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A Liga Europa de Pedro Nuno Santos

por John Wolf, em 22.04.24

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Pedro Nuno Santos foi afastado da Champions League nas derradeiras legislativas. Depois dessa derrota estrondosa, aposta tudo na Liga Europa — o campeonato onde caem os coxos e os mancos. O Partido Socialista (PS) lança a extremo Marta Temido, como a grande surpresa da convocatória para encabeçar a lista partidária às eleições europeias. Ana Catarina Mendes, Fernando Medina, Francisco Assis, que não têm onde cair mortos, também devem seguir no mesmo tacho sem fundo. António Vitorino parece que não quer molhar o bico da sua estatura de alto-comissário no pântano da União Europeia, ou seja, nem se vislumbra sequer no banco de putativos titulares. Mas regressemos à Temido que, convém lembrar, também foi aliciada para a presidência da Câmara Municipal de Lisboa. Esta réplica de candidatura, a repetição do mesmo prato, espelha algo sintomático: não há sangue novo que valha no PS. Mas o PS está de peito inchado e orgulho ferido — quer à força toda e com raiva revanchista ganhar as eleições europeias. Por outras palavras, para os socialistas, estas eleições são as mais importantes do mundo até deixarem de ser. Ou seja, até sofrerem outro percalço. E tomem nota, os partidos do bloco centrão, desconsideram outros players — o Chega ou a Iniciativa Liberal: mais uma gaffe. A nossa sorte é que essa viagem para a Europa é de ida apenas. Deixaremos de escutar as suas indagações aqui no burgo, para ter a garantia que as suas ideias têm poucas pernas para andar lá no Parlamento Europeu. Quanto a Costa, nem uma palavra. Parece um tabu. Mas não é. O homem está na pós-graduação até abrir o mercado de transferências dos comissários europeus. Acabo abruptamente este post como uma pergunta para um milhão de dólares — qual o escalão de IRS em que se inscrevem os parlamentares que forem eleitos nas europeias?

publicado às 19:05

Desidentidade e Desfamília

por John Wolf, em 12.04.24

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Estive ausente uns dias e algumas noites. Não acompanhei em real-time o que se passou no parlamento. Peço perdão pelo lapso. Mas regressei e não fui surpreendido. O parlamento carece de identidade e de um sentimento de família. Os partidos políticos presentes não entenderam o tempo que vivemos — o tempo de urgências e perigos que enfrentamos. Corroboram os nossos maiores receios. Portugal não parece ser a prioridade máxima. Os Portugueses não são elevados à condição de espécie em vias de extinção, à luz do seu risco de sobrevivência económica e social. Mas há mais. Parece que vem aí algo maior do que uma pandemia: uma "externalidade" que exigirá a noção de partido único — o partido de Portugal. Na iminência de uma resposta iraniana a Israel, os lideres de Portugal andam equivocados e melindrados, ocupados com miudezas dos corredores do parlamento. As coisas irão mudar num ápice, e não fará diferença alguma a paixão ideológica ou os lugares ocupados na bancada. A inflação não foi dominada em parte alguma. E muito menos pelo Houdini-Medina da bolsa farta de dinheiros subtraídos aos portugueses. Em vez de estarem dois passos à frente, quem habita o parlamento prefere o vão de escada, o lugar comum da miserabilidade e da vantagem labial. A política em Portugal está ao nível do herpes, da derme manchada por tatuagens deslavadas, fora de moda, que segue em contramão a uma ideia de avanço em direção ao esclarecimento, à convicção de que Portugal saberá ter o discernimento necessário para se salvar. Quando mais precisamos de uma união nacional, somos contemplados com manobras de diversão da parte daqueles que podem escolher. Escolher entre ser oposição destrutiva ou parceiros da única saída possível —  o esforço concertado para que Portugal saiba ser igual a si, dando razão a uma ideia de identidade e família. 

