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É impressão minha ou a manifestação de hoje, que levou dezenas de milhares de pessoas à rua em protesto, faz lembrar os indignados de outras sortes? Pois. É curioso que os que estão na rua a gritar foram precisamente aqueles que votaram no PS, BE e PCP. Em suma, a luta é interna. Nem sequer é da oposição. É prata da casa. No entanto, o barulho parece estar a ser abafado pela geringonça. Resta saber quanto vai custar calar esses "pelintras". Falta saber quais serão as subidas de impostos necessárias para comprar o silêncio de todos os funcionários públicos. Muita sorte tem a geringonça que os privados não se fazem à estrada para engrossar a voz de desagrado.
Tenho a maior consideração e respeito pelos militares. São capazes de estruturar pensamento e são hábeis na prossecução de missões - se tiverem meios, se tiverem fundos, se tiverem o backing político adequado. Sabemos há muito tempo que vivem com parcos meios, mas muitos ignoram que os militares portugueses estão activos com assinalável sucesso em mais de vinte teatros de operações por esse mundo fora. Se os civis não são capazes de instigar a mudança, se os políticos e os governos são deficitários na defesa de princípios invioláveis associados à democracia, à soberania e a manutenção da ordem, acho muito bem que os militares passem da reserva a indignados em manifestação activa, na rua. Os capitães de Abril que ostentam tantos louros podem agora ser secundarizados pelos capitães de Julho - estes que agora irão depor espadas à porta da presidência da república. As medalhas que ostentam os obreiros de 1974 perderam o lustre, já não reluzem, nem têm um efeito mobilizador. São meras antiguidades românticas que evocam baladas e pouco mais. Sem terem dado conta, os sucessivos governos foram condescendentes com precisamente aqueles que enfrentam as broncas, que defendem a nação. O que aconteceu em Tancos é da exclusiva responsabilidade de governos. Não tenho uma espada em casa, mas se a tivesse também a dispunha em Belém.
Os portugueses não querem necessariamente saber do destino dos gregos. Querem ver se Portugal pode beneficiar da dinâmica política que tanto admiram, mas que tão intensamente lhes falta. Sejam honestos. Os outros que façam o que somos incapazes de fazer - esse sim, deveria ser o lema. Indignados, por onde andam a esta hora?
O movimento "que se lixe a Troika" já mudou o sub-título várias vezes. A extensão da frase inicial já foi "queremos as nossas vidas de volta" e agora é "não há becos sem saída". Eu entendo que queiram ir tornando o slogan cada vez mais actual, mas parece que falta algo ao departamento de copywriters dos manifestantes. O cruzamento entre crítica política e criatividade não deveria conhecer limites conceptuais. Mas não parece ser o caso. A frase-feita da manifestação parece ter sido encomendada aos mesmos do costume, sem concurso público, mas por ajuste directo. Na minha opinião o cabeçalho "que se lixe a Troika" carece de uma reforma do seu estado, de uma reorientação programática, de uma revisão constitucional, por forma a que possa ter um sentido mais amplo e representativo das várias frentes de luta. Por exemplo, o novo slogan poderia ser; "que se lixe a Troika e mais uns quantos da casa" e poderiam aproveitar a localização do protesto de hoje para demonstrar a sua indignação para com outros obreiros da nação. O mesmo corpo de protesto poderia apontar as suas baterias à fundação Mário Soares. No fundo, esse grémio simboliza muitos dos males e desvios que lesáram a pátria - dinheiros públicos atribuídos a uma elite familiar, a evasão da responsabilidade política no processo que vai pelo nome de Portugal, entre outras questões que nada beneficiaram o país. Não é apenas nas escadarias da Assembleia da República que as canções de protesto devem ser entoadas. Basta que os protestantes rodem aproximadamente 160º e estarão de frente para aquela fachada política que também merece uns reparos. Os indignados também devem ser justos e equitativos na distribuição de sovas e recriminações. O protesto no seu sentido mais amplo deve integrar outros lanços e escadotes, outras passagens avassaladas pelos interesses de uns poucos que já salvaram o seu coiro. Becos sem saída? Onde estão? Estão a perceber o que quero dizer? Mais valia a frase de arremesso ser "que se lixe a Troika, não vamos cair das escadas abaixo". E se não puder ser, talvez possam imitar outros organismos que já registaram a patente da sua forma de protesto. Eu sei que os portugueses já ficáram pendurados tantas e tantas vezes pela prática danosa daquela empresa que dá pelo nome de assembleia da república, mas convenhamos; grande parte dos arranjinhos, negócios e acordos duvidosos, acontecem fora de portas e longe daquela instituição. O movimento que organiza este evento parece ser da velha escola - vai repetindo a mesma fórmula com uma insistência semelhante àquela utilizada pelos advogados da austeridade. Falta, na minha opinião, um interface de comunicação mais poderoso, uma linha de comando que possa transitar da rua para as cabeças ocas dos decisores políticos. A chamada parece estar sempre a cair das escadas abaixo.
