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Sir Neville Henderson

por Nuno Castelo-Branco, em 28.08.14

 

O caos que parece instalado na Europa oriental, consiste numa boa oportunidade para um revisitar de eventos ocorridos há mais de sete décadas e nos quais alguns procuram encontrar algumas semelhanças, agitando a necessária propaganda mediática de horário FOX/CNN. É possível traçar uma linha paralela entre os procedimentos e factos  que se acumulam com o passar das últimas semanas, mas aquela sugestão de um ponto de encontro numa diagonal política, é totalmente abusivo, porque absurdo. Na aparência semelhantes, as situações conformam adversários muito afastados daqueles actores que nos finais dos anos trinta conduziram a Europa a uma guerra. A própria posição da Rússia é hoje bem diversa daquela ocupada pela URSS de Estaline e quanto ao poderoso capítulo da informação à disposição do escrutínio das opiniões públicas, a realidade é incomparável. Quanto à hegemonia ocidental, essa terminou em 1945.

 

 

von Neurath

 

Sir Neville Henderson foi durante dois anos, o embaixador do Reino Unido em Berlim. Como seria conveniente a uma grande potência, a sua nomeação não decorreu apenas da necessidade do natural preenchimento do lugar que a sua longa carreira de diplomata impunha, mas também por ser um conhecedor não apenas da língua alemã, mas também de influentes sectores da sociedade do Reich. Ao longo da sua interessante obra "Dois anos com Hitler" *, dá-nos a conhecer as profundas dicotomias existentes entre os perenes funcionários da administração alemã que já provinham dos tempos do Império caído em 1918 e aqueles outros que alçados ao poder em Janeiro de 1933, vieram desorganizar o que há muito se considerava como regras elementares e geralmente aceites da conduta entre Estados. Deverão alguns apontar as notas de um certo snobismo de classe que o diplomata vai desfiando a propósito de figuras como Goering, von Papen, o marechal Hindenburg, os amigos von Neurath e Weizsäcker e o outro lado, o dos adventícios do regime - o bem informado Goebbels, Himmler e o incompetente Ribbentrop à cabeça dos demais - que compunham o círculo de próximos do Führer. Henderson não poupa nos epítetos, mas um dos aspectos mais surpreendentes deste seu testemunho, consistirá na evidência do texto não parecer ter sido reformulado após os acontecimentos do verão de 1939. Considerado como um appeaser, Henderson correspondia ao pulsar da imensa maioria da opinião pública ocidental, fosse ela britânica, americana, francesa, belga, italiana ou dos países nórdicos. Era comummente aceite a grave distorsão de uma paz concebida através da imposição daquilo a que oportunamente foi designado como Diktat, paz essa tão diferente de uma outra celebrada um século antes e conseguida após a derrota e queda de Bonaparte. Sir Neville concede crédito às evidentes contradições estabelecidas pelos vários textos condicionantes estabelecidos na zona da Grande Paris, genérica e erradamente designados por Tratado Versalhes: Versalhes, St. Germain, Trianon, Neully e Sévres. Nos anos vinte, as perturbações verificadas na Checoslováquia, Hungria, Polónia, Roménia e Jugoslávia - não esquecendo o desrespeito relativo à vontade austríaca, a Deutschösterreich, quanto ao seu ingresso na Alemanha -, conduziram a Europa à premente necessidade da manutenção, mesmo que provisória, de um status quo territorial que por sinal correspondia perfeitamente ao termo Armistício. A verdade é que sem qualquer negociação, a Versalhes não podia  ser atribuída a categoria de uma Paz outrora aposta aos acordos da Vestefália, Pirinéus, Amiens ou Viena. Desta forma era tacitamente aceite uma situação cujo carácter provisório apenas adiava as alterações que num período pretendidamente longínquo, inevitavelmente chegariam. 

 

 

Ribbentrop, Estaline e Molotov, 23 de Agosto de 1939

 

Quais foram então os aspectos que mais chocaram um diplomata da velha escola - afinal, a única concebível - quando chegado à Alemanha, iniciou os seus serviços no sentido da defesa dos interesses britânicos, obviamente coincidentes com os da maioria dos países vizinhos do Reich? Em primeiro lugar, o modus operandi do novo titular dos Negócios Estrangeiros que por infelicidade substituiu Neurath. Hitler lobrigava em Ribbentrop um "novo Bismarck", quando a quase todos saltava à vista a evidência de o novo ministro representar  o posto do homem de Estado que foi o Chanceler de Ferro. No dito jocoso de H. Goering, ..."Ribbentrop conhece a França através do cognac e a Grã-Bretanha pelo whisky". Sendo a Alemanha uma grande potência - e ainda hoje  aufere desse estatuto - a sua diplomacia e a correspondente acção do seu governo não podia escapar ao crivo dos procedimentos normais que garantiam a fiabilidade junto dos interlocutores, por muito desconfiados que estes estivessem desde a ascensão de Hitler à Chancelaria. A partir de 1937, Berlim enveredaria por um tipo de política impulsiva e de clara chantagem militar prontamente seguida pelos vizinhos soviéticos e em boa parte ditada por considerações ideológicas às quais o oportunismo imprimia uma tal marca que tornava impossível qualquer negociação atempada e a necessária base de confiança para a mesma. A Áustria e os Sudetas quiseram fazer parte da Alemanha do pós-Grande Guerra? Sim, não era uma suposição, tratou-se de uma vontade impedida pelos interesses regionais da França e dos belicosos novos Estados saídos de partes do império austro-húngaro, nomeadamente a Checoslováquia, a Polónia, a Roménia e a Jugoslávia. O Princípio das Nacionalidades que servira como catalisador do discurso anti-Impérios Centrais, foi assim desacreditado pelos paladinos do mesmo, oferecendo no decorrer dos dificílimos anos vinte e trinta, poderosos argumentos aos revisionistas de fronteiras, fossem eles alemães, húngaros, soviéticos, italianos ou até, os largamente beneficiados polacos. 