publicado às 19:16

Miguel Morgado — a pensar sozinho

por John Wolf, em 30.03.24

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Miguel Morgado é um caso raro de honestidade intelectual. Dotado de uma capacidade analítica excepcional — é a nossa botija de oxigénio nestes tempos sombrios de distorção de narrativas residentes — de chavões defensivos, intensamente ideológicos e negacionistas das evidências. Tomem nota de que não referi uma vez sequer a esquerda ou a direita, este ou aquele partido, para, num espírito de reserva mental, respeitar o que Miguel Morgado tenta fazer por entre a bruma do fogo-cruzado de arrelias e teimas que não passam de razões sem fundamento. Morgado discorre sobre os factos e as palavras que não correspondem aos mesmos, ou, o seu contrário, as ações que não promovem a construção do interesse nacional. As lamentações de Morgado dizem respeito a quebras de princípios, à corrupção de promessas governativas, às intenções e às decepções — as expectativas geradas com leviandade e defraudadas com peso assinalável, para desfalque de Portugal, do desígnio colectivo que ainda não conseguimos vislumbrar volvidos cinquenta anos de masturbação política-partidária. Morgado é uma ilha no comentariado nacional —  a tasca brejeira e reles onde tantos se dispõem à injúria e a jogadas baixas: onde nunca há vencedores e apenas o país sai a perder. Sentimos a  genuína independência de Miguel Morgado e não vislumbramos uma sua agenda pessoal com a vista posta em ganhos, aqueles extraídos à custa de outrém. (Ele) já o disse várias vezes — não tem vocação para a política. E como o entendo. Se passasse para o lado de lá, celeremente cairia na lama onde chafurdam tantos em quintais de reputação questionável. Ainda bem que assim é. Tomo Miguel Morgado como um genuíno estadista, furos acima do patamar onde se digladiam os eticamente fracos, que apenas se socorrem da força bruta das frases feitas para tentar arrasar a elevação intelectual de quem têm pela frente. Nesses momentos de desespero como interlocutor, enquanto escuta os uivos e o chiar desvairado, Morgado nada pode fazer. A sua fácies diz tudo. Pensa alto, pensa sozinho. Presta um enorme serviço a Portugal e àquilo que ainda resta da sua sanidade política. 

 

créditos fotográficos: OBSERVADOR

publicado às 19:14

Governo socialista à Bairrada

por John Wolf, em 18.03.24

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Devemos prestar muita atenção às palavras dos socialistas nos tempos que correm. Têm mau perder. Alexandra Leitão já começou a girar o espeto dos resultados eleitorais, a virar o prego do rombo das legislativas. As suas palavras são uma afronta à democracia, um insulto à ideia de legitimidade eleitoral e sugerem o extermínio do Chega. A ex-ministra (já nem sei de que pastel) já pegou na velha calculadora do Rato para fazer contas à vida de um putativo governo liderado pelos socialistas. A Aliança Democrática deve prestar um serviço ao país e não admitir que o jogo se faça apenas numa das metades do campo. Portugal corre o risco de se manter no mesmo marasmo e em semelhante pasmaceira, se aceitar este golpe palaciano pós-eleitoral. Cada vez mais julgo que Montenegro deve deixar-se de salamaleques e entrar em negociações cruas e nuas com o Chega. Se sabe quais são as linhas vermelhas e os traços encarnados que o Chega transpõe, deve expô-los para que sejam escrutinados, excluídos ou mitigados. Leitão conta com os emigrantes, diz ela. Mas os emigrantes não contam com ela. Deixaram Portugal devido a décadas de falência governativa de socialistas e, em abono da verdade, também de social-democratas. Marcelo Rebelo de Sousa, eminente constitucionalista, deveria saber ler as consequências de atos abonatórios de uma coligação que não tem uma maioria para reger. O que falta aos socialistas é modéstia e respeito pelas regras democráticas. Mas o que têm em demasia é mania de grandeza — um enorme complexo de superioridade moral e saudades de maiorias absolutas. Espero que haja alvoroço a sério. Porque existem limites de decência e de dignidade que não podem ser esfrangalhados por arrivistas que já lá estão há tempo demais. Alexandra Leitão quer assar o Chega à bairrista, à moda do Largo do Rato.