Proponho a nomeação da mascote oficial anti-troika. Não se trata de um boneco inanimado à laia do Gil. O candidato a porta-estandarte da resistência nacional está vivinho da silva e anda em digressão a dar o exemplo de liberdade. A representação simbólica ou literária, à Italo Calvino ou Hans Christian Andersen, não necessita de ser resgatada. Portugal tem o seu próprio boi que anda a monte sem que lhe consigam deitar a corda aos cornos. Portugal deve aproveitar a alegoria animal e deixar a besta continuar a sua senda que emana esperança a tantos correlegionários accorentados pelas políticas impostas pelo matadouro financeiro e político. Este é o verdadeiro símbolo de resistência nacional em forma de nacos de carne e rabos de boi. Deixem a rés brava dizer de sua justiça nos termos de uma sã vagabundagem. O minotauro deveria permanecer como um chocalho nos nossos ouvidos, desde a sua criação por Ovídio. A história mais épica se torna com a queda do seu irmão - o sacríficio do animal pelo talhante Teseu (o Espertalhão não estava predestinado a ser grande) empresta ainda mais heroísmo ao espírito combativo do Marreta. Todos aqueles deuses que reclamam o estatuto de vingadores da troika são uma pálida imagem do fulgor endiabrado do touro. O que este cornudo faz pela nação é muito mais do que a oposição conseguiu fazer levando à rua centenas de milhar de indignados. Este quadrúpede bate aos pontos todos os ideólogos de esquerda ou direita. O animal tem dois cornos perfeitos - para as extremas partidárias que não conduzem a nada, e ainda uma testa larga para marrar contra centralidades gastas. Na minha opinião, Barcelos já deu o que tinha a dar. Chegou a hora de um boi pouco manso. E não faz mal que seja de raça Galega. Portugal também nasceu a partir daqueles territórios.
Sim, lixe-se tudo. Tudinho. Everything. Tudo o que rola e tropeça. Os coreógrafos dos indignados querem mandar a troika às malvas. E, depois? O que se segue? Estatização da economia? Economia privada abafada a 100% pela carga fiscal de um Estado supostamente benemérito? Empregos vitalícios, com direito a 5 horas de descanso? Ok, vá, provavelmente estou a exagerar, mas o retrato que fiz acima é o essencial da proposta "indignada". Como disse numa posta recente, "o povo português está farto, cansado e exausto do rapanço das elites do costume". O problema é que com propostas destas não sairemos do buraco presente. O que se exige é um pouco mais de imaginação. Não custa nada. Mas para que isso se efective é necessária uma sociedade civil minimamente decente. Sim, certo, já estou a imaginar o vosso bruaá encolerizado. Ela, a dita sociedade civil, não existe, e, por este andar, nem no dia de São Nunca à tarde ressurgirá das cinzas da passividade. Entretanto, os amiguinhos indignados continuarão a cantarolar a Grândola e a bebericar uma bela cervejola, sonhando com os impossíveis amanhãs cantantes, enquanto o desemprego dispara para níveis somalianos. Belo retrato, sim senhor.
Com ou sem estribilhos estafados, o que se passou na última semana foi a enésima confirmação de que as esquerdas lusas são um caso clinicamente perdido.