 

A execração do appeasement tem então início já no seu período final, precisamente aquele coincidente com o processo de anexação da Áustria e na vincada opinião de Henderson, após a Noite de Cristal. Não foi aquela absorção o móbil para o levantar de oposições nos parlamentos e imprensa dos países ocidentais - Churchill começou a ser mais escutado e seguido -, mas sim a fórmula sob a qual foi o Anschluss (1938) conseguido. Pesando as possibilidades e perante a ameaça que Schushnigg representava quanto a uma restauração dos Habsburgos - algo que poderia irreversivelmente alterar a correlação de forças em presença, dada a situação da Hungria e os problemas nacionais na Checoslováquia -, os acontecimentos foram deliberadamente precipitados. Verificada a situação desastrosa em que se encontrava económica e socialmente a Áustria, é bastante provável que a celebração de um imediato plebiscito tivesse consagrado a vitória dos integracionistas, mas a agenda de afirmação do nacional-socialismo, impeliu o governo alemão à política do tudo ou nada que fatalmente conduziria à guerra. O Ja ou o Nein a manifestar no boletim plebiscitário, foram opções após o facto consumado. Hitler pretendia tornar bem nítido o império da sua vontade, fazendo passar a mensagem de tudo lhe ser permitido, porque razoável e de direito, enroupando a política externa numa confusa Babel de racialismo e de Lebensraum. Aplicava-se então um sucedâneo da política leninista da salamização, exigindo-se sempre mais e mais, estando a informação interna cuidadosamente organizada para a identificação do inimigo de um dado momento. Mesmo os sacrossantos fundamentos nacional-socialistas de união do todo nacional alemão, ficaram destruídos com a incorporação dos checos da Boémia-Morávia, quebrando qualquer hipótese de reedição da até então imparável política de apaziguamento. 

 

 Emil Hacha e Hitler, Berlim, 14 de Março de 1939

 

Os encontros entre Hitler e Schuschigg e mais tarde, com Emil Hacha, ultrapassaram os limites do mais ténue decoro. As conferências celebradas entre o Führer e os representantes da França (Daladier) e da Grã-Bretanha (Chamberlain), também foram exemplos do advento da grosseira guerrilha psicológica à mesa das negociações diplomáticas, sendo estilhaçadas todas as normas de conduta até então vigentes. A má fé onde o capricho e o rasgar de documentos recentes parecia ser a regra, desvaneceram todas as ilusões quanto a um acordo geral que conformasse as partes e salvasse a periclitante paz do Armistício.

 

Sir Neville Henderson falhou a sua missão em Berlim. Falhou porque ao contrário dos diplomatas que vinham dos tempos do Kaiser e de Weimar, teve como interlocutor um arauto do programa do Partido que nos postulados do Mein Kampf conhecia o único rumo possível. Sabe-se que naquele momento, a rainha Isabel, mãe da actual monarca, aconselhava os políticos britânicos a lerem o livro escrito por Hitler, pois não fazê-lo consistia num tremendo erro, ignorando-se assim um detalhado programa político que estava a ser paulatinamente cumprido. Este é um daqueles aspectos  tardiamente apercebidos por Sir Neville e que no teoricamente arqui-inimigo de Hitler, o mundo soviético, encontrava perfeito correspondente quanto à submissão a imaginadas infalibilidades que à época se traduziam na acção do Komintern. Logo isto se confirmaria no pacto de 23 de Agosto de 1939, no ataque russo à Polónia (Setembro de 1939), na guerra de espoliação feita à Finlândia (1939), na invasão e anexação da Estónia, Letónia e Lituânia (1940) e no Ultimatum enviado a Bucareste, conduzindo ao forçado abandono romeno da Moldávia e da Bucovina (1940).

 

Miguel I, rei da Roménia

 

Este tipo de política alicerçada  em factos consumados, mais tarde virar-se-ia contra os próprios interessados nas mesmas e se quisermos um bom exemplo, o golpe executado pelo rei Miguel I em 23 de Agosto de 1944 - exactamente cinco anos após a assinatura do Pacto Germano-Soviético - , subtrairia ao Eixo aquele que tinha na Roménia, o seu aliado militar mais forte. O problema da continuidade de procedimentos estranhos à tradicional compostura nas relações entre Estados, verificar-se-ia como uma constante nos anos subsequentes à guerra e uma vez mais na Roménia se repetiram episódios muito próximos das ameaças e coacção moral outrora impostas ao presidente Hacha. Ainda hoje, decorridas sete décadas, Miguel I de Hohenzollern continua a mostrar aos seus convidados - Putin entre eles -, a marca deixada na secretária do palácio Elisabeta pela coronha da pistola de Groza, actuando a mando de Vichinsky. Enviado por Estaline e Molotov a Bucareste, aquele que ficara famoso durante a purga de 1936-38, conseguira assim a imediata abdicação do monarca. 

 

Chamberlain, Henderson e Hitler em Munique, 30 de Setembro de 1938

 

 O que é então possível encontrarmos nesta obra, como referências a acontecimentos que nos são temporalmente próximos? Antes das situações a comparar - ao contrário daquilo que a sra. Clinton quer fazer crer, o caso dos Sudetas não pode ser equiparável à Crimeia, a Donetsk e a Lugansk - , talvez seja prudente avaliarmos os métodos utilizados pela generalidade das chancelarias envolvidas no caso ucraniano, sejam as ocidentais, seja a de Moscovo. Todo o processo tem radicado em erros que se vão acumulando de forma aparentemente irreparável, desde aqueles cometidos aquando da implosão da União Soviética - o aceitar das artificiais fronteiras das ex-pretensas repúblicas componentes da URSS -, até à cegueira manifestada perante os interesses em campo. A nenhum ocidental deveria passar despercebida a necessidade de manutenção da sensação de segurança de um país que não deixou de ser um império, ou seja, a Rússia. Tal não foi feito, desaproveitando-se a colossal oportunidade apresentada no início da década de noventa. Liquidado o comunismo, logo surgiu uma miríade de bases militares no próprio espaço que compusera a URSS e ainda, ao contrário das expectativas dos mais pró-ocidentais agentes políticos e militares russos, alargámos a NATO aos Países Bálticos e a todos aqueles que outrora tinham pertencido ao Pacto de Varsóvia. Dada a necessidade de garantir a independência daqueles Estados existentes em 1939, poderíamos ter ficado por aqui, mas não foi esta a opção que se impunha. Tal como uma U.E. em indefinido alargamento, o mesmo ocorre com a NATO. Ainda há pouco meses, o almirante Stavridis declarava a necessidade de Sebastopol passar a pertencer ao  rosário  de bases navais ao serviço da US Navy, quando a situação da Rússia já é bem diversa daquele caos que diante de todos se apresentava há quinze, vinte anos. A desnuclearização da Ucrânia - e a sua independência - também tiveram um preço tacitamente aceite por ambos os campos, numa daquelas clássicas manobras da diplomacia da confiança que nos últimos anos foi escaqueirada em múltiplos cenários vizinhos, desde o Iraque até aos Balcãs e ao norte de África. 

