (e que é claramente falsa, pelos motivos a que aqui aludi, nomeadamente por a língua ter origem espontânea, sendo uma instituição pré-política na qual o Estado não se deve intrometer), para concluir que pelo facto de existir esse antecedente, será correcto que incorramos novamente no mesmo tipo de premissa. A conclusão está logicamente errada, e até agora não tenho visto quem nesta incorre a tentar pelo menos justificar a premissa como verdadeira. Porque não o é, e ou não o sabem, ou sabem e de forma intelectualmente desonesta o omitem.
Leitura complementar: Contra o processo de apagamento da identidade portuguesa em curso; Contra a novilíngua do acordês; Contra a submissão ao estado moderno na forma do acordês, acordai portugueses!