O Dragão, Exibicionistas & mirones. Lda:
«Neste país ressaltam dois tipos de indignados militantes: os que se indignam com tudo; e os que se indignam com nada. Os que se indignam com tudo, qualquer coisa lhes serve, não são esquisitos, a mínima pentelhice os acende- são os chamados tipos de indignação fácil. Estão sempre em prontidão indignativa, à espreita de qualquer ninharia crocante.. Já os que se indignam com nada, geralmente nenhuma coisa concreta os indigna (o país podia ser até invadido por marcianoss em metódica chacina de criancinhas e velhotes só por mero capricho tecnológico, que isso não lhes causaria o mínimo espanto, nenhuma revolta e, nem por sombras qualquer esboço de indignação; afinal, os marcianos eram mais ricos e evoluídos...) - são as criaturas de indignação difícil. E não digo impossível porque, na verdade, há um caso excepcional e único em que se indignam e barafustam ruidosamente: é com as indignações dos anteriores. Estão sempre de plantão, à coca deles, e quando os detectam a indignar-se com qualquer ninharia crocante, rompem de imediato a indignar-se com essa indignação fácil, ad nihil. Não sei se além de difícil, não será também ciumenta dessa potenciazinha demiúrgica.. Requentada é, invariavelmente.
Há realmente, entre nós, uma direita de conveniência intrinsecamente mirone: passa a vida a espreitar a esquerda. A excitar-se muito com ela. Há nisto qualquer coisa de perverso... Eventualmente, nem se indigna: onaniza-se.
PS: Outra fórmula de definição seria os disentéricos da indignação versus os dispépticos.»
Na última vez em que ouvi o meu pai comentar um assunto da política, referiu-se à próxima visita da sra. Merkel a Portugal. Verificando a nula categoria desta gente que comanda vinte sete Estados europeus, dizia que há uns cinquenta anos, ..."esta mulher não teria passado de uma zelosa secretária bate teclas num escritório". De Lisboa a Varsóvia padronizou-se um certo tipo de empregadecos descartáveis e sem chama, incapazes da menor tentativa de mobilização de um espaço em claro declínio, praticamente perdido para um futuro que afinal não chegará.
No entanto, o meu pai esperava que a dita senhora fosse recebida da melhor forma possível, evitando-se qualquer pretexto para má publicidade extra, acicate de preconceitos e mais umas tantas vingativas cangas. Os irrisórios órgãos de comunicação que nos restam e que unanimemente se encontram ao serviço de quem exauriu a economia nacional, já despoletaram uma capciosa campanha de angariação de indignados de vários cambiantes. Querem ver em Lisboa, as totalmente dispensáveis cenas que ainda há uns tantos dias os atenienses protagonizaram na sua cidade. Tendo o actual regime atirado Portugal para uma situação de impossível solução, os seus donos ordenam o bater de tachos e tilintar de chocalhos, com isso esperando preencher alguns apontamentos de "última hora" nos canais informativos. De Merkel vem o dinheiro, de Merkel miraculosamente poderá chegar alguma "moderação e boa vontade", queira lá isso significar o que tiver mesmo de ser. Aconselha-se a prudência, mas investe-se na baderna. Os imbecis já estão por tudo, apenas querendo alijar culpas nos "odiosos estrangeiros".
Organizem a bagunça, façam partir montras, incendiar automóveis e já agora sigam o modelo de 1975, sugerindo o incendiar da Embaixada da Alemanha. Distraiam momentaneamente as atenções, mas os factos lá continuarão indeléveis e esperando o ajuste de contas que mais tarde ou mais cedo chegará. Tomem os nossos donos boa nota acerca da responsabilidade que a eles e só a eles cabe pelo actual desastre sem paralelo que o nosso país enfrenta.
Miguel Castelo-Branco, "Caterva":
Spain's indignado protesters face anniversary crackdown:
"In the meantime a battle for leadership of the indignado movement, and control of its social network assets, has broken out. The fight pitches purists, who do not want any formal structure or leadership, against those who complain that the movement's assembly based system is cumbersome and easily blocked by a handful of extremists."
Cá estão os brados generosos à cata do dinheiro dos outros. É claro que compreendemos bem o que se está a passar na Grécia, tal como também não são totalmente desconhecidos, os motivos pelos quais aquele país se encontra numa situação idêntica à portuguesa.