 

 S. Lavrov e J. Kerry

 

Perdido parece estar o tempo em que os titulares dos negócios Estrangeiros eram internacionalmente conhecidos. Durante muitos anos era normal os ministros continuarem no cargo, servindo chefes de governo oriundos de partidos diferentes. Era este o caso Hans Dietrich Genscher que passou por vários governos do SPD e acabou servindo o democrata-cristão da reunificação alemã, o chanceler Helmut Kohl. Tudo mudou e nem sempre para melhor. Fica então, a estranha sensação de o Ocidente não saber com quem está, ou pretende fazer política na Rússia. S. Lavrov não é propriamente uma réplica dos descartáveis Kerry, Ashton ou Fabius. Mesmo que o regime russo correspondesse aos que naturalmente vigoram para aquém do Vístula, jamais a Rússia poderia deixar de ser encarada como uma entidade que  junto do seu povo, nunca perdeu a condição de superpotência. Foi, ainda é e será um império. Aqui está um dos erros, entre uma infinidade de outros, dos nossos inconscientes aprendizes de Ribbentrop -  no seguimento das mirabolantes descobertas químicas  de G. W. Bush, conhecerá o sr. Kerry este nome?  -, sabendo-se que como interlocutores têm, na melhor das hipóteses um S. Lavrov e o bastante condicionado V. Putin. Com quem pretende o Ocidente dialogar? A política do querer mais e mais, do tudo ou nada, encontra a resposta correspondente numa direcção política sob o fogo de múltiplos interesses, desde os saudosistas representados pelo fanado Partido Comunista e respectiva gerontocracia militar, até aos febris nacionalistas entre os quais V. Jirinovsky não passará de um, entre muitos. Há ainda que contar com a condicionante representada pela formação de mentalidades ao longo de décadas cultivadas pelo desaparecido hiper-nacionalista regime soviético da Grande Rússia, sob o disfarce de um edílico e jamais confirmado internacionalismo. Infelizmente, é agora óbvia a falta de interesse que para o Ocidente representaria uma Ucrânia neutral, mesmo que internamente organizada segundo o contentamento das minorias russas que também a compõem. 

 

Não existe qualquer benefício a retirar de uma política de appeasement, seja ela em benefício do bloco NATO, ou da Rússia. Há que iniciar um processo muito diferente dos procedimentos habituais, pois a segurança da Europa - e dos EUA - está em risco. Chegámos a um ponto de difícil retorno, pois nem sequer a evidência da necessidade de uma apertada cooperação da NATO com a Rússia nos cenários de conflito próximo, será suficiente para limitar os desastrosos efeitos que parecem sem remédio. É por isso mesmo aconselhável, a leitura do testemunho de Sir Neville Henderson. 

 

* Deux ans avec Hitler, Sir Neville Henderson, 1940, Flammarion, Paris

publicado às 22:00

Há setenta anos, em Moscovo. Ontem, na Ucrânia oriental

por Nuno Castelo-Branco, em 25.08.14

 

"Os garotos apupavam, assobiavam e, mesmo, lançavam objectos à passagem dos alemães; mas os adultos intervinham imediatamente. Os homens mantinham um silêncio feroz. No entanto, numerosas mulheres, sobretudo as mais velhas, manifestavam compaixão (algumas exibiam, mesmo, lágrimas nos olhos) perante aqueles Fritz tão mal vestidos. Recordo-me de ter ouvido uma velha murmurar: "são como os nossos pobres rapazes... roje pugnali na vainou (também eles foram mandados para a guerra)"

Alexander Werth, correspondente do Sunday Times em Moscovo, in "A Rússia na Guerra. De Estalinegrado a Berlim", Paris, Stock, 1965, p. 203

 

***

 

Há setenta anos e após a catástrofe alemã da Rússia Branca, Estaline fez desfilar 57.600 prisioneiros da Wehrmacht, encaminhando-os depois para o degredo e matadouro siberiano de onde apenas um escassíssimo punhado regressaria dez anos após o fim da II Guerra Mundial. Foi um triunfo à romana com aqueles que seriam prontamente escravizados e abatidos. Desonrando a sua vitória, o ditador soviético organizou um espectáculo que Hitler jamais ousara encenar em Berlim, mesmo quando nos anos anteriores os alemães tinham capturado milhões de soldados polacos, franceses, belgas, holandeses, jugoslavos e gregos (1939, 1940,1941) e apenas numa batalha de cerco, mais de 600.000 prisioneiros capturados ao Exército Vermelho (batalha de Viazma-Briansk).

 

Quando há duas décadas a Ucrânia se separou da Rússia, os seus dirigentes preferiram arriscar-se à repetição dos mesmos erros cometidos em 1919. Como se o exemplo da Checoslováquia - ao qual se acrescentava o da Polónia e da Jugoslávia - não tivesse bastado (aglutinando checos, alemães, eslovacos, húngaros, polacos e ucranianos), Kiev aceitou fronteiras muito dilatadas, herdando-as das convenções dos tempos tempos soviéticos onde o mero pro forma ditava a lei. O resultado está à vista.

 

Ontem os russos patrocinaram uma exibição deplorável, fazendo desfilar diante do bronzeo mamarracho de Lenine - miraculosamente ainda de pé na praça do mesmo nome -, prisioneiros do exército ucraniano. Ao contrário dos mais comedidos espectadores da parada ocorrida na Moscovo do verão de 1944 - onde, como o video demonstra, também eram visíveis alguns dos habituais sorrisos imbecis de oficiais norte-americanos -, os cativos foram vergonhosamente insultados e agredidos por gente dos sete aos setenta e sete anos de idade. Ao contrário dos alemães em 1944, os ucranianos caminharam amarrados! O espectáculo foi cuidadosamente copiado do precedente, nem sequer faltando os camiões lava-estradas. Escandaloso. 

