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...ou como ele gosta de referir, sentido de Estado, nestes tempos onde o vale tudo faz escola diária, num sentido sem sentido algum.
MRS ontem respondeu a quem o interrogava acerca das eleições brasileiras, com o clássico ..."não comento eleições noutros países".
Certo.
Hoje, não resistindo a mais uma trica politicamente correcta, resolveu iniciar o discurso com ..."um dia de más notícias", logo rematando com o "extremismo, racismo, xenofobia", etc. Sem dizer um único nome, todos entenderam e o alvo também, é quase certo que por lá terá quem lhe puxe pelo cotovelo e lhe segrede o dito ao ouvido.
Errado.
Brilhante sentido de Estado, para quem num futuro próximo forçosamente sentar-se-á diante do potencial dirigente do país que não é nada mais, nada menos, senão o principal integrante da CPLP.
António Costa confirma mais uma vez a sua falta de decoro e respeito pelas vítimas mortais dos incêndios e seus familiares. O primeiro-ministro deve estar tão desesperado que procura comprar a qualquer custo a amizade dos bombeiros. O décor do estúdio da entrevista concedida à TVI é uma afronta, um insulto, e de uma falta de nível sem igual. A telenovela nem sequer é mexicana. É mais reles. Na tentativa de apaziguar ânimos, um santuário foi montado, mas faltam elementos à narrativa. A disposição de ferramentas de combate ao fogo foi estudada ao pormenor, mas tal como o Siresp, tem falhas. Vejo a picareta, mas onde está a foice? Por esta ordem de ideias de "presença de espírito", a entrevista poderia ter sido conduzida numa agência funerária ou numa unidade fabril de co-incineração. Não sei quem anda a mamar o fee de consultor de comunicação política, mas deve ser da oposição. Apenas um inimigo visceral poderia propor tamanha falta de gosto e dignidade. Esta encenação, contudo, tem razão de ser. O adversário de António Costa não é o Presidente da República - isso é apenas para inglês ver. Marcelo Rebelo de Sousa não é um lobby, nem sequer tem um sindicato. Serão os bombeiros que poderão tornar a vida difícil ao chefe Costa. Jaime Marta Soares é uma espécie de Arménio Carlos dos bombeiros e já avisou que fantasias e devaneios de António Costa não serão tolerados. Portanto, é essencialmente de isso que se trata. Este cenário pimba-político inscreve-se na narrativa da geringonça - ganhar os favores de funcionários públicos e tentar tornar adeptos aqueles que escapam ao controlo puro e duro. A tarde é sua. Do António Costa.
Nota: a ideia da imagem Playmobil devo-a à Isabel Santiago Henriques. Vi-a na sua página de Facebook. Ao contrário de outros, não ando a roubar na estrada "originalidades alheias"...
Os portugueses estão lentamente a acordar para os efeitos da bomba atómica. A austeridade, pela sua natureza, e atendendo ao seu DNA de deconstrução, não conhece limites e ignora tabus. As pensões de sobrevivência, julgar-se-ia, que seriam o território sagrado da dignidade económica e social, uma espécie de fronteira de uma terra proibída. No mesmo saco semântico colocaram distintos significados. De acordo com o governo, as pensões que se somam a outras pensões serão as únicas visadas pelo corte e, por forma a dar a impressão que mexem noutros privilégios fiscais, anunciam quase em simultâneo o fim dos incentivos fiscais aos carros de serviço. Pelo alinhamento de decisões até parece que um facto anda a reboque do outro, que a figura de chauffeur viúvo nos conduz para além do drama fiscal directamente para uma utopia de mau gosto. Com as amostras de gestão (sob os auspícios de ajuda externa) que o governo nos concede a bom ritmo, repesco o aviso: tenham medo, muito medo. Os portugueses já perceberam que todas as barreiras morais serão quebradas, menos aquelas onde uma verdadeira reforma do Estado deve ser realizada. A seguir aos vivos (mas por pouco), nem mesmo os mortos serão poupados. Ainda vamos assistir a algo inédito do ponto de vista existencial, transcendental. Claro está que existem casos perfeitamente identificados de indivíduos que acumulam pensões e outras regalias. Esses são velhos conhecidos da política portuguesa. Uns estão no activo, outros já prestaram serviços à nação a troco de um módico. O sistema que agora se afunda é um produto complexo, nascido a partir de distintas representações ideológicas de Portugal. Não há diferença entre a esquerda ou a direita (ou o que resta dessa classificação); foram todos co-autores do falhanço e da plantação de mecanismos de salvaguarda dos privilégios da classe política. Fica mais que patente que a troika não quer saber como o dinheiro aparece, desde que apareça. Que eu saiba, sugeriram a reforma do Estado como eixo justificador dos fundos, mas os artistas nacionais parecem andar a brincar às escondidas, evitando a todo o custo enfrentar a música de uma reforma estrutural profunda. No meio da confusão, o tribunal constitucional, faz cara de poker; por um lado invoca a sacralidade da constituição para defender direitos adquiridos pelo 25 de Abril (agora vendidos ao desbarato pelos herdeiros desse legado) e, por outro lado, funciona como um retardador de um processo que dificilmente conhecerá inversão de marcha (ignorem as promessas de Seguro, de nada servem). Se o contribuinte ainda respira, significa que é mais que elegível para pagar a factura. E se não se mexe será apanhado pela certa de outra forma criativa. Portugal entrou definitivamente no calvário cuja agonia não parece ter fim. Gostaria de acreditar que ainda existe salvação para este estado de calamidade, mas os indícios não são nada bons. Existe algo maior que indicadores económicos e exportações em crescimento, e isso chama-se o espírito de um povo. E quando este se quebra, é muito difíicil levantar do chão aqueles que se encontram derreados, acabados.
Não conheço as noites de papelão. Aquelas passadas no mármore da avenida onde afirmam que o ar gélido passa a correr, para ir morrer na parte baixa da cidade. Não sinto as mãos, o tronco e os membros da minha família. O bafo que me sai das entranhas, aquece a ponta do nariz enquanto farejo a urina deixada na sarjeta, que passei a ser. Naquelas horas da natureza, que dizem pertencer aos grilos, escutei vozes, atei a trouxa ao pulso aberto pelo cordel - a corda que enforca o horizonte que já não avisto. Estou deitado no passeio junto a um copo e o mundo. Corpo imundo. Nada tem de ser dito porque o fétido emana como a última vela de um santuário arrendado, arredado de si - põe-te daqui para fora -, mas que permanece nessa caixa que em tempos albergava o espírito, o pai nosso divorciado de si. E se me esquecer de alguns detalhes quando a polícia me deitar a mão, direi que está tudo assente num livro de penúrias, escrito nas linhas rugosas da minha cara, nos vincos que migraram das palmas, dos aplausos de dignatários que inauguraram a dependência bancária e me encerraram neste estado que já não sinto, que não sentimos.