A lista de pantagruélicos indignados é aquela que se espera e espantosamente tende a perfeitamente coincidir com os artistas que fecharam os olhos ou colaboraram com todas as artimanhas daquela plutocracia tão fingidamente detestada. O povo grego "em luta contra o cortejo de sacrifícios que lhe tem sido imposto", resume-se a uns tantos milhares de radicais que em Atenas queimam prédios, lojas e o património que podem destruir ou quando lhes é possível, roubar. Os restantes gregos, uns tantos milhões que igualam o nosso número, ficam-se pelo maioritário silêncio resignado, naquela surda surpresa pela política imposta pelos mesmíssimos "mãos-largas" que a tudo recorreram para o enriquecimento ilícito, distribuindo uns óbulos pelos crédulos. Conhecem-se os nomes de casta e o apelido Papandreu é bem familiar aos nossos choramingueiros aflitos de Lisboa e arredores, com ele decerto partilhando "ideais" comuns. Entre os signatários da cartinha portuguesa, passam os vultos de afamados negociantes de causas para proveito próprio, algumas das quais situadas naquela parte do mundo onde "não existe pecado", a sul do equador. Tal como na Grécia, em Portugal instalaram o sistema da destruição maciça da indústria e da agricultura, estabelecendo loucas engenharias financeiras, prestidigitações de serviços, betonismo pesca-comissões e outras habilidades que deram sumiço aos dinheiros estruturais, uma espécie de somatório dos fumos da Índia e do ouro brasileiro.
Não nos iludamos com estes manifestos de solidariedade que são antes de tudo, um ataque preventivo àquilo que suspeitam poder ocorrer nas suas proximidades. Este cavalheirame não suporta ser desautorizado "via U.E." Não quer qualquer escândalo em termos internacionais, uma vez que o que se passa dentro de portas lhe é relativamente indiferente, tendo espalhado as suas pequenas comissões de censura muito hábeis na gestão dos previsíveis danos. O que verdadeiramente os preocupa na Grécia e em Portugal, é “a crescente fractura entre os cidadãos e o poder político". Em suma, temem pela própria barriga.
Imaginemos o que significaria a condenação da brilhante 3ª República à bancarrota? A quem poderiam estes indignados de banquete imputar as culpas, a não ser precisamente apontando o dedo à plutocracia com quem se mancomunaram e a quem pediram milhares de milhão ao longo do último quarto de século?
(Artigo publicado no n.º 3 do Lado Direito, jornal da Juventude Popular de Lisboa)
O mês que passou viu as ruas de centenas de cidades em todo o mundo serem varridas por uma vaga de indignações e ocupações. Enquanto na Europa o efémero movimento já perdeu força, nos Estados Unidos da América os ocupantes de Wall Street continuam a aumentar os seus números. Motivados pelo livro panfletário Indignez-vous! da autoria do intelectual francês Stéphane Hessel e, certamente, pelo revanchismo patente em Inside Job, uma película cinematográfica à boa maneira de Hollywood, plena de pseudo-moralismo esquerdista, os “indignados”, a começar por Hessel, acertam no diagnóstico mas falham redondamente na cura, conforme Axel Kaiser e Russ Roberts evidenciam.
Os indignados acertam em cheio quando reclamam contra a relação promíscua entre o poder político e a banca. Tanto nos EUA como na Europa, assistimos nas últimas décadas a uma convergência de interesses entre políticos e banqueiros. Os políticos expandiram o aparelho estatal a coberto do Estado Social, prometendo benefícios e direitos como forma de ganhar eleições, e ao aperceberem-se que não seria aceitável aumentar (ainda mais) os impostos cobrados aos contribuintes, descobriram que a forma que tinham de continuar a financiar as suas clientelas eleitorais e partidárias era através de empréstimos, ficando em larga medida à mercê da banca. Na Zona Euro, acresce ainda uma outra perversão, a da moeda única. Esta incentivou os países conhecidos jocosamente como PIIGS a endividarem-se a juros baixos, que se justificavam em virtude dos investidores terem encarado os títulos de dívida destes tão seguros quanto os da Alemanha, crendo que esta e a França os resgatariam se algum deles entrasse em incumprimento. Com estes incentivos, não admira que os políticos dos países do sul da Europa tivessem aproveitado a oportunidade para prometer aos eleitores mais benefícios, assim conseguindo vitórias eleitorais e alargando redes clientelares onde a promiscuidade entre políticos, banqueiros e empresários é a regra. E tanto na Zona Euro como nos EUA, a actividade dos bancos centrais é também ela perversa, pois não só criam dinheiro a partir do nada e mantêm taxas de juro artificialmente baixas, como se prestam ainda à função de credor de último recurso, resgatando bancos privados mal geridos em vez de os deixarem falir, como defende o mercado livre e o capitalismo.