 

As imagens transmitidas pelos noticiários não oferecem a menor dúvida. Pior ainda, as autoridades russas atreveram-se mesmo a declarar que não se tratou de qualquer humilhação. Por muita compreensão que se manifeste quanto aos legítimos interesses de segurança da Rússia - uma incontornável cooperante do ocidente -, há que colocar uma questão: dado o que ontem se viu, até onde poderá Moscovo chegar? Irá, tal como Estaline fez, utilizar vagões de mercadorias para deslocar os prisioneiros para o destino do costume?

publicado às 15:30

O Dia D

por Nuno Castelo-Branco, em 06.06.14

Parecendo uma repescagem das diatribes, omissões e falsidades durante décadas urdidas nos volumes da História da Grande Guerra Patriótica, têm ultimamente surgido alguns interessados pela temática II Guerra Mundial apresentando uns tantos "ses" sem qualquer sustentação, quando confrontados com a miríade de problemas ditados pela realidade tal como se apresentava em Junho de 1944.

 

Estando os historiadores perante a evidência de um conflito que cabe no conceito de guerra total, alguns pretendem  considerá-la de forma sectorial, limitada e sem atender à sempiterna companheira dos eventos bélicos, isto é, a política interna e externa dos beligerantes, os interesses geoestratégicos dos principais contendores, fossem aqueles económicos, militares ou de exercício da soberania.

 

Dizem então que o desembarque anglo-americano na Normandia terá sido uma invasão desnecessária. Argumentam com a evolução das operações no teatro de guerra da frente oriental que estava a cargo dos aliados russos. Esta é uma consideração errada em todos os pressupostos, sejam eles militares ou políticos.

 

Em Junho de 1944, a Alemanha ainda era uma potência bélica de primeira categoria, apresentando ao mundo umas forças armadas muito numerosas,  perfeitamente capazes sob o ponto de vista anímico e dotadas de equipamento tecnologicamente avançado. A indústria conduzida por Speer, atingiu picos de produção que não devem ser negligenciados, apesar dos redobrados esforços das campanhas aéreas desferidas pelas potências anglo-saxónicas. Não mencionado em detalhe a imensa superioridade técnica da sua arma blindada - mesmo atendendo aos modelos mais pesados do adversário soviético -, esta qualidade era extensível às armas que ditariam as regras nos conflitos vindouros. Mísseis de todos os tipos que iam surgindo nos teatros de operações, aviões a jacto, armas automáticas, uma nova geração de submarinos apenas muito mais tarde eclipsados pelo advento das classes movidas a energia nuclear, entre toda uma série de inovações que durante quarenta anos decisivamente influenciariam o desenvolvimento dos arsenais das principais potências mundiais.

 

Os britânicos consideravam imprescindível o desembarque na Europa, cientes que estavam daquilo que significaria a outorga de toda a guerra terrestre aos exércitos levantados pelo regime soviético. No que respeita aos seus aliados americanos, destes divergiam quanto à zona escolhida para a invasão, preferindo o "baixo ventre da Europa"- Mediterrâneo central, ou seja, a Itália, Grécia e a costa jugoslava -  às praias do norte de França. A verdade é que desde o início da sua intervenção, os americanos sempre privilegiaram os pontos de vista do Kremlin, conhecendo-se também as conversações que Roosevelt e a sua administração foi entabulando com os soviéticos a respeito da liquidação dos impérios coloniais europeus, britânico incluído. A Estaline interessava a intervenção anglo-americana de uma forma limitada - permanente bombardeamento aéreo da Alemanha e caudaloso fornecimento material à URSS - e no sentido do alívio do envio pela indústria alemã, de equipamento destinado à Wehrmacht na frente leste. Os aliados ocidentais eram meramente utilitários e o lend-lease absorvia o seu quase exclusivo interesse por eles. 

 

O conceito de defesa elástica que apesar de tudo o marechal Von Manstein conseguira impor como incontornável recurso para a contenção da avalanche que vinha do leste, é facilmente compreensível quando observamos nos mapas o lento avanço soviético em direcção a Berlim. Se a seguir a Estalinegrado (início do ano de 1943) esse progresso para ocidente parecia fulminante, a partir de Kursk - um colossal erro estratégico de Hitler - e apesar da esmagadora superioridade material, as ofensivas estiveram  muito longe de atingirem aquela velocidade que teria pressuposto a queda do III Reich na primavera de 1944. A inversão de alianças da Roménia e da Bulgária - já após o D-Day -, criou um certo vazio naquela zona dos Balcãs, sem que isso significasse a imediata chegada do Exército Vermelho a Budapeste, Praga e Viena. Apesar de se encontrarem em grande desvantagem numérica, os alemães fizeram arrastar durante longos meses, as campanhas russas na Polónia e nas províncias germânicas do leste, a Prússia oriental, Silésia e  Pomerânia. 

 

A presença anglo-americana na Itália, não era um factor determinante para a derrota do Reich a ocidente, dados os condicionalismos impostos pelo terreno admiravelmente propício a quem nele estivesse numa posição defensiva. Assim sendo, havia que escolher outro sector que se prestasse a uma maciça concentração de recursos bélicos e capazes de decidirem pelo número, o resultado de uma batalha que se previa difícil e custosa.  Sob o ponto de vista estritamente militar, os actuais revisionistas da história apresentam  como certa a vitória soviética a leste, na presunção de Estaline contentar-se com a tomada de Berlim e zonas da Alemanha concedidas após as Conferências do Cairo e Teerão, ao domínio russo. Nada mais ingénuo. Consciente dos graves prejuízos causados ao esforço de guerra alemão pelas vagas de bombardeiros da RAF e USAF, Estaline decerto pretendeu estender o tão longe quanto possível, a presença dos seus exércitos na Europa central e ocidental. Quanto a isto não poderá existir a menor dúvida, conhecendo-se a importância decisiva que o factor político-ideológico exercia sobre a sua condução das operações militares e diplomacia. Poderá alguém alimentar algumas ilusões quanto a um esperado deter soviético nas margens Elba?  Há que atender à forte presença da coluna pró-soviética que os partidos comunistas representavam na Europa ocidental, não se desconhecendo a eficácia do PCF que mesmo após finda a guerra, pesadamente influiria na condução da política francesa. 

