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Desde que me lembro de ser pessoa que me recordo desta fonte, encimada pela esfera armilar, no jardim de Ferreira do Zêzere. Existem até fotografias de momentos que aqui passei de que nem sequer me recordo. Até há alguns anos, sempre que atravessava o jardim em tempo de férias de Verão, nunca o fazia sem colocar os dedos de uma mão dentro da fonte, dar uma volta à mesma e depois sacudir a água antes de seguir o meu caminho. Não me lembro quando deixei de o fazer. Talvez tenha sido quando me tornei "crescido". Mas esta fonte que marca as minhas memórias de infância mais remotas, relembra-me sempre certas coisas que se solidificaram e vão solidificando na minha mente, umas mais concretas e permanentes que outras. Sempre que venho a Ferreira, há algo novo na vila, algo que mudou, algo que foi relegado para a categoria das coisas efémeras, temporárias, como quase tudo o que se vive na sociedade contemporânea. A fonte está sempre na mesma. Dá-me uma sensação de permanência, até de eternidade e de mortalidade, porquanto aquelas memórias parecem ter acontecido ontem, mas afinal algumas até ocorreram há mais de 20 anos, e a fonte aqui continua. Só através das coisas permanentes é que a vida pode ganhar sentido. No próximo Verão, quando a fonte estiver a correr, vou voltar a colocar os dedos dentro desta, dar uma volta e sacudir a água. Depois, como hoje, como ontem, como sempre, enquanto possa, vou caminhar por aí com o meu avô, vou-lhe contar os disparates que tenho feito e ele vai-me dar mais umas ideias e lições de vida. Fica sempre por saber se as aprendo ou não.
Dedicado ao Lycée Français Charles Lepierre, o liceu francês de Lisboa, que ontem celebrou sessenta anos de existência. Bon Anniversaire, mon vieux!
que a isso obrigou o dia encharcado de ontem, e era vê-los, quase tão leves quanto as andorinhas que, breve, breve, lhes virão disputar o espaço, depois de fazerem os ninhos nas tílias que, também logo, logo, hão-de ficar assim, verdes, na Primavera que se vai anunciando já, ainda que de uma forma intermitente.
São os reformados, que marcam para aí encontro, no quotidiano dos dias marcados pelas partidas de sueca e por conversas deles, e que vieram substituir no Paul, que um dia chamei meu, as crianças que um dia fomos.
grande parte desse mundo maravilhoso encontrava-se por detrás destes muros.- para lá do portão, em cima do Paul, estava a Quinta que nos fazia sonhar: todos nós queríamos um lugar para nos pendurarmos nos seus ferros a fim de vermos a casa linda que estava lá ao fundo da comprida alameda, ladeada de buxos.
E um dia o fascínio tornou-se ainda maior: a cada sábado a mãe mandava-nos lá buscar flores, essas flores de que o caseiro, o senhor Manuel, tão bem tratava- era um gosto olhar aquela imensidão multicolor de dálias, zinas,rosas ou gladíolos.
Nesse dia fora com ele cortar as flores, e detive-me frente a uma pequena casa, no género das do Portugal dos Pequeninos, mas em granito, e que já vislumbrara do portão. Espreitei por uma das janelas, e vi esse bocado de mundo ainda mais maravilhoso do que aquele que estava cá fora: fogão, armários, tachos, tudo em miniatura, e no meio de tudo isto, uma mesa rodeada de cadeiras, em que estavam sentadas, a tomar chá de requintadas xícaras, quatro bonecas.
" É da menina de Lisboa ", disse o senhor Manuel...
Lembrei-me de uma patifaria, de que tinha já falado no outro blogue: era o Natal dos meus seis, sete anos- e penso-o assim porque havia já algum tempo que me tinham caído os dentes de leite- ; na véspera colocáramos, como sempre, cada um de nós, um sapato no fogão de lenha, e só íamos ver os presentes na manhã seguinte, assim que os pais autorizassem.
Dessa vez fui a primeira a chegar, e vi que no meu sapato estava um fantoche de uma velha desdentada, enquanto no de uma irmã mais nova estava uma princesa de vestido azul e coroa- trocá-los foi uma questão de segundos.
Quando a minha irmã chegou e viu o que lhe coubera em sorte, lamentou-se:-" O Menino Jesus enganou-se; eu não sou a mais velha. "
E, claro está, que os meus pais nada puderam dizer...
dirigido por uma senhora comentarista ao Nuno, e não pretendendo sequer chegar aos calcanhares dos irmãos Castelo-Branco ( levados da breca! ), ou da senhora comentarista, declaro-me uma " quietinha ", que, o máximo até onde ia era o roubo de uns ovos da capoeira materna, para fazer gemadas à socapa.