Mas os ocupantes de Wall Street e os seus camaradas europeus falham redondamente quando ao criticarem este panorama o denominam como capitalista, visto que na realidade aquilo a que assistimos é mais correctamente designado por crony capitalism, ou seja, uma perversão do capitalismo em que os privados se tornam próximos do poder político e fazem depender o seu sucesso dos favores que este lhes confere. O diagnóstico dos sintomas está correcto, mas a doença não é demasiado capitalismo mas sim pouco capitalismo. O capitalismo e o mercado livre fundamentam-se, como Kaiser assinala, na concorrência entre actores privados como os bancos e empresários, na ausência de agências de planeamento monetário centralizado, na falência de empresas que são geridas de forma irresponsável, numa moeda forte que assegure o poder de compra do dinheiro das pessoas, e na ausência de relações promíscuas entre o governo e as elites económicas. Ou seja, exactamente o oposto daquilo a que vimos assistindo um pouco por todo o Ocidente.
A solução dos indignados para um problema que é reflexo da expansão do aparelho estatal é mais estado, o que é perfeitamente ilógico: é o paradoxo dos indignados. Para Hessel, se os políticos e burocratas tiverem mais poder, o sistema será menos corrupto. A evidência histórica mostra precisamente o contrário, e não é por acaso que os países mais corruptos são aqueles onde o estado e os políticos têm mais peso na sociedade. Esta solução errada baseia-se em ideias que há muito vêm fazendo escola no pensamento político, tendo contribuído para alguns dos maiores desastres da humanidade, nomeadamente a combinação entre o colectivismo e o bem comum na perspectiva de Rousseau e a rejeição da liberdade individual que é o fundamento essencial da civilização ocidental.
Torna-se, por tudo isto, perigoso que no debate público as ideias erradas dos indignados, subscritas por muitos intelectuais, criem raízes duradouras. Indignações fundamentadas em ideias erradas reflectem-se em soluções erradas, apenas agravando o problema. E é por isso que intelectuais, académicos e políticos com especial responsabilidade na criação e difusão de ideias devem esforçar-se para que o debate público não se torne, como em outras épocas, propício a que ideias potencialmente totalitárias se tornem dominantes.
José Pacheco Pereira (destaques meus):
«As "Assembleias populares" dos "indignados" são mais um dos sinais do grau zero da política dos dias de hoje. Para além do absurdo de ver cem pessoas, que depois se reduzem a umas dezenas, a tomarem-se a sério, se é que isto não é uma contradição nos seus termos, como se estivessem a governar o país, sem suscitar o ridículo geral, há quem escreva entusiasmado sobre aquele Petit Guignol, como se de um soviete se tratasse. Acresce o orwelliano tique de se chamarem "assembleias" quando são ajuntamentos ad hoc, em que ninguém representa ninguém, nem muitas vezes se representa a si próprio dado que está em estado de transe induzido, e de usarem o nome de "populares", quando, se aquilo é o povo português, eu quero emigrar para as Desertas.
Tenho pena que não tenha havido uma transmissão directa na televisão das "Assembleias Populares", e que os jornalistas, tão atentos à manifestação e à coreografia, se tivessem esquecido de ouvir os intervenientes na "Assembleia", o que seria um excelente revelador do estado daquela arte. Para além dos escassos oradores espontâneos, que não falam a linguagem do clã, terem sido desprezados, ignorados e maltratados, - um cego foi lá propor que bastavam cinco pessoas para empancarem os torniquetes das entradas do metro para se poder viajar de graça, um dos militares anónimos que fez o 25 de Abril foi lá falar das "conquista da democracia" (vaias) e pareceu aos assistentes muito "político", - o resto foi uma sucessão de discursos exaltados e muitas vezes conflituais entre participantes sobre procedimentos e o que fazer a seguir. Outro orador explicou que "eles é que deviam estar lá dentro (na Assembleia da República) porque eles é que representam o povo". Palmas. Um quadro do regime anterior ao 25 de Abril, apresentando-se como tal, veio também explicar que era preciso "defender a verdadeira democracia". Outro, teve o cuidado de dizer que ia para casa dormir mas não delegava o poder de decidir o que se ia fazer em ninguém porque ele é que era senhor do seu voto e queria exercê-lo pessoalmente. Quando voltasse, claro. Em suma, um festival.
A verdade sobre tudo isto é simples: as "Assembleias populares" dos "indignados" são uma das maiores fantochadas políticas que por aí andam.»