 

É verdadeira a suposição de que a ausência de uma intervenção terrestre em França, teria significado a imediata transferência para a frente leste de importantes unidades da Wehrmacht, capazes de consideravelmente atrasarem o avanço russo e adiarem em longos meses, o desfecho do conflito. Neste caso, a pressão exercida pela guerra aérea anglo-americana apenas beneficiaria geoestrategicamente a URSS, dando-lhe campo livre para uma decisiva penetração na Europa ocidental e sendo impossível aventarmos até onde aquela poderia ter chegado. Paris?, Madrid? Lisboa? Nas  Conferências de Ialta e de Potsdam, Estaline insistiu na necessidade de um ataque aliado à Espanha de Franco e isto é por si demonstrativo de um aspecto que actualmente parece ter sido alijado das cogitações dos interessados pelo estudo dos últimos capítulos da II GM. Já é bem conhecido como um grave erro político - logo militar, num contexto de guerra total -, a negativa de Eisenhower em permitir um avanço dos seus comandantes em direcção a Berlim, considerada como um objectivo meramente simbólico. Estaline sabia que a capital alemã era muito mais que um simples objectivo de prestígio, pois o seu controlo pressupunha a reivindicação da legitimidade política sobre o conjunto da nação alemã, além de significar uma indefinida permanência do Exército Vermelho em pleno coração da Europa. E assim foi até 1990.

 

A vitória soviética era um facto iniludível, os números pesavam e a generosíssima contribuição material americana foi decisiva. Blindados na ordem de muitos milhares, milhares de aviões de todos os tipos, os uniformes que vestiram e as botas que calçaram as tropas russas, armas automáticas, artilharia, a prodigiosa quantidade de munições de todos os calibres, uma espantosa quantidade de veículos de transporte que decisivamente motorizaram o E.V., mares de combustível e de matérias primas, as rações de combate que fartamente alimentaram o gigantesco exército russo, eis a contribuição decisiva. Mas isto não era suficiente, pois americanos e britânicos receavam o advento das propaladas armas secretas à disposição do Führer, suspeitando da séria possibilidade de entre os recursos tecnológicos, poder encontrar-se a arma nuclear. Durante alguns anos - 1942-44 -, Estaline irrealistamente temeu a celebração de uma paz separada entre o Reich e as potências capitalistas ocidentais, jamais conseguindo entender o vasto quadro dos interesses dos EUA e do RU no concerto internacional e ostensivamente desdenhando do capital factor político na condução da guerra pelas potências demo-liberais. Jamais considerou a evidência de o seu regime se encontrar mais próximo daquele que Hitler simbolizava, desde a forma messiânica da condução do Estado, até à concentrada organização do mesmo. 

 

Os números apresentados pelo escalpelizar de forças presentes na frente ocidental, parecem ser uma pequena fracção daqueles outros com que deparamos na consulta dos registos da frente leste. No entanto, as campanhas em França, na Bélgica e na Alemanha ocidental, foram decisivas para o abreviar do conflito e garantir a sobrevivência das democracias ocidentais na Europa.  A partir desta realidade históricai, já estaremos no plano das suposições, onde apenas o Reino Unido dificilmente se teria mantido como a única parcela da Europa livre da ocupação e re-arranjo institucional ditado pela URSS. Daí até à quase imediata  eclosão de uma terceira guerra mundial, tudo é possível imaginarmos. 

publicado às 15:40

Moçambique: o leão inglês

por Nuno Castelo-Branco, em 08.06.13

 

A capital moçambicana oferecia todo o tipo de possibilidades comerciais. Automóveis, mobiliário e objectos de decoração, casas de moda e de desporto, livrarias e todos os artigos que a indústria mundial colocava no mercado, eram ali expostos e vendidos. Nas lojas chinesas, bem diferentes das actuais e muitas delas pertencentes a macaenses, as famílias tomaram o hábito de ali comprarem as louças e muitos daqueles objectos com que decoravam as casas. Jarras, potes e figuras de porcelana, lacas, charões e jades, eram quase tão banais em qualquer residência, como os nossos frescos pijamas Made in Macau. O mesmo se passava com os rivais estabelecimentos indianos prodigalizando uma autêntica mina de artigos orientais, desde os móveis aos metais e também, tão certo como as monções, os cheiros do incenso e as especiarias para o tempero da comida.

 

Situado na Avenida da República - a antiga D. Carlos I - o  John Orr's era um estabelecimento ao estilo dos department store americanos, uma grande companhia sul-africana que se estabeleceu em Lourenço Marques. Escadas rolantes, sistema de pagamento automatizado "por tubagem de sucção" e secções diferenciadas - como hoje em dia encontramos naquela empresa espanhola que a vereação de João Soares estranhamente fez situar nas imediações do Bairro Azul -, em suma, "o Jónas" oferecia uma irrecusável quantidade de serviços eficientemente conseguidos pela sua boa organização. A secção de crianças era vasta, abarrotando de brinquedos, roupas e calçado. Todos os Dezembros, lá estava um barbudo Pai Natal a postos para uma foto com os miúdos que quisessem uma recordação da época festiva.

 

Durante a guerra, a minha bisavó fazia compras neste tipo de loja e no afã da propaganda em que os Aliados e o Eixo se digladiavam, recebeu um presente claramente simbólico. As lendas familiares ditam que no britânico John Orr's foi recompensada com um leão pisa-papéis, provavelmente produzido na Índia. Trata-se de um pesado "brinde por compra jeitosa" e passadas três gerações desde o fim do conflito, poucos se recordarão da mensagem que a prenda encerrava. O leão é o símbolo heráldico da Inglaterra e o da foto parece rugir às adversidades, preparando-se para um contra-ataque.