publicado às 13:53

Chegou-lhes

por John Wolf, em 11.03.24

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Os comentadores da praxe podem dar a volta que quiserem à lábia. Estão em choque após a noite eleitoral de ontem. Estão a apanhar os cacos da sua arrogância e das suas certezas absolutas. O Chega é filho de uma família disfuncional. E chegou à idade adulta. Tem como pai o Partido Socialista que passou os últimos oito anos a ignorar as queixas existenciais dos Portugueses. Tem como madrinha os media que tentaram castigar o menino, trancando-o num quarto escuro, sem que tivesse direito a recreio. E ainda insistem em ostracizar aquele que apenas espelhou o estado de alma de um milhão de cidadãos. Ventura realizou o milagre da sua multiplicação, de 1 para 12, e agora para 48 deputados. Não é pouca coisa e já não pode ser encostado a um canto do Parlamento. Gostem ou não, cause-lhes comichão democrática ou não, os outros partidos, incluindo o vencedor númerico da noite de ontem, estão obrigados ao diálogo, à argumentação e à negociação. Se insistirem no cordão sanitário arriscam-se a ver um partido com uma maioria de facto nas próximas eleições, que alguns como o Pedro Nuno Santos anseiam para que sucedam (as eleições!), ainda antes do Natal, para abater de uma vez por todas (pensa ele...) o peru da direita. A Aliança Democrática (AD) atirou tinta ao Chega. Recusa ajuizar com uma força política que nunca antes governou. Mas faz mal. O Chega é um partido teórico, sem cadastro, a partir do qual não se podem extrair certezas sobre o que fará, se ainda não há nada que tenha feito digno desse nome. Se é um governo minoritário que Montenegro deseja validar, deve aproveitar essa vontade para demonstrar que o processo governativo deve estabelecer pontes com aqueles que são considerados infecciosos, anti-democráticos. Se é o Orçamento que Pedro Nuno Santos aguarda para que o governo da AD caia, não passa de uma jogada oportunista, igual a tantas outras a que nos habituaram os socialistas. Não é esse o caminho. Não há volta a dar. O Chega passou de canário na mina a elefante na sala. Agora resta ver se Portugal chegou à idade adulta democrática após 50 anos de crescimento. E com isto tudo esqueci-me de falar do padrinho do Chega — Marcelo Rebelo de Sousa. Mas teremos o aniversário da prima para discorrer sobre o presidente de república democrática portuguesa.

publicado às 19:19

Inveja de vizinhos

por John Wolf, em 08.03.24

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A poucas horas de fecharem a torneira temporal das campanhas, podemos tecer algumas considerações. Posso estar enganado ou ser zarolho, mas as dezenas de debates em formato contra-relógio a que assistimos não serviram para ir ao osso das questões. O mais grave é que esse formato de mini tira-teimas resultou de um acordo de todas as forças políticas — como se concordassem num toque e foge ao busílis dos problemas mais prementes que afectam a vida dos portugueses. Acresce ainda outra constatação. A esquerda, mais ou menos radicalizada, ocupou-se com as campanhas dos vizinhos, numa espécie de inveja de pénis, realizando a soma das partes baixas dos outros, especulando sobre cenários de cópula ideológica ou de namoro partidário para a formação do próximo governo. Este tipo de política de quintal denota falta de convicção nas próprias ideias, nos putativos argumentos caseiros, ou seja, corresponde ao assumir da derrota. O Partido Socialista tem sido o vizinho mais invejoso. Espreita por cima da sebe para o jardim da Aliança Democrática para controlar se o jardineiro já chegou para aparar o roseiral. Pedro Nuno Santos parece aquelas comadres (feliz dia da mulher, já agora!) que passam a vida a cochichar sobre os afazeres da vizinha a quem não admitem que lhe tire a fruta caída na via pública. Lembra aquelas disputas de província nas quais alguém mexeu nos marcos dos terrenos para ganhar escassos metros de terra infértil. As televisões, que têm de vender sabonetes com cheiro a cravo para garantir a próxima mesada, nem precisaram de escrever o guião. O Largo do Rato forneceu os chavões sobre o papão do passado que regressará para tornar a vida dos portugueses num inferno. Os idosos, já amedrontados e fragilizados pelo descalabro do serviço nacional de saúde e pelas reformas rachadas, são os principais visados pela vigarice. Domingo chegaremos a vias de facto. Os portugueses já não vão em cantigas. Não têm ódio, mas estão zangados com os compadres que lhes fizeram a folha. E sabem muito bem que os comentadores tudo fizeram para inclinar o plano do écran. Pedro Nuno Santos vai descobrir que não os tem. Não os tem e não os tem no sítio. Mas vai ficar com a voz ainda mais esganiçada quando sair a taluda das eleições a horas tardias de domingo ou na alvorada de segunda-feira.