Um excelente artigo, a não perder, por Axel Kaiser, "The Paradox of the Outraged", de onde destaco os seguintes parágrafos:
«The perception that something is fundamentally wrong in Western societies explains why Hessel has sold millions of copies of his brief and provocative pamphlet, triggering social movements in France and Spain. It also explains the emergence of Occupy Wall Street in the United States, a movement that officially declares itself to be inspired by the Spanish acampadas ("camper-protestors"). The galvanization effect of Hessel's pamphlet has reminded us that intellectuals and opinion leaders, as Karl Popper insisted, have to be particularly careful and responsible with the ideas they proliferate. One should never forget Isaiah Berlin's warning that "when ideas are neglected by those who ought to attend to them — that is to say, those who have been trained to think critically about ideas — they sometimes acquire an unchecked momentum and an irresistible power over multitudes of men that may grow too violent to be affected by rational criticism."[1] This is a lesson of the history of Marxism and National Socialism that we cannot forget.
Dangerously, Hessel has failed to recognize that he is endorsing the same attitude that ended up in Nazism and Communism: collectivism. Indeed, both National Socialism and socialism were derived from a rejection of the individualistic philosophy that laid the foundations of Western civilization.
(...)
The fiction that government can safeguard a common good that transcends the diverse and irreducibly complex world of individual interests necessarily entails the idea that it can also provide for our necessities. This fallacy is the origin of the fatal myth of the welfare state — an idea brought about by French rationalist liberalism. This kind of liberalism, as Friedrich von Hayek noted, saw no limits in the power of human reason to plan social life and the economy, becoming thus the predecessor of collectivist movements such as socialism and fascism.
No one understood the implications of this myth better than Frédéric Bastiat, a French intellectual who is barely known in his own country. Writing shortly after the constitution of 1848 was created, Bastiat argued that unlike the Americans, who did not expect anything but from themselves, the French had transferred the province of social construction on to the abstraction of government. It was the responsibility of the state to elevate society to a higher level of morality, happiness, and material well-being.
(...)
Bastiat' s words turned out to be prophetic. The myth of the welfare state spread from France and Germany to the rest of the Western world, leading to an explosion of welfare transfers and an equal explosion of the people's expectations with regard to their so-called social rights.
Self-reliance was progressively replaced by a mentality of rights with no duties. As a result, a gigantic disconnect arose between what people are willing to pay in taxes and what they expect in return in the form of government benefits. Because promising welfare is the easiest way to win elections, politicians kept expanding the size of government over the decades. And because the public would not have tolerated an honest increase in taxes to finance the new welfare programs, governments started borrowing the money necessary to finance them. Thus, governments became dangerously in debt. Then the financial crisis came, to a large extent caused by government actions: welfare programs to make true the progressive "homeownership-society" dream in the United States created the structural conditions. Government-sponsored entities like Fannie Mae and Freddie Mac, who bought and guaranteed around 50 percent of the total US mortgage market, offered the financial vehicle to transfer the wealth; and the Federal Reserve provided the easy money necessary to finance it. In addition, the US government was borrowing and spending money at an all-time record in order to finance its warfare/welfare policies.
In Europe the situation was not that different. The creation of a single currency, again a government decision that in many cases was not even submitted to popular scrutiny through a referendum, enabled countries like Greece, Portugal, and Spain to borrow money at very low interest. The market rightly assumed that if some of these countries defaulted, Germany and France would rescue them. This explains why private investors considered Greek bonds to be as good as German bonds. Using this unique opportunity, politicians in southern countries started an orgy of credit. Their purpose was to win more elections through the promise of more welfare policies. Meanwhile, the European Central Bank was keeping interest rates artificially low, inflating housing bubbles in Spain and Ireland. For a time everyone was happy: politicians were being reelected, the people were getting new government benefits every year, bankers were making tons of money, and industries were booming. It was all an illusion. When the bubble burst in the United States, it quickly became clear that Europe's economic and fiscal situation was also unsustainable.
Now it's time to pay for the party. Inevitably, this means a dramatic reduction in our standard of living. Because people do not understand that the source of the crisis was government, as Bastiat predicted, they now go on the streets demanding even more of what caused the problem in the first place: government. That is the paradox of the outraged.»
Fernando Pessoa, "O Preconceito Revolucionário":
«O estado mental do homem que crê na eficácia social directa das revoluções é exactamente o mesmo do do homem que crê na realidade dos milagres. A crença na eficácia das revoluções pressupõe a crença na intervenção antinatural da vontade humana no curso natural das coisas sociais. Não é mais absurdo supor que determinado taumaturgo inverte, por o uso de qualidades inanalisáveis, as leis físicas e naturais [?], do que supor que um grupo de homens nascido no mesmo meio que outro grupo, educado da mesma maneira, sofrendo as mesmas influências, e com hereditariedade social idêntica, pode, substituindo-se a esse outro grupo e por o simples facto de ter ideias diferentes, agir diferentemente na vida social. Isto é tão simples!