 

Decidi limpá-lo, estava sujíssimo. Para meu grande espanto, em vez daquele fulvo metal homogéneo e próprio do latão, surgiu algo diferente, com tons acobreados. Ficou muito bem polido após a cansativa esfrega e aqui está ele, bem adequado às Áfricas onde em cada vez mais estreitas savanas, ainda reinam os seus modelos vivos. 

publicado às 15:00

(Mais) um erro de Salazar!

por Nuno Castelo-Branco, em 09.04.13

 

Que jeitão nos daria agora, se Salazar tivesse declarado guerra à Alemanha a 6 ou 7 de Maio de 1945... E ao Japão...

publicado às 22:23

A grandeza passou a ser coisa do passado

por João Quaresma, em 09.04.13

Por nenhuma razão em especial (mas coincidindo com a notícia de ontem) por estes dias lembrei-me da Ally e do Galfried, um casal inglês amigo da família. Conheceram os meus pais quando, de mapa de Lisboa na mão, lhes pediram indicações e, conversa puxa conversa, ficou uma amizade que durou anos, até à morte de ambos. Para mim, ficaram como a referência dos ingleses no seu melhor: simpáticos, educados e apreciadores do que de bom as outras nações têm para oferecer, por muito diferentes que sejam da Grã-Bretanha (o que nem sempre acontece com os seus conterrâneos).

Em especial o Galfried. Pessoa extremamente culta, que conhecia bem as artes e a História de vários países (até a da Índia antes da colonização britânica), incluindo a de Portugal. Bom conversador, com uma educação irrepreensível, maneira de estar e aparência de um cavalheiro inglês de boa linhagem, entre quem o visse e ouvisse ninguém diria que toda a sua vida tinha sido um bobby: um simples polícia londrino. Não tinha sido educado em Eton, Oxford ou Cambridge mas tão simplesmente na escola pública e a sua bagagem cultural tinha sido adquirida nas bibliotecas públicas, nos documentários da BBC e nas viagens, depois de se reformar. Era o exemplo do melhor do elitismo britânico: aproximar as classes populares dos níveis educacionais e culturais das elites.

Ambos gostavam bastante de Portugal, voltando várias vezes e ficando numa casa nossa. Também recebemos amigos deles, ingleses e um casal de professores universitários australianos a quem disseram: «Não se pode conhecer bem a Europa sem conhecer Portugal». Ao Galfried, intrigava-o o 25 de Abril, e o facto de Portugal ter estado à beira de uma guerra civil: «Como foi possível num país tão antigo, um povo que nos maus momentos esteve sempre tão unido e foi sempre tão forte? Em Inglaterra, é impossível os comunistas tomarem o poder. Para o fazerem teriam de nos virar uns contra os outros, e isso é muito, mas mesmo muito difícil de fazer. Somos muito unidos, como se fôssemos uma família. E em parte devemos isso ao Sr. Hitler».

Durante a guerra, Galfried tinha estado na artilharia anti-aérea, defendendo a sua Londres contra os bombardeiros alemães. Dizia que os meses que durou o Blitz tinham mudado muito os ingleses na maneira de pensar e de se relacionarem. Toda a gente compreendeu que tinham todos de trabalhar em conjunto e de se ajudarem uns aos outros, de aceitar sacrifícios e esquecer diferenças e divergências. Londres era ela própria um campo de batalha e todos, de uma maneira ou de outra, tomaram parte nesse combate, da jovem enfermeira auxiliar Ally à princesa (e futura rainha) Isabel. Todos entenderam que cada dia e cada noite podiam ser os últimos, que a próxima bomba a cair podia ser a sua, e que se devia fazer o máximo pelo país e pelo próximo, e o possível para aproveitar a vida. Quando uma família perdia a sua casa, os vizinhos acolhiam-na o tempo necessário. Quando uma criança ficava órfã ou um idoso ficava só, havia sempre um lar disposto a recebê-lo, fosse num quarto em Londres ou num castelo na Escócia. Todos tomavam a iniciativa e ninguém ficava à espera que o Estado viesse ajudar. Maridos e mulheres separados pela distância escreviam-se dizendo que não se importavam que se relacionassem com outras pessoas, se isso as fizesse sentir melhor. Todos entenderam que eram um só povo e todos puxaram para o mesmo lado.

Esse Reino Unido, valente, determinado e unido, em parte desapareceu ontem com a morte de Margaret Thatcher, o último primeiro-ministro que trabalhou para que o país fosse assim. E como diz Miguel Castelo Branco, «a Europa, ou o que dela resta, morreu hoje um pouco mais». A Europa feita de nações com energia própria, rica na sua diversidade e liberdade de acção, foi substituida por um condomínio de mercados e de plutocracias, onde os povos foram castrados de poder e vontade própria, reduzidos a moles de consumidores e contribuintes, bananizados e viciados em satisfacções rasteiras. O Reino Unido era uma das nações que lhe servia de alicerce e que, mesmo pelo seu distanciamento, mais a influenciou. Hoje já não faz Austins nem Rovers, os bobbies podem vir a ser privatizados, as caçadas à raposa foram substituidas pela caça ao "politicamente incorrecto" e, mesmo com a Rainha e a libra estrelina, está em muitos aspectos irreconhecível.

Londres voltou a arder em 2011 não por obra dos bombardeiros da Luftwaffe mas dos incendiários sustentados pelo welfare state, instruídos como carneiros pela Educação Inclusiva, educados na mesquita mais próxima e cujas noções de cidadania foram obtidas no fast food mais barato. O elitismo saudável e construtivo foi banido pelo populismo destruidor, que tudo reduz ao mínimo denominador comum e ao culto da infantilização tutelada pelo Estado (nem nas olimpíadas de Moscovo, em 1980, nem de perto nem de longe se assistiu a algo de tão ridiculamente ideológico como a homenagem ao Serviço Nacional de Saúde na abertura dos jogos de Londres). É uma decadência que todos constatam mas a que uns se resignaram e outros, por entre as recordações trazidas por Downton Abbey, os discursos inflamados de Nigel Farage, e a utopia actual de Midsomer Murders (de uma Inglaterra inglesa em pleno Século XXI) não conseguem travar. Lamentavelmente, da glória do Blitz à futilidade das corridas de Ascot, cada qual à sua maneira, a grandeza e a identidade própria passaram a ser vistas como coisas do passado.

publicado às 20:05

Bomben mit bomben...

por Nuno Castelo-Branco, em 30.08.12

 

Quatro vítimas da tempestade de fogo que caiu dos ares sobre Hamburgo

 

Era este o discurso pronunciado pelo Führer, respondendo às primeiras incursões da RAF em território do Reich. Sabemos muito do que se passou e algo da Europa que se perdeu.

