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Hollande 23% - 32% Costa. Serão almas génias?Já viram isto? Ok. Estou a brincar, mas isto não é caso para gargalhadas (já vamos à Venezuela e aos Magalhães). Por ora tratemos dos gauleses. Já sabemos que irá haver uma tentação clara para justificar a perigosa vitória de Le Pen, nas eleições regionais em França, invocando o clausulado securitário. Os Je suis Charlie e os Bataclans podem até servir para sustentar as "causas próximas", e até no plano cultural, no húmus da mentalidade, nas correntes filosóficas, poderíamos decifrar a profundidade conceptual que define o nacionalismo francês. Mas não vamos chamar o alemão Fichte nem Rousseau, e exigir explicações. Será no relógio contemporâneo que o fenómeno de ascensão da extrema-direita se move. Lembro-me do que disse o pai (octagenário) de um ex-amigo francês: "a selecção nacional de futebol de França está a ficar muito escura". Pois bem, é nesse plano da exclusão do legado histórico (e colonial) que se operam as modalidades de francês de primeira e marselhês de segunda. Hollande também tem a sua quota de responsabilidade. Em nome da justiça socialista cometeu excessos - por exemplo, e muito convenientemente, foi atrás do património alheio, radicalizou-se na sua falsa imodéstia ideológica, e demonstrou que não soube estar ao centro e se balançar no frágil palco da sociedade francesa. O que aconteceu em França nem carece de mais um empurrão de um terrorista islâmico. França está a viver o resultado de um investimento ideológico lançado pela geração Le Pen precedente. Tempos perigosos assolam a Europa, mas outro género de revoluções também denunciam a falência de uma outra Esquerda demagógica, de decepção. A Venezuela é a outra face da mesma aresta ideológica. A divisa do socialismo-extremo hiperinflacionou-se e rebentou a escala do bem comum, profundamente anti-capitalista, e destruidora de liberdades e garantias. O legado de Chávez de nada vale no mercado secundário de inspiração ideológica. Cuba também já está a dar o berro. Resta saber que fonte de inspiração ainda se mantém de pé para visionários locais. António Costa deve pensar nas sucessivas legislaturas e na efectiva possibilidade de estar a preparar o terreno para incursões radicais da Direita em Portugal. A ideologia é uma espécie de boomerang e balão de ar quente em simultâneo. Vai e volta com ainda maior pujança, ou simplesmente cai por terra. As decisões do comité-central do PCP e da coordenadora do BE podem produzir um efeito de ricochete ainda mais violento do que se possa imaginar. Basta não acertarem o passo. E tudo indica, já nesta antecâmara, que Jerónimo de Sousa não quer acertar a sua passada à música de António Costa. O que está acontecer em França é um exemplo-vivo das consternações que afligem a Europa. Não julguem por um instante que isso é lá com eles. Não é disso que se trata. Nem precisamos de ir a Munique e regressar com o troféu das garantias dadas. Lamento muito. É agora.
Dizem as boas e as más línguas que Hollande, finalmente, mudou. Mudou de fato, mudou de mulher, e mudou de discurso. Para quem chegou ao Eliseu como um "mudancista" à moda antiga, esta mudança não é, de facto, um momento desprezível. Mas o momentum de que falamos, e que muitos têm glosado na imprensa internacional, qualificando-o, com uma certa ridicularia conceitual, de "blairização" ou "schroederização" da política francesa, é, no fundo, a constatação de que o debate sobre o euro terminou. A Alemanha venceu-o por goleada, nocauteando, sem dó nem piedade, os seus adversários do sul periférico. A conclusão é simples e nada abonatória para os mal afamados "porcos" europeus, isto é, a permanência no euro dependerá, doravante, do cumprimento escrupuloso dos critérios rigoristas germânicos, pelo que qualquer desvio à regra teutónica implicará ou a revisão célere da matéria dada, ou a expulsão severa de um clube cada vez mais exclusivo. Hollande tardou, e muito, em admitir a franqueza crua da realidade, porém, muito a custo, é certo, soube reconhecê-la. Resta saber se o seu epígono luso, o Seguro inseguro, logrou retirar deste "U-Turn" as devidas ilações. Os últimos sinais não são, propriamente, muito encorajadores. Mas o certo é que Seguro, por mais que esbraceje ou brade aos sete ventos, terá, mais cedo ou mais tarde, de reconhecer que o socialismo despesista de antanho, financiado pela "horripilante" finança internacional, é uma relíquia nada benfazeja de um passado que jamais tornará. É bom que o reconheça o quanto antes, para bem dos nossos bolsos.