publicado às 13:26

Pedro Nunca Santos

por John Wolf, em 06.03.24

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De maneiras que é assim, de acordo com Pedro Nunca Santos: vota como eu digo que vou fazer e não como não fiz enquanto lá estive. Basicamente, é este o mantra do candidato-socialista. O secretário-geral-ex-ministro-demitido é também juiz desembargador do supremo tribunal da memória ténue dos eleitores hipnotozados. Fez delete do seu cadastro enquanto governante de pastas e afins. Serve-se do mata-borradas para eliminar gralhas de ingestão política. E agora quer renascer, mas não se diz ressuscitado. Faz fé cega na carreira que saiu da plataforma da geringonça e que descarrilou no apeadeiro da maioria absoluta. O homem não consegue lipoaspirar-se, mas diz que já fez a dieta necessária. Identificou as verrugas que sobraram da cirurgia plástica para embelezar os últimos oito anos e afirma ter no bolso uma lima para desbastar as agruras. Este post é dirigido aos militantes-camaradas socialistas. Mas não é dirigido por mim. É take-away ou Uber político cuja plataforma de distribuição assenta arraial no Largo do Rato, onde uma poderosa máquina de comunicação há 50 anos tem vindo a aperfeiçoar o desempenho dos bytes de propaganda. Deveriamos estar a lamentar meio século de usurpação da coisa pública pelo Partido Socialista. A subtração que fizeram ao povo Português. Porque tiraram mais do que deram, embora afirmem o contrário. Não foram oito anos de governação. Foram muitos mais. Mas para contas certas é melhor pedir ao secretário-geral. Ao outro. O da ONU.

crédito imagem: Horácio Villalobos/Cerbis via Getty Images

publicado às 10:20

Portugal atingido por fogo inimigo

por John Wolf, em 04.03.24

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No teatro de operações da guerra eleitoral, Portugal é a principal vítima do fogo inimigo. As rajadas de tiros das forças políticas não são dirigidas a um alvo comum — ao descalabro económico e social. São disparos recíprocos que geram uma neblina que não permite que se vislumbre Portugal. Após 50 anos de prática democrática os partidos políticos ainda têm sérias dificuldades em discernir o mais importante — o interesse nacional: a tomada de consciência de que existe algo maior e melhor do que o fervor ideológico, do que a paixão pelo clube de sempre. Esta cegueira comportamental é o resultado de um processo autofágico crónico. Os portugueses não conseguem fazer-se representar, porque estão ausentes na sua própria construção, abandonaram-se no dia a dia, para desesperar na pequena hora do desfecho eleitoral.  Assistimos a um vazio no que concerne à visão estratégica que o país exige. Durante décadas foi muito conveniente convergir com a Europa, fazer parte do grémio da União Europeia que subtraiu grande parte da soberania intelectual e cultural ao país. Portugal endossou um cheque em branco a decisores que nunca poderiam pensar os desafios locais. Assistimos nesta campanha ao evocar de fantasmas, ficções e falácias, como se para dissipar a crueza da realidade e da verdade que não carecem de explicações ideológicas. Uma vida digna já não é filha da esquerda ou da direita. Um projecto de esperança e superação colectivo há muito que deixou de poder ser explicado pela ciência dos dogmas. Enquanto não houver civismo político, diálogo transversal a todas as crenças partidárias, há muito pouco que o cidadão comum possa fazer. O mau exemplo anda nas ruas. E vem de cima para baixo. Por aí abaixo.