 

Após o assassino dilúvio de fósforo, chegaram as décadas da reconstrução e de um penoso esquecer de brutalidades cometidas e sofridas. Bem a propósito da hora de inconsciência instalada que todos vivemos, eis que os alemães são agora pela força dos mediaobrigados a recordar aquilo que os seus pais e avós passaram. Quantas mais bombas terão ficado por explodir? Quantos "rebenta quarteirões" ainda esperarão o momento da detonação? Não nos admiraríamos nada se nas imediações do Reichstag e do Palácio de Buckingham, ainda existirem alguns incómodos explosivos adormecidos. A Europa que pense no assunto. 

publicado às 18:29

The End

por Nuno Castelo-Branco, em 29.08.12

 

Esperemos que não se trate de mais uma oportuna adaptação da excelente e bastante esquecida obra The Last 100 Days, de John Tolland. Alertado pela minha diária e rotineira leitura do Portugal dos Pequeninos, fiquei a saber que Pacheco Pereira teceu algumas considerações acerca do livro The End. Ainda não tendo lido a obra de Ian Kershaw, regista-se a certeza de um relato pormenorizado acerca do Götterdämmerung do III Reich. Sabe-se que até ao último dia da sua existência, a máquina do regime funcionou como os seus chefes previam. Os operários escrupulosamente chegaram a horas para o trabalho, os juízes ditaram as sentenças por mais impiedosas que fossem, a burocracia funcionou em pleno e os kommando de manutenção da ordem nacional-socialista foram tão eficazes como sempre. 

 

Poderá ser  mais fácil recorrermos a explicações do âmbito da psicologia, de massas ou não, que teria efectivamente condicionado uma imensa população de mais de noventa milhões de aparentes sonâmbulos, apesar da desgraça que atingiu a Alemanha com inaudita violência. Ainda não sei se Ian Kershaw procura explicar algumas das razões que levaram os alemães à total subordinação ao regime e consequente resistência até à última bala, último panzer e ao derradeiro buraco onde se entricheirava a gente do Volksturm. Algo sucedeu para tal ferocidade da tropa e civis alemães, aliás demonstrada pelas mais de 300.000 baixas soviéticas na já de antemão perdida batalha de Berlim. 

 

Qual a explicação plausível para tal encarniçamento da resistência popular que permitiu o perfeito funcionamento da máquina do poder nacional-socialista?

 

 

publicado às 10:12

Spínola na II Guerra Mundial

por Nuno Castelo-Branco, em 28.08.12

Acompanhado por outros oficiais portugueses e alemães, António de Spínola visita a frente de Leninegrado em 1941. Spínola é o oficial agasalhado por um sobretudo e de bivaque escuro na cabeça, em último plano na foto, à esquerda. O grupo observa um tanque russo do modelo KV-1, destruído ou capturado. Ou andamos muito enganados, ou foi por esta altura que A.S. de Spínola terá adoptado a moda do monóculo., aquele adereço que lhe daria a alcunha de o Caco.  Com tudo o que dele politicamente se possa dizer, foi um militar como poucos, estando presente nas frentes de combate onde serviu como Comandante-em-chefe e sempre sem se recusar  à tradicional postura castrense. Tal como os seus homólogos Guderian, Patton e Rommel, deve ter entendido que a guerra também se fazia no campo mediático. Quantos é que hoje em dia se lhe poderão comparar? Duas ou três fotos elucidam-nos acerca das diferenças. 

 

"Sobre o General Spínola, escreveu Chauvel no semanário Paris-Match, quase um mês depois da emboscada:

Monóculo no olho, apoiando-se no seu pingalim, este oficial parece surgir de um filme dos anos 30. Não é o Pierre Renoir de 'La Bandera', nem o Von Stroheim de 'La Grande Illusion'. O general português Spínola faz verdadeiramente a guerra. Na Guiné. Imagem soberba e irrisória: um pequeno país que possuía, há quatrocentos anos, um império imenso, sobre o qual o sol nunca se escondia, esgota-se hoje no último combate colonial do século.

Entre a Gâmbia e a Guiné de Sékou Touré, a Guiné Portuguesa conta com um punhado de colonos, face a meio milhão de autóctones, num território do tamanho de um departamento francês. De há oito anos a esta parte está transformado num campo de batalha. A guerrilha dos rebeldes, armados pela China e muito organizados – revistas, instrução política, jornais de propaganda – absorve cada vez mais as tropas portuguesas.
Lançados num país muito quente, com uma vegetação muito densa, vigiados pelo inferno das emboscadas, os camponeses de Beja, os pescadores da Nazaré ou os estudantes de Coimbra cuidam da sua elegância, a exemplo do seu comandante-em-chefe: “Mais vale ir para o céu com um uniforme como deve ser”. 

publicado às 12:52

Há 70 anos

por Nuno Castelo-Branco, em 07.12.11

Na véspera, aquilo que era essencial à boa condução de uma guerra no Pacífico, levantara âncoras e fizera-se ao mar. Os porta-aviões Enterprise e Lexington, misteriosamente já não se encontravam na base que seria alvo do ataque da Marinha Imperial do Japão. Oficialmente, tinham saído para "entregar aviões" à base de Midway. De facto, os serviços de inteligência norte-americanos, há muito que liam sobre os ombros dos almirantes nipónicos, decifrado como estava o Código Púrpura, a cifra naval japonesa. Muitos observadores e historiadores militares crêem firmemente no perfeito conhecimento que o Sr. Roosevelt e a sua administração tinham dos preparativos para o ataque que conduziria os EUA à almejada guerra contra as potências do Eixo. Se no Atlântico a situação já era praticamente a de conflito não declarado - o caso do Lend-Lease/Cash & Carry e das das escoltas americanas aos comboios que navegavam para as Ilhas Britânicas -, no Pacífico, o avolumar das tensões indicava claramente a eclosão da guerra.

 

O almirantado fizera os porta-aviões "auspiciosamente" saírem do  porto, salvando-se da infalível destruição e permitindo a resposta que não tardaria. Acostadas, permaneceram as unidades que serviram de isco. Em suma, a Casa Branca sabia da contagem final, aliás comprovada pela leitura antecipada da declaração formal que o Embaixador Nomura leria horas mais tarde. Todo o articulado - faltando o derradeiro ponto -, assim o dizia de forma insofismável. 