A liberdade é um conceito tramado que serve, as mais das vezes, de suporte a agendas políticas ridiculamente banditizadas. A mais recente atoarda censória de Hollande não é, a este propósito, uma grande surpresa, pelo facto singelo de toda a "obra" legada pelo président estar ferreteada pela mais completa e estupidificante inépcia política. Nesse sentido, o banditismo constituído pela censura, política e judicialmente chancelada, de um cómico não é, bem vistas as coisas, uma novidade. Numa presidência inicialmente votada à recuperação do grandeur da França, o falhanço no cumprimento das grandes metas macroeconómicas, acompanhado da deriva geoestratégica de uma elite demencialmente perdida, deu lugar, como o Miguel Castelo Branco sublinhou aqui, a manobras de diversão múltiplas, votadas, primacialmente, a desviar a atenção do povinho francês do cerne claudicante da política hollandista. O problema é que censuras deste jaez, com maior ou menor brado mediático, tenderão, a médio e longo prazo, a supurar os alicerces das liberdades democráticas. O fantasma do liberticídio anda por aí, ameaçando, a miúdo sub-repticiamente, os fundamentos do contrato social. E Hollande, com a sua costumeira inabilidade política, voltou, para não variar, a dar voz, espaço e luzes aos que tão inclementemente criticam o ocaso da República. Seria bom que, pelo menos, uma única vez, o socialismo francês fosse capaz de distinguir o trigo do joio.
Publicado aqui.
Sócrates é o parasita perfeito, a prova viva e viçosa de que Darwin acertou em qualquer coisa.
Se fosse vivo, H.R. Giger teria em Sócrates matéria para dois séculos de conceitos.
Isabel Moreira consegue, impune, chamar traidor ao PR. Eu consigo, impune, dizer que isto é um post sobre o filósofo grego.
Vindo a ser coisa diferente, teremos matéria para rir.
Hollande ser premiado com o Nobel da Paz. O président merece-o.
Publicando aquilo que todos há muito desconfiavam, o Washington Times proporcionou no passado mês de Maio, uma airosa saída ao apressado pacifista Obama e respectivo ácaro Hollande. Melhor ainda, os democratas falcões poderão exercitar os seus artefactos aéreos, procedendo a ataques cirúrgicos às concentrações de "rebeldes" usuários de gases, essas armas químicas que indignam o planeta.
* Terão sido os dois presidentes atacados com gás sarin? Pelos sintomas que têm exibido diante do mundo, parece-nos que sim: olhos lacrimejantes (Hollande), pupilas diminuídas (Hollande), sudação excessiva (Hollande e Obama), confusão (Hollande e Obama), fraqueza (Hollande e Obama). Quanto às dores de cabeça, diarreia, copioso urinar e outros sintomas embaraçosos, nada poderemos dizer.
Hollande acabou ou não com a austeridade?
Nous te voulons!
A Chanceler deixou de ser o alvo na carreira de tiro dos desesperados. Se em Portugal temos o sempre sintomático Mário Soares a assestar baterias contra Barroso, isso apenas consiste num reflexo do que se passa na sua "pátria de eleição", a França. Para onde quer que olhemos, o resultado da acção de Hollande não é de molde a agradar até aos seus mais ferrenhos aliados. Politicamente, o ocaso francês é patente, avassalador, confirmando plenamente aquilo que há muito se sabia e que Sarkozy procurava disfarçar. Em termos internos, o descalabro é total, desde as questões de segurança interna, até à catástrofe financeira que a maioria dos europeus prefere ignorar, tal é o pavor por aquilo que poderá acontecer.