publicado às 19:22

Wokismo politicamente escorreito

por John Wolf, em 02.03.24

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Já que estamos numa de comentadores a tempo inteiro nas TVs, com paleio previsível e tantos a recibos-rosa, penso que seria extremamente agradável ampliar o âmbito da questão. Onde está o cigano-comentador? Onde pára o bangladeshi a caminho da cidadania portuguesa? E o cabo-verdiano que já cá está há meio século? Não me lembro de ter visto um debate com indivíduos que são destinatários do (des)contrato social. Rousseau refere a participação dos destinatários da solução contratual na sua formulação — o que designa de volonté générale. Seria deveras educativo e interessante escutar aqueles contemplados por soluções governativas em relação às quais não têm direito de produção ou de voto. Certamente que terão opinião. Sim, este post é uma provocação para acicatar os ânimos e as razões daqueles que se dizem paladinos das garantias daqueles que vivem na república. Se a imigração e a perda da identidade nacional são temas quentes, seria muito elucidativo escutar os excêntricos para podermos tirar as medidas das ilusões, dos enganos e, de um modo mais importante, dos factos. O comentariado em Portugal é cinzentão e pouco ousado. Ainda remanescem uns dias para angariar matéria relevante que possa ser colocada a discussão para gerar controvérsia construtiva. Mas pelo andar da CP, as forças que fazem pouca-guerra ideológica parecem ser as mesmas que dominam a paisagem discursiva desde a fundação democrática de Portugal. É melhor ficarmos quietos. É preferível que não se mexam. Daqui não saio, daqui ninguém me irra. Quanto aos candidatos — muito gostam eles de ir ao bairro étnico ou visitar comunidades portuguesas no estrangeiro para demonstrar solidariedades diversas.

publicado às 16:50

Sobre a noite eleitoral

por Samuel de Paiva Pires, em 30.01.22

O PS esvaziou os partidos de esquerda (BE e CDU), porventura penalizados pelo chumbo do orçamento conducente a uma crise política em plena crise pandémica e económica, e os novos partidos de direita erodiram a direita histórica. Uma direita com um partido (PSD) tomado por um proto-autoritário que pretende controlar a justiça e a comunicação social e navega ao sabor do vento no que diz respeito a coligações com a extrema-direita, e outro (CDS) a morrer nas mãos de um adolescente tardio que julga liderar uma associação de estudantes e se insurge contra espantalhos como o marxismo cultural e a direita fofinha dos salões do Príncipe Real. Ambos abriram espaço para o crescimento de um partido racista e xenófobo (CH) e de outro (IL) alicerçado num libertarianismo yuppie. Temos assim uma direita ideologicamente mais vincada e purista, organizacionalmente escaqueirada e orfã de quem a federe. Perante lideranças incapazes e um crescente radicalismo ideológico à direita, e um comportamento irresponsável à esquerda do PS, sendo as eleições ganhas ao centro, é natural que os eleitores que oscilam entre PS e PSD tenham decidido reforçar o PS. Isto significa um certo conservadorismo em relação à preservação do regime democrático, do Estado Social, do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública. Ou seja, aquilo que foram conquistas do liberalismo, do conservadorismo, da democracia cristã e da social-democracia no pós-II Guerra Mundial. Quando perceber isto e se deixar de aventureirismos, talvez a direita consiga voltar a ganhar eleições.

