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O referendo irlandês parece ter aberto a questão da viabilidade da ratificação do Tratado de Lisboa. Se o argumento de Kaczinsky se torna numa mera desculpa circunstancial e de nítido aproveitamento da inesperada oportunidade, as notícias que chegam de Praga colocam o problema noutro patamar.
O eurocéptico Vaclav Klaus declara não se identificar com esta União gizada "à francesa" e na aparência, as suas palavras limitam-se ao reconhecimento do fracassado exercício de unânime aceitação do plano estabelecido pelos chamados Grandes (Alemanha, França, Itãlia, Espanha e o reticente R.U.).
Tal como disséramos no anterior post referente à Polónia, os checos situam-se numa área geográfica onde o equilíbrio do poder se desintegrou após a dissolução da URSS e do Pacto de Varsóvia. A própria partilha da antiga criação versalhesa - a Checoslováquia - em duas identidades estatais independentes, consistiu na consagração do reconhecimento do fim da carta europeia estabelecida pelos vencedores de 1918. De facto, do cordão sanitário imposto pela França à rival Alemanha - Polónia, Checoslováquia, Jugoslávia e grande Roménia -, pouco ou nada resta. Estado com um peso demográfico e económico de algum relevo, a Checoslováquia foi a principal beneficiária do desmembramento do império austro-húngaro, concentrando no seu território, a parte vital da indústria imperial e uma situação estratégica de absoluta e excepcional importância para os franceses. Os Acordos de Munique (1938) indiciaram claramente a fragilidade da realidade multi-étnica, pois a poderosa minoria alemã - habitante do vasto arco dos Sudetas - jamais fora consultada quanto ao seu destino, forçada a permanecer ligada ao corpo estranho de um Estado no qual não se reconheceu. Um caso paralelo ocorreu na zona oriental, pois a Eslováquia abrigava uma importante minoria húngara e o distrito polaco de Teschen, compondo-se finalmente o mosaico, com a inclusão de uma parte de maioria ucraniana, a Ruténia Subcarpática. Munique colocou a Boémia-Morávia nas mãos do Reich e de imediato, a Eslováquia torna-se num Estado independente, cedendo à Hungria os distritos reivindicados por Budapeste. Num breve hiato de alguns meses, a França via esfumar-se o seu mais importante e poderoso aliado na Europa Central, enquanto a Alemanha adquiria recursos materiais e uma posição de grande conforto estratégico-militar que lhe permitiu a satelitização da Roménia e da Bulgária.
O resultado da II Guerra Mundial restaurou uma Checoslováquia amputada da Ruténia - cedida à URSS - e procedeu-se à coerciva expulsão dos três milhões de alemães, tal como ocorrera nas províncias orientais prussianas, que reverteram para a administração polaca.
A Checoslováquia consistiu num importante posto avançado do Exército Vermelho e a revolta e consequente repressão em 1968, demonstraram a firmeza soviética em conservar a ameaça sobre o dispositivo central da NATO na Alemanha Federal, sendo o exército checo dotado de substanciais meios e atribuições num hipotético cenário de conflito.
A liquidação do Pacto de Varsóvia e o desmoronamento do império vermelho, ditou o recrudescer das ambições do separatismo eslovaco, que conseguiria reeditar em fronteiras sensivelmente idênticas, a república eslovaca de monsenhor Tiso, aliada de Berlim em 1939-44.
A verdadeira questão que hoje se coloca aos checos, consiste nas hipóteses que terá a sobrevivência de uma política independente e consentânea com o seu estatuto de Estado recente e de reduzida dimensão. Quando Bismarck declarava Praga como a chave do controle de toda a Europa central e oriental, formulava este princípio, baseado na existência da grande massa territorial - e aliada - do império austríaco, um contraponto à Rússia e ao próprio II Reich. A situação é hoje muito diferente e os checos só podem esperar compreensão para os seus desígnios mais básicos de existência, olhando para lá do cabo da Roca e do espaço atlântico, onde os EUA não deixarão decerto, escapar a oportunidade de colocar vitais peças no complexo xadrês que disputa o controle da passagem e acesso às matérias primas que a Ásia Central prodigaliza. Desta forma, a até hoje platónica União Europeia encontrou no seu próprio seio, os previsíveis focos de resistência à instauração da política de conhecido teor e ambição continental que ditou a eclosão de numerosos conflitos pela hegemonia.
Nada de novo, na frente oriental.