O estado social permanece o mesmo agravado com a anarquia que resulta da substituição violenta de uma situação administrativa por outra. Os antigos detentores do poder, por imorais e corruptos que fossem, tinham, ao menos, pelo uso do poder, certa noção inevitável de como usá-lo, conheciam, pelo menos, como administrar. Os recém-vindos, iguais moralmente a eles por serem produto do mesmo meio, levam para o poder a falta de prática do poder; são fatalmente piores — intelectualmente piores. Assim, os governos revolucionários, sendo tão imorais como os governos anteriores, são intelectualmente mais incompetentes. (...)»
Como é que uma licenciada em Relações Internacionais, líder do movimento Geração Parva, agorinha mesmo na RTP-N é capaz de afirmar tamanha alarvidade como "o povo é soberano e têm que nos ouvir senão vão continuar a aplicar medidas de austeridade sem o nosso consentimento", sabendo que não existe tal entidade moral como "o povo" mas apenas indivíduos e que 80% dos eleitores que foram às urnas em Junho passado votaram nos partidos que assinaram o acordo com a troika? Haja paciência para tanta parvoíce junta. Como escreve o Rodrigo Moita de Deus no 31 da Armada, "O limite na indignação é achar que se pode mudar nas ruas o que ficou decidido nas urnas."
Estas manifestações fazem-me recordar as 5 leis básicas da estupidez humana enunciadas por Carlo Cipolla:
1) Sempre e inevitavelmente, cada um de nós subestima o número de indivíduos estúpidos em circulação;
2) A probabilidade de que certa pessoa seja estúpida é independente de qualquer outra característica da mesma pessoa;
3) Uma pessoa estúpida é aquela que causa dano a outra pessoa ou a umgrupo de pessoas, sem retirar qualquer vantagem para si, podendo até sofrer um prejuízo com isso;
4) Pessoas que não são estúpidas subestimam sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas; esquecem-se constantemente que a qualquer momento, em qualquer lugar e em qualquer circunstância, tratar ou associar-se com indivíduos estúpidos, invariavelmente, constitui um erro caro;
5) Uma pessoa estúpida é o mais perigoso tipo de pessoa que existe.
A minha indignação, Miguel Castelo Branco:
«...por ver as falsas elites - aquelas que nunca tiveram um contratempo; que têm sempre um amigo no tal concurso público; que passaram décadas a martirizar o orçamento do Estado com reivindicações, regalias e subsídios; que pediam direitos especais e favores; que enchiam os departamentos do Estado mas não trabalhavam; que achavam natural sair do país duas ou três vezes por ano para ver a tal exposição em Paris ou para se queimarem nas praias dos Brasis e das repúblicas Dominicanas, sempre servidos por criados; que nunca pensaram que o tal "socialismo" iria ser alimentado ad eternum pelos contribuintes europeus; que se mostraram ufanos por serem europeus, conquanto mantivessem os vícios de um regime social fundado na cunha, no absentismo laboral e no emprego sem trabalho; que se diziam das esquerdas e progressistas, mas renderam-se ao mais desbragado consumismo (três carros por família, computador novo cada ano, casa na cidade, casa no campo, casa na praia, cartões de crédito); que tudo fizeram para cortar os laços que nos prendiam ao mundo (o espaço português); que retiraram dos pedestais os homens que fizeram grande Portugal e descerraram estátuas a bandidos, desertores e inimigos do país; que nos idos de 74 e 75 (logo após o tal vinte e tantos da Silva) foram MRPP's ferrenhos e mais tarde tomaram de assalto os capitalistas PPD e PS; que continuam a querer a Constituição da desgraça (...) - tenham o atrevimento de pedir mais.
Tanto barulho para nada, Francisco Mendes da Silva:
(...)«Nos tempos de Fidel, a esquerda não andava para aí a pedinchar aos governos burgueses: pegava em armas e tomava o poder. Ponto. Mas isso era quando a esquerda tinha uma ideia de como organizar a sociedade. Era uma ideia errada, como tragicamente se viu, mas era algo que se podia identificar e discutir. Agora, exposta a invalidade dos seus pressupostos históricos, e na penúria de alternativas que lhe dêem uma nova razão de ser, sobram estas charadas de fim-de-semana.»(...)
