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No programa de governo hoje apresentado anuncia-se a intenção de eliminar o IMT e garantir financiamento a 100% do crédito à habitação para os jovens até aos 35 anos.
Tenho 37 anos, um vínculo laboral precário, e pago, em conjunto com a minha mulher, uma renda de quase 1500 euros num concelho limítrofe de Lisboa, cidade onde trabalhamos. Não beneficiamos de uma rede de suporte familiar em termos financeiros, atravessámos crises económicas sucessivas desde 2008 e temos tentado, na medida do possível, amealhar para adquirir habitação própria, o que se tem tornado verdadeiramente utópico num país com rendas exorbitantes (na região em que trabalhamos), condições de acesso ao crédito restritivas e (mais) um imposto absurdo, o IMT, que se constitui, em conjunto com a exigência de uma entrada de 10% do valor do casa, num enorme obstáculo, especialmente num contexto em que a especulação imobiliária vingou perante a inércia dos governos anteriores, tornando os preços da habitação incomportáveis para milhares de pessoas que se encontram em situação idêntica à nossa.
Impõe-se perguntar: por que raio seremos agora excluídos de uma medida que beneficia os que têm até 35 anos em vez de criar condições equitativas para todos aqueles que necessitam de adquirir uma primeira habitação neste contexto particularmente exigente e desafiante?
Que sentido faz introduzir esta distorção no mercado, privilegiando um segmento etário à custa de outros que estando há anos a lutar para ter uma primeira habitação própria se vêem agora completamente marginalizados pelo governo da AD?
Por que razão somos excluídos de uma medida essencial para as nossas vidas por um critério totalmente arbitrário assente exclusivamente na idade?
Daqui se deduz que, para a AD, todos os que têm mais de 35 anos e se vêem na contingência de pagar rendas exorbitantes e não conseguir adquirir habitação própria servem essencialmente para pagar impostos. Que miséria de país.
"Partidos arriscam vir a ter de pagar o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI)." Arriscam? Porquê? Os partidos políticos não têm personalidade jurídica? Não são entidades geradoras de receitas? As sedes e filiais não servem para gerar dinâmicas de negócio? Então porque raio devem beneficiar de tratamento privilegiado? Voltamos à mesma questão de sempre - a reforma do Estado nas suas distintas variantes partidárias e contributivas. Reformar o Estado significa retirar bengalas e benesses às estruturas que acabam por corporizá-lo, porque os partidos precedem a sua própria construção. Essa é uma das análises passível de ser aceite. Eu percebo que no Paleolítico da democracia em Portugal, na aurora do existencialismo político, os partidos merecessem algumas facilidades para ganhar raízes e florescer. Mas essa época de cultivo e colheita partidária há muito que acabou. O estado de graça terminou - a vaca já foi mugida vezes sem conta. Os partidos ou têm pernas para andar ou não têm. A decisão de "impostar" os partidos não tem nada de impostor. Se os partidos pretendem ser a extensão da sociedade civil, os representantes dos cidadãos nas suas atribulações societárias, então seria expectável que se portassem como cidadãos de pleno direito. Eu percebo que a questão tenha sido engavetada vezes sem conta. Deve haver partidos com uma caderneta predial muito extensa. Deve haver grémios à Esquerda e à Direita com edifícios a torto e a direito. Se custa ao mais mortal dos cidadãos receber a notificação de pagamento do IMI, não vejo razão para poupar os senhorios partidários. Mas existe uma outra dimensão, uma outra consideração acessória, porventura paradoxal. Que eu saiba, as sedes e filiais partidárias assumem a vocação imobiliária de escritórios, então como se explica a quantidade de residentes que literalmente não arreda pé desses estabelecimentos, que vive nessas casas há mais de quarenta anos? São inquilinos políticos de longa data, mal habituados e convencidos de que devem merecer respeito e consideração. Mas deram muito pouco em troca. E não devem ser isentos. Não estão isentos de responsabilidade pelo descalabro nacional.