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Algo a que assisti com curiosidade ao longo do último ano e meio foi a forma como muitos indivíduos, alguns dos quais até tinha em estima e na conta de seres vertebrados, comprovaram o que Schumpeter descreveu de forma magistral em Capitalismo, Socialismo e Democracia«O cidadão típico, por conseguinte, desce para um nível inferior de rendimento mental logo que entra no campo político. Argumenta e analisa de uma maneira que ele mesmo imediatamente reconheceria como infantil na sua esfera de interesses reais. Torna-se primitivo novamente. O seu pensamento assume o carácter puramente associativo e afectivo.»


Infelizmente, a política em Portugal acaba por se concentrar mais em pessoas do que valores ou ideias. À volta dos líderes políticos há, no fundo, claques de futebol. Sabendo-se que o mais das vezes temos os mesmos agentes políticos que criticam determinadas políticas enquanto na oposição, a implementar políticas iguais ou idênticas quando no governo, não deixa de ser espantoso que as claques consigam acompanhar este movimento, muitas das vezes quase sem hesitação. Claro está que muitos o fazem porque têm interesse directo em tal - querem manter o emprego no governo, no parlamento, na câmara municipal etc. Quanto a estes, o facto de venderem desbragadamente os seus próprios princípios já diz quanto baste sobre a sua verticalidade. Já os outros, que não dependem directamente do governo, apenas o apoiando por mera identificação ou simpatia com as cores partidárias, constituem para mim um enigma. O que é que terão a ganhar em defender pessoas acima de ideias, pessoas que frequentemente levam à prática ideias que consideram erradas? Mero reconforto afectivo, porventura, de acordo com Schumpeter. Afinal, o espírito de manada é algo que há muito se apoderou das sociedades democráticas. Defender pessoas quando estas mudam de opinião em relação ao que antes professavam parece ser algo a que, dado o carácter associativo e afectivo do indivíduo típico no campo político, estamos fadados a assistir. Porém, em certos casos, e porque o homem vai fazendo a história sem saber que história faz, as mudanças de opinião até podem ter implicações positivas e saudáveis.  

 

Mas há algo que é mais preocupante no concernente a este espírito de manada. Se no campo da opinião impera em larga medida o relativismo, o mesmo não se pode dizer nos campos da honestidade, da correcção moral, da conformidade a certas normas sociais e legais. Dando um exemplo prático e muito actual, que alguém que criticava violentamente José Sócrates pelas suas abjectas trapaças consiga defender Miguel Relvas, cujo rasto de trapaças já se tornou nauseabundo, é apenas revelador já não só de falta de verticalidade, mas de uma gritante pulhice. Mais, que muitos dos que enveredam por semelhantes atitudes critiquem e ataquem os que o não fazem, especialmente quando estes até podem encontrar-se politicamente na mesma área ou partido, revela já não só a falta de verticalidade e a pulhice de que sofrem, mas aquilo que verdadeiramente são: vermes.

 

Aqui chegados, parece fazer sentido actualizar a tocquevilliana preocupação com a tirania da maioria. O que me parece ser bem mais preocupante é a vermocracia, a tirania dos vermes.

 

Há quem pareça incomodar-se com o facto de alguns indivíduos, como é o meu caso, poderem em dado momento defender uma posição à qual se aproximam ora a esquerda, ora a direita partidárias, consoante estas estejam no governo ou na oposição. O problema é que não são aqueles indivíduos que mudam de posição. Não sou eu que ando de um lado para o outro. Eu estou sempre no extremo centro, que apenas obedece à independência da minha consciência. Há muito que aprendi que a essência do homem livre é ser do contra, preferindo resistir à massa - já Jung assinalou que «A resistência à massa organizada só pode ser efectuada pelo homem que tem a sua individualidade tão bem organizada quanto a própria massa» - e não me preocupando com as apreciações dos que pensem diferentemente de mim, rejeitando o consequencialismo para que possa, como aprendi com um dos meus mestres, viver como penso em vez de pensar como vivo, às vezes de bem com uns e mal com outros, outras vezes de mal com uns e bem com outros, quando uns nunca estão bem com outros. Há quem lhe chame radicalismo. Eu chamo-lhe apenas independência de espírito e força de carácter. 


Felizmente, há bastantes indivíduos que alinham pelo mesmo diapasão, embora em muito menor número que os vermes. Mas há que resistir e continuar a travar os combates que possam permitir que um dia o Portugal político seja um local mais recomendável, com um ar mais respirável. É que, seguindo os ensinamentos de La Boétie, que inspiram o cabeçalho do blog do Professor José Adelino Maltez, «n'ayez pas peurNa servitude volontaire o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá.»

publicado às 21:05

O homúnculo democrático

por João Pinto Bastos, em 13.12.12

O homem-massa está a entrar em ebulição. O fim do modo de vida dissipador empoleirado no pastiche pequeno-burguês terminará em breve, disseminando os seus escombros por todo o lado. O universalismo democrático, que produziu este homem atomizado, e que fez, também, as delícias de tanta intelligentsia ignara, sucumbirá sob o peso da dívida interminável. E a liberdade? Eis a questão do milhão de dólares. O Miguel Castelo Branco descreveu bem a coisa, alertando para um problema que, bem vistas as coisas, é o nó górdio da questão: os homúnculos que compõem os modernos regimes democráticos são "gente igual, violenta e incontrolável, presa dos instintos, falando com os punhos." Acreditam que, nestas condições, a liberdade será defendida? Não me parece. Mais, acredito que o que vem aí será, em grande medida, um futuro liberticida. Com a suprema unção dos estatistas do costume.

publicado às 21:43

"Resistance to the organized mass can be effected only by the man who is as well organized in his individuality as the mass itself." (Carl Jung, The Undiscovered Self)

publicado às 13:38






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