Nem por isso me livrei do epíteto de Maria-rapaz, só porque, tendo como únicos parceiros de brincadeira, antes de ir para a escola, quatro irmãos, pedi à minha mãe um pião e respectiva fieira, quando era suposto brincar às casinhas. Tive de esperar a vinda de uma irmã, pois...
com Helena Branco, falávamos nós nas paragens que o comboio faz nos apeadeiros, referi que quando íamos no da linha do Tua, a caminho de Mirandela, aproveitávamos essas paragens para apanhar nas ramadas os gaipelos que tinham ficado após as vindimas- passava-se isto nos fins de Setembro.
... a lembrar aqueles dias lindos de Outono em que, munidos de canas fendidas, os rapazes, seguidos por um bando de raparigas, que não queriam perder a oportunidade de comer uns bagos, iam fazer a " limpeza " final, prendendo o caule dos pequenos cachos, que, por serem pequenos, tinham sido desprezados pelos vindimadores, na fenda da cana.
Os pássaros que por ali tinham ficado, a aproveitar os restos de sol, já nada iriam encontrar...
que queria falar no Tirol, um cão que me foi muito especial, que me acompanhou durante toda a infância.
Quando vi esta fotografia num blogue amigo, pensei " é hoje! ", porque apesar de o "meu" ter sido mais pequeno, é muito idêntica a imagem que dele guardo.
Teria quatro, cinco anos, o mês era o de Setembro, pelo que estávamos na Póvoa de Varzim. Uma manhã, estava a minha mãe a chegar da padaria, encontrou o Tirol enroscadinho junto à porta: estava uma daquelas manhãs ventosas, e procurou aí aconchego. Adoptámo-lo logo; amor à primeira-vista.Para a então irmã mais nova, que começara a falar havia pouco tempo, ele tinha um outro nome, de uso privativo- era o Quim-Quim, ninguém sabia porquê.
Tinha pêlo comprido, castanho-dourado, semeado de madeixas num castanho mais escuro. Era muito meigo.
Desde então, e até que morreu de velhice, o Tirol foi um dos "nossos"...
No Moçambique dos anos 70, a parte final da nossa infância decorreu normalmente com o cumprimentos das obrigações escolares, que, decorridas mais de três décadas, podemos julgar como bastante exigentes e disciplinadas. Beneficiando da amplidão dos espaços, magnífico clima e natureza generosa, a miudagem muito tinha por onde escolher onde e como gastar o seu tempo livre. Naquela altura, os dias pareciam mais longos e as férias eternizavam-se e claro está, a consciência do passar do tempo era obnubilada pela praia, conversas com amigos nos jardins ou jogos.
Não existia televisão, pois a definitiva instalação da RTP-Moçambique estava, creio eu, prevista apenas para 1976, novidade esta que aguardávamos com natural ansiedade. Mas não existindo fisicamente o móbil do interesse, não se dava pela sua falta. As tardes de domingo eram passadas no cinema, as matinés, como dizíamos. As salas estavam cheias de miúdos e víamos os filmes próprios da nossa idade - e alguns hoje politicamente muito incorrectos -, com coboiadas-chacinas, inverosímeis aventuras rodadas por Hollywood e evidentemente, os espectaculares clássicos que nos remetiam para uma imaginária Antiguidade recriada ao som de trombetas nada romanas, refulgentes galeras, bigas e canastrões faraós vingativos e belicosos. Adorávamos ir ao Centro Paroquial da igreja de Sto. António da Polana que possuía uma magnífica sala de espectáculos, sempre a abarrotar de infantis cinéfilos.
O pai de um amigo nosso era um fanático pelo modelismo e de tanto o visitarmos, apanhámos a doença. O homem possuía uma impressionante colecção de veículos militares por si montados em plástico, perfeitamente construídos, pintados fielmente com a camuflagem regulamentar e alguns, até já denotando muito serviço, uma vez que a habilidade do homem era tal, que se alguns tanques estavam cobertos de evidentes sinais de lama, outros pertenciam a cenários desérticos, onde a neve russa ou o simples pó típico da Líbia, eram o sinal identificador da frente de combate a que imaginariamente pertenciam.
Eu e o Miguel caímos na armadilha e dela não conseguimos sair durante muitos, muitos anos. Na Baixa de Lourenço Marques, mesmo ao pé do famoso café Continental e numa das ruas laterais do John Orr's, existia uma loja especializada naquilo a que chamávamos de "montagens". Na Modelândia havia de tudo, desde os Legos aos Meccanos, comboios de boas marcas como a Marklin - que lindos eram - e claro está, castelos em plástico para os aficionados da época medieval. Tivemos - e ainda existe - um grande castelo com altaneiras torres, ponte levadiça, poço, onde cavaleiros de armadura, peões e armas de cerco compunham um quadro medieval que nos remetiam para uma Europa distante na geografia, mas sempre presente através do programa escolar que inculcava em todos um certo portuguesismo hoje praticamente extinto. É evidente que os homens de armadura com a veste branca e a cruz vermelha dos cruzados, eram para nós, os cavaleiros portugueses da Ordem de Cristo e os outros, invariavelmente, castelhanos, claro está...