Há um quarto de século, Mitterrand escancarou as portas da Assembleia Nacional a uma enxurrada de deputados da Frente Nacional de Le Pen. Justamente argumentava com um sistema eleitoral mais consentâneo com a realidade da vontade dos franceses, pois o artifício das duas voltas roçava a farsa, sendo esta deliberadamente assumida pelos defensores do status quo. Num só golpe julgava poder dividir a chamada "direita clássica", não contando com a fuga maciça de comunistas para as hostes da FN. Mitterrand esqueceu-se das suas próprias origens, esqueceu-se de Jacques Doriot e de um passado não muito distante. Mais tarde, o aflito regresso ao velho sistema de eleição, o tal "dique republicano", pressupôs a distorção da representação, daí o estupor de numerosos eleitores que a par da crise económica e financeira, da crise de identidade - em França, Mohamed é hoje o nome mais comum no registo de recém-nascidos - e da cegueira daquilo que se convencionou ser o "politicamente correcto", inauguraria um irreversível caminho para a desordem e subversão do estado de coisas até hoje julgado eterno. Embora esta pareça ser uma hipótese ainda distante, há que considerar a futura presença de uma enorme representação da FN no parlamento francês, pois o sistema eleitoral que lhe tem impedido o acesso aos lugares conquistados pelo voto, poderá muito bem servir para um dia lhe garantir uma maioria. A questão será adivinhar até quando funcionará o voto útil.
Apesar de todo o seu manobrismo e fácil adaptação às situações que mais lhe convêm, Barroso foi e é útil a Portugal, disso não haja qualquer tipo de dúvida. O actual regime fez a sua escolha e pendeu fortemente para o continentalismo europeu, em detrimento daquilo que seria mais desejável e que agora a todos salta à vista. É Barroso o homem dos americanos? Muito provavelmente assim é, e a sua nomeação para a Comissão Europeia a isso se terá devido. Mas não será este equilíbrio entre Europa e América, aquele que mais interessa à segurança europeia? Há legados que são incontornáveis, pois Barroso provém de um país inegavelmente atlantista e historicamente aliado da potência marítima dominante. Neste posicionamento Barroso não estará só, apesar de todas as reticências que os deputados britânicos lhe colocam devido à sua condição de cabeça da Comissão. Quanto ao "mundialismo e a globalização", Barroso nada mais faz, senão confirmar aquilo que a esquerda europeia durante tantas décadas pregou. Um mundo idílico e de iguais, exigia essa quebra de barreiras comerciais de que a Europa era talvez o expoente máximo. Durante demasiado tempo escutámos a nossa esquerda ditar sentenças acerca da situação de chineses, indianos, africanos e de uma infinidade de povos submetidos à exploração que a nossa PAC e as pautas aduaneiras impunham como armas de privilégio para o velho mundo. O capitalismo internacional caiu na tentação do lucro fácil e ao mesmo tempo que retirava da miséria dezenas de milhões na China e na Índia, destruía a tradicional base do poder europeu e americano. Ao contrário daquilo que o desesperado Hollande alega, foi a esquerda europeia quem pugnou por essa abertura sem peias, sem aquelas necessárias precauções que garantissem a não-colaboração com os sistema de trabalho escravo, as tais situações de desigualdade com as quais a Europa do Estado Social não pode nem deve competir. Internamente, essas "aberturas" trouxeram o terceiro-mundo para as nossas periferias e o nosso sector progressista deu-se ao excelso artifício de criar um sector capitalista e empresarial que lhe é afecto e que sem a esquerda no poder, não pode medrar. Ofendendo as tais tradições pelas quais hoje ironicamente reclama, a esquerda empurrou para a extrema-direita uma até há pouco impensável quantidade de eleitores irritados pelo sistema do duplo critério, da manipulação da democracia eleitoral, da cedência perante aquilo - a islamização, há que afirmá-lo sem rodeios - que liminarmente todos rejeitam.
A culpa é dos americanos, é de Barroso, dos ingleses e um dia destes, dos seus eternos aliados portugueses. Isto é afirmado por quem ainda não reparou que à sua volta existe uma sociedade razoavelmente americanizada. Das Levi's e t-shirts que "fizeram o Maio 68", até à música, inovações tecnológicas e correspondente língua dominante, cinema e ao horrendo fast-food, de tudo isso a esquerda se serviu para se impor como "diferente". Atacar os americanos por causa da "diversidade cultural", é de facto insólito. A esquerda é hoje quem mais brada pelo regresso ao consumo e à despesa, imagem de marca Made in USA, confirmando assim que Marx está enterrado em Londres, a múmia de Lenine é atacada por fungos e os seguidores de Trostky não passam de picaretas falantes. Mas do que estavam à espera?