publicado às 22:11

A IL e o 100.º aniversário do PCP

por Samuel de Paiva Pires, em 06.03.21

Parte do PSD e do CDS está mentalmente presa em 2015. O PCP, em 1975. A IL ainda está entre 1944 e 1945, quando Friedrich Hayek publicou O Caminho para a Servidão e Karl Popper deu à estampa A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos. Bastaria avançarem até 1960 para, a respeito do comunismo, encontrarem o mesmo Hayek, em The Constitution of Liberty, 30 anos antes do término da Guerra Fria, a afirmar o seguinte: “If, fifteen years ago, doctrinaire socialism appeared as the main danger to liberty, today it would be tilting at windmills to direct one's argument against it.”

É certo que, a Portugal, muitos acontecimentos e movimentos políticos e ideológicos chegam sempre com algum atraso. Mas já era tempo de os liberais perceberem que a Guerra Fria acabou há 30 anos e que o maior sinal da vitória do liberalismo é aquilo a que Michael Doyle chama “zona de paz liberal” - uma actualização da teoria da paz democrática elaborada a partir de Kant -, uma área composta por cerca de 100 países onde o jogo político se faz num campo estabelecido pelo liberalismo, implementado em vagas sucessivas desde as Revoluções Atlânticas, apoiado e gerido no pós-II Guerra Mundial pelos que anteriormente criticavam o liberalismo (democratas cristãos e social-democratas) e que é a sua maior dádiva à humanidade: o regime político da democracia liberal.

Claro que a insurgência dos liberais portugueses contra a comemoração do 100.º aniversário do PCP se percebe facilmente, não só pelo supramencionado, mas também porque incorrem em dois erros do liberalismo assinalados por conservadores e comunitaristas, segundo William M. Curtis: o ahistoricism e a abstracção racionalista míope, i.e., a formulação racionalista e abstracta de esquemas de direitos e de teorias da justiça desligados das experiências morais e políticas dos indivíduos, que “são condicionadas e enraizadas nas tradições normativas historicamente desenvolvidas da nossa comunidade política”; e as pretensões universalistas, ignorando os particularismos de cada sociedade e pretendendo aplicar um padrão de direitos e uma concepção de justiça a todas as sociedades independentemente das suas particularidades históricas.

Por outras palavras, o PCP não é o Partido Comunista da União Soviética e a História de Portugal também não é a História da União Soviética ou da China maoista. O mesmo não é dizer que o PCP e o comunismo em Portugal, com episódios execráveis, odiosos e trágicos como o PREC e as FP25 são imunes a críticas - muito longe disso. Mas a IL, ao fazer constantemente do PCP e do BE os seus principais adversários, está não só a condenar-se a não ultrapassar a mesma relevância política destes, como a demonstrar que não percebe a importância de, num país com a nossa história de violência política - os brandos costumes não passam de um mito salazarento -, os comunistas respeitarem as regras do jogo demoliberal. Nada de novo, porém, num país onde a indigência intelectual é a imagem de marca do debate político.

publicado às 17:50

Bem-vindos ao teatro do absurdo

por Samuel de Paiva Pires, em 25.01.21

O meu balanço das eleições presidenciais, no Sapo 24:

Salvou-se o bom discurso de Marcelo Rebelo de Sousa, uma espécie de Presidente-Rei do Portugal contemporâneo, numa noite que representa, por diversas razões, um novo capítulo da história democrática. O regime precisa de se modernizar para promover uma maior participação eleitoral e aprofundar a representatividade e tem forçosamente de responder aos problemas económicos e sociais que enfrentamos para evitar a fragmentação social e a polarização política em que o populismo medra. Marcelo demonstrou ter consciência disto mesmo, mas encontra-se perante uma conjuntura de difícil gestão. Tanto a esquerda como a direita democráticas têm de se regenerar e reconfigurar para procurarem reconquistar aqueles que se sentem injustiçados e ignorados pelo sistema. A contagem decrescente já começou.

publicado às 23:38






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