Com o passar do tempo, eu e o Miguel também passámos por diversas fases do interesse por estas coisas e logo, a época napoleónica atraiu a nossa atenção. Comprámos caixas de soldadinhos feitos de plástico e que eram e ainda são produzidos por uma empresa inglesa denominada Airfix. Tropas de cavalaria, infantaria e de artilharia francesa, inglesa e prussiana encontravam-se à disposição, podendo nós recriar pequenas Austerlitz, Borodino, Waterloo ou Buçaco, onde os amigos ingleses acompanhados de tropas prussianas que faziam a vez dos portugueses - a Airfix não se lembrou de nós... -, derrotavam os invasores. Ficámos encantados com a monumental série de três filmes da Guerra e Paz rodados na então União Soviética, obra de grande realização técnica e logística, onde foram recriadas algumas das batalhas da invasão bonapartista. Recordo-me perfeitamente - e o youtube confirma-o, pois existem bastantes trechos do conjunto - da impressionante mobilização de recursos que o cinema russo conseguiu, não hesitando recorrer ao concurso de grandes hostes de soldados do Exército Vermelho fardados a rigor. Os três filmes eram longos, perfeitos na recriação da época e sobretudo, didácticos. E isto, numa época em que Portugal e a URSS eram indirectamente inimigos em várias frentes de guerra em África!.
A fase final e mais longa do nosso interesse por estas coisas, consistiu então, no encantamento pela construção dos modelos de blindados em plástico. Naquela altura, não tínhamos muito por onde escolher, uma vez que a hegemonia da Airfix na escala de 1:76 era esmagadora, senão total. Assim, fomos forçados a criar unidades nas quais se repetiam os veículos de uma certa categoria, coisa que afinal acabava por corresponder à realidade. Ao longo dos tempos fomos colando milhares de peças, pintando as camuflagens específicas e por vezes, aborrecidos com a monotonia, lá deixávamos os modelos mergulhados em lixívia - a que na altura chamávamos água de Javel - durante 24 horas, para depois de desaparecida a primitiva pintura, voltarmos a prepará-los para outro cenário de batalha. Isto durava dias, semanas e meses. Fomos aos poucos conhecendo outros malucos que como nós criavam os seus exércitos caseiros e assim, surgiu a oportunidade de alargarmos as nossas campanhas, tornando-as mais competitivas e atenuando as rivalidades fraternais. Criámos uma espécie de clube de modelistas e organizámos um bastante intricado manual de instruções - que ainda existe! -, onde as características de cada blindado eram criteriosamente anotadas e que no plano do jogo, faziam valer a sua força ou fraqueza, consoante os casos. Conhecíamos de cor os nomes dos veículos - os Matilda, Valentine, KV I, KV II, T-34, JV Stalin III, Tiger, Panther, Stugs, Hummel, Brumbbar, Hetzer, Wespe, Churchill, Meteor, Sherman, Lee, Grant, Jagdpanther, Jagdtiger, Chi-Ha, M13-40, Chaffee, Buffalo Matador, etc - a espessura das blindagens, o alcance dos canhões, capacidade de perfuração, velocidade dos tanques, jeeps, camiões, meias-lagarta, canhões auto-propulsionados, etc. Existiam mapas que inicialmente eram puramente imaginários, com rios, montanhas, florestas, cidades,campos de aviação, fábricas, estradas, minas e portos. Num dado momento, todos decidiram que a melhor opção seria a de recorrer à realidade aproximada e assim, lá nos debruçámos sobre os verdadeiros mapas deste nosso mundo e fomos obrigados a conhecer detalhadamente a geografia e os recursos dos países que nos interessavam. Acreditem que toda esta pesquisa nos ajudou, pois sem disso termos consciência, estávamos a estudar. O nosso manual de regras inventou alíneas diplomáticas e como seria evidente, algumas amizades plasmaram-se no jogo através de alianças nos inventados conflitos. Estas alianças também obedeciam a certas necessidades, pois se alguns preferiam construir modelos de veículos terrestres, outros eram obcecados por aviões ou navios, o que lhes dava poucas possibilidades nos confrontos. Havia então, de coordenar esforços e encontrar aliados que suprissem deficiências. Passámos centenas, talvez milhares de horas nisto e para grande arrelia dos nossos pais, nas férias já nem íamos à praia, piscina e não brincávamos na rua ou no quintal. Logo pelas oito da manhã - em África os afazeres quotidianos iniciavam-se muito cedo - começavam a chegar os parceiros e lá íamos todos continuar a batalha, a partir do momento em que na véspera tinha sido suspensa. Isto, durante dias a fio. *
Em 1974 tudo mudou, quando os nossos pais acertadamente decidiram vir para Portugal e tivemos que deixar alguns dos nossos modelos, principalmente os aviões e os navios que tanto espaço ocupavam nas caixas. Os veículos terrestres - que na altura rondariam umas cinquenta peças - vieram todos e os tempos que passámos no Parque de Campismo de Monsanto foram também preenchidos, agora a dois, com as mesmas brincadeiras que tínhamos há pouco interrompido. Em Lisboa descobrimos outras marcas às quais jamais tivéramos acesso em Lourenço marques e assim, para a colecção entraram modelos da Matchbox, Hasegawa, Fujimi ou da Esci. Em vez de uma Modelândia, aqui existiam muitos mais locais de compra e os preços eram razoáveis, embora possuíssemos pouco dinheiro para gastar. Conseguimos encontrar exemplares que jamais construíramos e que apenas conhecíamos por fotografias ou documentários no cinema ou na RTP.