A prosopopeia europeia está a atingir, por estes dias, o paroxismo da insanidade mental. José Manuel Barroso - retirem o Durão, caros leitores, porque de durão só mesmo o nome - já veio avisar os gauleses de que o adiamento das metas fixadas relativamente ao défice pressuporá o rigoroso cumprimento das reformas estruturais acordadas. Adivinhem, pois, a resposta francesa a este ultimato delicodoce? A réplica francesa, sob a voz do messias Hollande, foi um rotundo não. Sim, um não bem agudo. Por outras palavras, em solo francês mandam os franceses, assim sem mas nem aspas. A Comissão só deve imiscuir-se nos assuntos internos dos PIIGS e, vá, dos restantes países europeus, com a excepção, infeliz do ponto de vista francês, dos alemães chefiados por Frau Merkel. Ou seja, a Europa existe para validar os desejos dos países-membros mais poderosos. No fundo, nada disto causa a menor surpresa. Sempre foi assim e sempre será assim, enquanto não houver um sobressalto das nações europeias asfixiadas pelo barrete bruxelense. Eduardo Lourenço, um dos poucos intelectuais deste Portugal portugalinho que ainda vale a pena ler e ouvir, dizia há dias que não há uma ideia europeia. Pois bem, a questão foi mal formulada. O que Eduardo Lourenço deveria ter feito era questionar se alguma vez existiu um arremedo dessa pseudo-ideia europeia? A resposta parece-me claramente negativa. Como escreveu Jaime Nogueira Pinto neste pequeno artigo, a "essência e a força da Europa foi a unidade na diversidade, uma cultura e um espírito idênticos em comunidades políticas bem definidas, independentes e competitivas entre si. E foi a resistência dos Estados-nações europeus às tentativas imperiais de Carlos V, de Napoleão, de Hitler, foi essa resistência ao Império, à unidade imposta por um centro que fez a força das nações europeias. No passado, foi pela competição militar, política, na Ciência e na Técnica e até na memória dessa rivalidade na Literatura e na Arte, que chegaram onde então chegaram". O conceito de Europa tem servido de máscara às mais vis elucubrações. Talvez seja este o grande pecadilho das elites que têm prosperado à sombra de uma ideia que, em bom rigor, nunca existiu. A Europa da União forçada findou. Falta apenas a celebração das respectivas exéquias.
Hollande propõe um governo económico para a zona euro, mas eu acho que não estou a interpretar correctamente o seu desejo. Ultimamente tenho-me sentido com tonturas e incapaz de pensar de um modo coerente. Estou a perder as minhas faculdades mentais, se é que alguma vez as tive. O que ele pretende, à luz da perda de influência da França e da sua demise económica, é inventar uma nova instituição onde o Elísio, perdão, o Eliseu, possa renascer das cinzas de um fénix, perdão, fónix europeu. A França tem sido secundarizada pela Alemanha e isso é considerado um ultraje pelos franceses. Jamais! Antes de ter de pedinchar uma boia de salvamento, os mestres da política externa francesa querem adiantar trabalho para não serem vítimas de um lindo serviço de resgate. Existe uma inevitabilidade em relação à situação francesa. Também vai pelo cano. Será apenas uma questão de quando e não de se. No entanto, se quisermos dar a volta ao texto, de um modo literal e prático, então a ideia de governo económico faz todo o sentido. Faz-me lembrar as sopas económicas da Knorr. Aqueles pacotes que satisfazem sem exagerar, que tiram a barriga de misérias sem enfardar. Se é um governo económico que ele quer, eu dou-lhe o governo económico. Toca a reduzir a quantidade de instituições e entidades europeias, a prescindir de serviços que operam no domínio da redundância. Se é de austeridade que ele fala, então que virem o feiticeiro contra a bruxa, contra Bruxelas. Vamos lá auditar os milhares e milhares de serviços burocráticos - a magnífica invenção das comunidades e uniões. Vamos atirar directamente da janela da Comissão Europeia para as bancadas do Parlamento Europeu, as fotocopiadoras, os Xeroxs e os zeros á esquerda e à direita. Quando o Hollande fala do plano europeu para a inserção de jovens no mercado de trabalho, será que ele significa que vão todos estagiar para esse tal governo económico? Será que os arquitectos e capatazes do projecto europeu ainda não entenderam que a solução do problema não passa por ampliar a casa, transformar um anexo em marquise? Mesmo que se defenda a integração, a mesma passou a significar algo diverso, um conceito paradoxal, de desmontagem, de sentido inverso, quase etimológico. A Europa assemelha-se mais a uma obra para desmanchar utopias. Um estaleiro de sonhos parecido com uma sucata. Ah...e há mais. O tal presidente do governo económico tem de ser a tempo inteiro. Não pode ser em part-time.