Estou indignadíssimo, LA:
«Com quem ajudou a que o resultado do esforço de quem trabalha, investe, poupa e paga impostos tenha sido malbaratado durante décadas. Estou indignado com muitos dos que hoje, esta semana, este ano, descobriram este adjectivo. Tivessem memória e estariam indignados com as escolhas que fizeram, quando puderam optar e votaram nas utopias e falácias que lhes ofereciam sem etiqueta de preço. Tivessem memória e lembrar-se-iam dos muitos que sempre avisaram que chegaríamos a este estado de penúria se não se tentasse atalhar caminho noutra direcção. Faço, por isso, minhas as palavras que ouvi há pouco a um exaltado manifestante: “tenham vergonha, pá!”. Indignados ou não, serão os mesmos de sempre a pagar a factura deixada pelos incompetentes que saciaram a ambição de poder e as suas clientelas penhorando o dinheiro dos contribuintes.
Da luta à indignação, Helena Matos:
(...) «A extraordinária simpatia que este movimento colhe junto dos jornalistas leva a que uma simples noite passada ao relento por estas desocupadas e abonadas almas – não vão dizer-me que eram trabalhadores e pobres aqueles ditos indignados que acamparam no Rossio em Lisboa ou nas Portas do Sol, em Madrid, pois não? – seja transformada num acto de resistência. E sobretudo explica por que se evita perguntar-lhes não apenas do que vivem e como têm tanto tempo e dinheiro para viajar e acampar, mas sobretudo o que pensam. (...) Eu diria que chegou a hora não de os ouvir, porque não se tem feito outra coisa, mas sobretudo de lhes perguntar o que querem. Qual é esse objectivo pelo qual se propõem organizar-se até o atingir? O que é essa “mudança global” que defendem? E se os outros não estiverem de acordo? Creio que é mais do que tempo de, em termos de informação, se deixar de tratar este movimento como um acampamento de Verão ou um festival de excêntricos alternativos. Esta gente tem propostas políticas. Por sinal muito perigosas.»
Indignem-se. Mas longe destes "indignados" e outros "ocupas", José Manuel Fernandes:
«Tenho pena que os organizadores das manifestações de amanhã, 15 de Outubro, não tenham convocado também uma concentração para o Funchal. Convocaram para Angra do Heroísmo, mas não para a ilha de Jardim. Uma lástima. Tinha real curiosidade de ver quem apareceria. Talvez aparecessem os 1,7 por cento que votaram domingo no Bloco de Esquerda (menos do que os que votaram no Partido da Terra ou naquele que defende os animais), por certo com cartazes a dizerem que representam 99 por cento do povo. Ou talvez não. Talvez aparecesse o próprio Alberto João Jardim, garantidamente mais eloquente do que os “indignados” a defender “o povo” (desde que da Madeira) contra os banqueiros e contra Wall Street, contra a troika e contra a austeridade de Passos Coelho. (...) Há algo de assustador nesta ideia de que juntando umas centenas de pessoas numa “assembleia popular” em frente à Assembleia da República se está a realizar um debate mais democrático e mais genuíno do que os realizados na casa da democracia, tudo numa espécie de reedição serôdia (e por gente de barriga cheia) dos sovietes de Petrogado nos idos de 1917. (...) O nosso problema não é, ao contrário do que dizem os manifestantes, falta de democracia: é os mecanismos democráticos favorecerem as maiorias, e as maiorias só agora terem começado a perceber que o contrato social do pós-guerra é insustentável. Porém, mesmo sendo insustentável, ainda beneficia essas maiorias. Basta pensar que os reformados ou quase-reformados de hoje dificilmente aceitarão diminuir os seus benefícios pois eles são palpáveis, ao mesmo tempo que os jovens de hoje ainda estão demasiado longe das suas reformas para perceberem que já não as terão. É por isso que é tão difícil formar maiorias democráticas favoráveis às mudanças necessárias.
É bom sonhar, mas a política faz-se com os pés na terra. Pelo que todos os que dizem querer manifestar-se contra tudo o que o capitalismo causou de mal ao mundo livre devem começar por lembrar-se que, sem capitalismo, não haveria mundo livre. E que sempre que se quis acabar com o capitalismo também se acabou com a liberdade.»