 

Roosevelt teve a sua guerra. O "dia da infâmia", serviu de modelo aos próprios EUA. A partir daquele 7 de Dezembro, todos as guerras iniciadas pelos nossos aliados, jamais foram precedidas de qualquer Declaration of War, fazendo-se tábua rasa de séculos dos convencionados procedimentos diplomáticos. Bem vistas as coisas, o ataque a Espanha - "Remember the Maine!" -, tinha sido o precursor.

 

O patético e errático texto do Expresso, conta a estória de uma história diferente. Tudo uma questão de escola.

publicado às 11:47

Há 70 anos: Atenas, 25 de Abril de 1941

por Nuno Castelo-Branco, em 01.07.11

Toda aquela gritaria, fumos de gás lacrimogéneo e chuva de pedras contra a policia e autoridades governamentais gregas, não são uma novidade.  Os gregos não gostam dos seus, ou deles estão fartos.

 

Há precisamente 70 anos, a 25 de Abril de 1941, os alemães entravam em Atenas e por aquilo que as imagens mostram, nem todos os populares mostravam caras contristadas pela intempestiva visita. Flores, abraços, acenos e pão deram as boas vindas.

 

A ver vamos se uma nova versão da história não estará no horizonte, desta vez sem panzers e granadeiros, mas de uma forma mais eficaz e visando os furos dos cintos das calças helénicas.

publicado às 23:00

Há 70 anos, o 22 de Junho de 1941

por Nuno Castelo-Branco, em 22.06.11

Há precisamente setenta anos e a esta mesma hora, com a previsível benção da conjugação astrológica e o nevoento solstício das crenças ancestrais, o III Reich atacou a URSS. Uma operação mal preparada, errática e pior conduzida pelos "preságios, palpites e visões" do todo poderoso Führer. O resultado está à vista: um recuo sem precedentes do germanismo na Europa e a liquidação desta, como o factor decisivo no mundo.

 

 

 

publicado às 03:15

Poderia ter mudado a História, para muito pior

por Nuno Castelo-Branco, em 18.08.10

"Da longa noite de 14.08.1945, os protagonistas — da esquerda para a direita: General Shizuichi Tanaka (田中静壱), Comandante da Região Militar Leste; Major Kenji Hatanaka(畑中健二), da Guarda Imperial, líder dos insurrectos; GeneralKorechika Anami (阿南惟幾), Ministro da Guerra; e o 'herói' da madrugada, Yoshihiro Tokugawa (徳川義寛), Camareiro-Mor do Tennō, responsável pela salvaguarda dos discos contendo o 'Gyokuon-Hōsō' (玉音放送)."

 

No Último NanBanJin

publicado às 17:10

7 de Maio de 1945

por Cristina Ribeiro, em 07.05.09

 

Fim da II Guerra Mundial

publicado às 21:58

O desafio feito pelo João Quaresma e pela Glória

por Nuno Castelo-Branco, em 28.03.09

 

Terminei ontem a leitura de um pequeno livro da autoria de Ladislas Farago, "A Guerra Secreta, História da Espionagem na II Guerra Mundial", Edições 70 (história narrativa).

 

O livro narra factualmente alguns dos episódios  mais marcantes do conflito, iniciando a narrativa com o golpe de mão propagandístico que levaria à criação do pretexto para o ataque do Reich à Polónia. Os meandros da conspiração, a preparação logística e a correlação de forças presentes na cúpula directiva do aparelho de Estado alemão, são o capítulo introdutório de uma obra  que analisará as actividades desenvolvidas pelos serviços secretos do Eixo e dos Aliados, embora peque por apenas focar os assuntos mais conhecidos e pelo autor considerados relevantes. Assim sendo, Farago dá-nos uma visão global da excelência e deficiências dos organismos adstritos aos serviços secretos, especialmente aqueles pertencentes à Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos, embora o organismo soviético seja sumariamente mencionado, sobretudo devido ao factor Sorge.

 

 Da madrugada da "inventona" de Gleiwitz até ao desnecessariamente absurdo bombardeamento nuclear de Hiroxima e Nagasáqui, uma outra e por vezes desconhecida história da guerra.

 

E finalizando, a 5ª frase da página 161:

 

"A Grã-Bretanha parecia mais firme, mas esta estabilidade era enganadora".

 

E agora, como passatempo de fim de semana, atiro a batata quente para todos aqueles que conseguirem agarrá-la...

 

publicado às 19:35

Reis do leste (1): Miguel I de Hohenzollern-Sigmaringen

por Nuno Castelo-Branco, em 11.07.08

 

 

Trineto de D. Maria II,  o derradeiro sobrevivente  (além de Simeão II da Bulgária) dos chefes de Estado da II Guerra Mundial, é o rei Miguel da Roménia. Subindo ao trono durante um período de convulsão política no seu país, Miguel teve que gerir desde muito jovem, uma dificílima situação política e militar. No início da década de 40, o país foi incluído na esfera de influência do III Reich e o seu exército participou activamente na campanha da Rússia (1941-44). O golpe de Estado de 23 de Agosto de 1944, conduzido pelo monarca, levou ao rompimento com os alemães e à participação da Roménia na coligação aliada. O ditador soviético viria a condecorá-lo com a Ordem da Vitória, ..."pela acção corajosa de radical modificação na política romena, rompendo com a Alemanha de Hitler e aliando-se às Nações Unidas, num momento em que não existia ainda um claro sinal da derrota alemã". Impossibilitado de forçar abertamente a sua deposição, Estaline foi obrigado a recorrer aos usuais métodos de intoxicação de uma opinião pública fortemente pró-monárquica e sob a direcção de Anna Pauker - a agente soviética no país -, o PC conseguiu apossar-se do poder, obrigando o rei a abdicar em 1947. Viveu o exílio na Suiça e regressou à Roménia após a liquidação do regime de Ceausescu. Em 1992, tinha um milhão de romenos à sua espera em Bucareste e esta popularidade, levou o governo de Illiescu a proibir Miguel de visitar o país durante os cinco anos seguintes Em 1997 foi-lhe restituída a cidadania romena e reside hoje na capital romena, no palácio Elisabeta.

publicado às 16:16






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