França vai passar a ser conhecida por Liberté, Egalité, Fraternité e Interneté. Foi necessário um Socialista aparecer em cena para começar a aplicar receitas normalmente associadas a outros regimes políticos. Agora ponderam aplicar uma taxa aos fabricantes de aparelhos que permitem a ligação à internet. Diga o que disser o Hollande, há aqui outras considerações que transcendem a mera ordem económica, a necessidade de angariar receitas em plena paisagem austeritária. Observemos com atenção este modo de censura que condicionará, com maior ou menor intensidade, a livre circulação de ideias. Trata-se de uma amostra do que é possível fazer. É o que eu digo, as ideologias assemelham-se a uma omolete, são mexidas e viradas ao contrário e servidas a frio. Sem darmos conta, pagaremos para satisfazer os fetiches de governantes que já perderam o controlo da situação económica, do descalabro, e que agora temem, mais do que nunca, a força das ideias. Aquelas que incendeiam bairros porque as juntas e levantamentos anteriores fracassaram. A França está ao virar da esquina de um descalabro económico e financeiro, com a séria agravante de ser um país que vive com uma profunda fractura, que opõe um país civilizado e católico ao banlieue muçulmano. Os tablets de barro que já eram utilizados pelos Sumérios, foram importantíssimos para as trocas comerciais, para o desenvolvimento da economia, mas mais substantivamente, para a livre circulação de ideias - para atirar barro à parede, para protestar, para plantar as primeiras sementes de discórdia. E essas amostras de dissensão viajáram até aos nossos dias enquanto elementos de definição da própria Democracia, tal e qual como a conhecíamos, e que teimamos em preservar. Ao censurar esse campo aberto que é o cíberespaço, Hollande demonstra a sua natureza autoritária, a sua inclinação para a arrogância. O pretexto de defesa da cultura francesa parece conversa de um chulo, que agora exige comissões ainda mais altas às prostitutas que escapam ao seu controlo, ao controlo de qualquer político. Eles andam nervosos. Por outras palavras, esta medida funciona como um aviso, uma ameaça velada feita a partir de uma bairro, por um cabecilha de um dos muitos gangs de políticos que povoam a Europa. Se nos provocarem o suficiente, puxaremos a tomada, não tenham dúvidas, e vós, súbditos do desastre, ficaréis às escuras como colaboradores de um Vichy de rede, enquanto a banda larga entoa os derradeiros acordes de uma revolução. A francesa, quem sabe.
O descalabro europeu, visionado em directo por todos os povos europeus forçosa e coercivamente congregados nesta (des)união, está atingir o clímax do ridículo espampanante. Em França, país conhecido pelo seu apego por engenharias sociais construtivistas pouco consentâneas com a realidade, vive-se um ambiente de caça às bruxas em torno dos "ricos". Depardieu é ostracizado pela sua coragem em dizer não ao confisco predatório das elites francesas. O affaire Depardieu tem uma certa semelhança com o affaire Dreyfus: a acusação fácil e complacente a um indivíduo subitamente erigido como a representação mais sublime dos males existenciais da velha pátria francesa. Foi assim no final do século XIX, num ambiente de profunda crise política da corrupta III República francesa, é, também, assim nesta V República francesa dominada agora pelo socialismo recalcitrante. A fúria fiscal hollandista, retintamente merceeira como no famoso quadro de Brueghel o Jovem, é o prenúncio do fim. As trevas do caos económico adensam-se furiosamente, inclementes às vozes da razão.
