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Hoje não é o primeiro dia do que resta da vida política do Partido Socialista. António Costa é o primeiro-ministro de Portugal. Fica demonstrado que ser perseverante e ardiloso produz resultados neste país. No entanto, resta saber qual será o preço a pagar no curto prazo. O cepticismo em relação à solidez dos acordos à Esquerda não é um exclusivo dos adversários da Direita. Esse facto transcende noções ideológicas ou partidárias. Tem a ver com dimensões formais e também com a substância que aproxima ou afasta as diferentes forças da Esquerda portuguesa. Mas é também aqui que reside uma boa parte da falha tectónica. O Partido Socialista, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português enfrentam alguns dilemas existenciais, de identidade. Se o que esteve em causa neste processo foi derrubar o governo de coligação a todo o custo, e tendo sido alcançado esse objectivo, não vejo como possam manter a disciplina colectiva necessária à estabilidade governativa quando outras matérias de gestão política corrente venham a lume. Por essa razão estamos perante um governo a prazo. Mas existem outras razões. A não ser que um novo partido nasça a partir deste arranjo conveniente - o Partido Socialista Bloquista Comunista de Portugal (PSBCP). Contudo, para que tal aconteça, cada uma das partes da trapologia política teria de abandonar a sua missão individual e migrar para uma entidade ideologicamente amorfa. A "nova" oposição PSD-CDS tem capacidade para ler o mapa de fissuras do novo governo de António Costa, e certamente que saberá causar algum desconforto ao lançar propostas e temas geradores de hipersensibilidade ideológica. É natural que o faça e é expectável que o faça na qualidade de proponentes da oposição. António Costa, mestre na arte da decepção e aproveitamento políticos, deve iniciar a sua senda de iniciativas legislativas e de governação com matérias de fácil consenso com os seus colegas de extrema-esquerda. Um pouco mais tarde, quando os fundos de gestão corrente começarem a faltar, e a austeridade for apresentada como último recurso, teremos os primeiros indícios de desacatos sem que o PSD ou CDS tenham de mexer uma palha. Existe uma frase em inglês que serve na perfeição para relatar o que está para acontecer. No entanto, acrescento uma nuance à mesma: "it will be a self-fulfilling socialista prophecy". João Soares, que percebe que se farta de cultura, nem precisa de traduzir.
António Costa vai ser avalista dos empréstimos do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português - é assim que Cavaco Silva estabelece a relação de garantias de governação. Se a carrinha que circula pela faixa da Esquerda avariar ou o motor gripar, será Costa a pagar uma parte do arranjo. O outro conserto da carroçaria será suportado pelos portugueses. Quando Jerónimo de Sousa, e outros com semelhantes reclamações, afirmam que aquando da nomeação de Passos Coelho, a série de seis perguntas foi preterida, esqueçem-se de um pequeno pormenor - o país estava a arder, Portugal estava rachado. Assim sendo, não faria muito sentido, e nesse contexto, perguntar aos bombeiros de serviço que tipo de mangueira faziam tenções de usar. António Costa, que parece vir a assumir a qualidade de chefe de governo, está correctamente e preventivamente a ser controlado em nome da sustentabilidade que Portugal exige. As perguntas colocadas à saída de Belém, segundo o presidente do Partido Socialista Carlos César, são fáceis, do nível de uma quarta classe, e António Costa tem as respostas todas debaixo da língua - da sua. Sobre os seus parceiros de coligação parlamentar, pouco se sabe. De qualquer maneira, não governam. E isso é bom. Mais facilmente farão parte da oposição ao governo socialista. Já temos indícios mais do que suficientes de que as comadres andarão à estalada. É uma questão de tempo e poucas matérias de governação.