É claro que os anos foram passando e o interesse esmorecendo. A colecção chegou a mais de duzentos modelos, dos quais apenas alguns podem ser vistos na foto que abre o post.
Ontem, ao arrumar um armário onde guardo tintas e vernizes, decidi dar-lhe uma vista de olhos e partilhar este segredinho convosco. Estão praticamente intactos e conservados em caixas empilhadas numa prateleira. São algumas memórias materiais da nossa infância - minha e do Miguel - que guardarei e para vos dizer a verdade, ainda há uns dias, nas Amoreiras, parei diante de uma loja da especialidade para ver as novidades. E o que há de novidades! Hoje vendem-se modelos provenientes da Rússia, China, Polónia, e de outros países de que jamais suspeitaríamos como fabricantes de modelos. Se ainda existem miúdos interessados por estas coisas, devem ser felicíssimos. Até Portugal produz algo, mas respeitando a sua perdida tradição marítima, exporta para o mundo os modelos de navios de quatrocentos e de quinhentos, aqueles mesmo que de nós fizeram a gente que fomos.
*Desconfio muito de uma coisa. Nos anos 70, se o Samuel fosse da nossa idade, aposto que também faria parte deste grupo de malucos das estratégias... É ou não é, Sam?
o mês de Setembro,sabíamos já que tinhamos uns dias ainda para preparar o regresso às aulas. O ano escolar iria começar, invariavelmente, no dia sete de Outubro.
Neste caso, o começo da vida escolar. Não me lembro de nenhum outro primeiro dia de aulas, mas tenho bem presente aquele em que pela primeira vez entrei na Escola Primária. Acompanhava-me um irmão mais velho, antigo aluno da Dona Maria, que iria ser a minha professora durante os quatro anos. Lembro-me de me ter sentido bem, não só pela proximidade da casa da avó, mas porque a afabilidade de todos me fizeram pensar a Escola como que a extensão da casa paterna, com a diferença de que ali encontrei muitas crianças da minha idade com quem, tinham-me dito em casa, iria brincar...
de pela primeira vez ter ido ao cinema, vi aquele que considero ter sido o primeiro "filme para adultos", pois que foi então que me dei conta de que a vida é feita de várias cores.
Fazia nove anos nesse Domingo, e o filme, «Oliver Twist», estava classificado para doze anos, mas o meu pai disse ao porteiro- velho conhecido- que os fazia nesse dia. Não sei se acreditou, mas terá pensado que a diferença de idades não me seria prejudicial...
foi o meu «Cinema Paraíso».
Foi no Carnaval dos sete anos; íamos, todos os irmãos, pela primeira vez ao cinema, ver «Cinderela», de Walt Disney.
Lá chegados, claro que o primeiro fascínio foi o próprio edifício, tão grande e tão bonito.
Veio depois, ainda antes de começar o filme, o deslumbramento ao vermos todas aquelas serpentinas , que nunca tínhamos visto, inundarem a plateia, lançadas dos camarotes.
Mas a magia ia continuar na grande tela, quando começamos a ver aqueles desenhos: guardo muito nítida a imagem dos passarinhos e dos ratinhos a costurarem o vestido que a Cinderela levaria ao baile, e lembro de como essa e outras peripécias foram o assunto de conversa entre nós, nos dias que se seguiram...
Quando o filme acabou, cada um de nós carregou um bom bocado de serpentinas, que jaziam no chão, e, quando chegámos a casa, cobrimos de papéis coloridos o diospireiro, que, naquele mês de Fevereiro, tinha ainda os ramos nus.