Pieter Brueguel o Jovem, O Cobrador de Impostos
Se andarmos um pouco mais para sul deparar-nos-emos com um cenário igualmente grotesco. Mario Monti anunciou a sua demissão recolocando a política italiana no seu trilho habitual: intriga, espectáculo e insídia, servidos em doses homeopáticas. O regresso do berlusconismo à cena política é uma espécie de confirmação fársica do mito do eterno retorno nietzscheano. Os italianos não se cansam do espectáculo, mais, parece que vivem do e para o espectáculo. O espírito "meridionalista" parece ter infectado sem dó nem piedade todo o estamento político, não poupando, também, alguns analistas económicos abonados por uma lucidez que, pelos vistos, encontra-se agora em debandada. Há dias o sempre pertinente Ambrose Evans-Pritchard dizia que a saída de Monti será a única forma de salvar a Itália do precipício económico, porém, o inteligente jornalista olvidou o facto nada despiciendo de a saída do actual primeiro-ministro italiano poder instigar um crescendo na instabilidade política. Itália dispõe indiscutivelmente de alguns dados macroeconómicos positivos - facto pouco mencionado na imprensa de referência -, que, num hipotético cenário de saída do euro, seriam, sem dúvida, de um préstimo assinalável na recuperação futura do país, sem embargo duvido da benignidade de um abandono unilateral agitado pelo populismo mais corrupto e demagogo. É terrível verificar quão distante está a Itália contemporânea da tão ansiada utopia patriótica de Giacomo Leopardi, brilhantemente vertida no famoso poema "All' Italia". Talvez o bardo italiano tivesse razão quando escreveu que "Ma la gloria non vedo, Non vedo il lauro e il ferro ond'eran carchi, I nostri padri antichi." O que falta à política italiana é um gesto de glória, um veio de patriotismo que proteja e indique um desígnio: o desígnio do bem comum.
Os dois exemplos acima citados são um sinal bem evidente da fraqueza de liderança que perpassa o edifício europeu. Draghi, na sua tão costumeira língua de pau, veio agora, ao referir-se à periferia sulista, falar em progresso doloroso. A novilíngua bancocrática é particularmente repugnante. Esconde o óbvio e omite a crueza da realidade, tudo isto em nome do sacrossanto princípio da inviolabilidade das prerrogativas de uma finança desnacionalizada. Se, num assomo de realidade, Draghi dissesse que o que verdadeiramente tem ocorrido nos países da periferia é um retrocesso doloroso talvez o assalto fosse menos descarado. França e Itália não pertencem inteiramente à periferia habitada por Espanha, Portugal e Grécia, mas, a deriva política de ambos é um sinal da débâcle que aguarda a União desunida a curtíssimo prazo. O sovietismo de antanho voltou, sob novas vestes, para dividir e reinar. Perante isto, o melhor e mais avisado é suspirar com Liszt, tentando esquecer o imperium dos tolos menores que lideram, hoje, dois países que, queira-se ou não, não merecem isto.
Assistir à cerimónia de entrega do Prémio Nobel da Paz foi um exercício assaz penoso. Nem os discursos de Fidel Castro, nos seus delírios tresloucados, conseguiriam ser tão entediantes. Apetece fugir e gritar desalmadamente ao vislumbrar as nulidades políticas que dão corpo e voz à eurocracia sugadora. Sem embargo, um dia volvido, e como na Europa a impostura cómica é um modus vivendi, Hollande presenteou-nos com a maravilhosa sentença de que a crise ficou para trás. Caros amigos, não se preocupem mais com o vosso emprego, abandonem de vez as vossas inseguranças, pois, o messias francês, qual mago investido de poderes prestidigitadores, garantiu, com estas singelas palavras, que as vossas incertezas existenciais desaparecerão em breve. A crise, segundo a eminência hollandista, findou de vez. No fundo, Verdi é que a sabia toda quando disse (Falstaff) que "tutto nel mondo e burla". E não é que o génio italiano tinha razão.
Conhecendo-se os nomes dos ansiosos pela árvore das patacas, a imagem que aqui deixamos mostra a bem conhecida realidade. Gostemos ou não gostemos do papel da Alemanha na Europa, este cartoon torna qualquer explicação dispensável. Claro que quem pagará a conta do repasto é a senhora que vemos à esquerda.