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Mário Centeno não é Sinel de Cordes. O ministro das finanças pratica outro género de humor. A sua comédia é mais do tipo absurdo. Agora anda a pedir para que invistam em Portugal. E aqui reside uma grande parte da contradição. Portugal não é, decididamente, investor-friendly. Se esta malta da geringonça fosse inteligente já teria criado onshores - zonas de exclusão fiscal no país continental, e em particular nas zonas mais afectados por altas taxas de desemprego, pobreza crónica e ausência de tecido industrial. Simples. Já teria criado mecanismos de financiamento ao nível autárquico como acontece nos Estados Unidos - nunca ouvi falar de municipal bonds - títulos de dívida para financiar obras em concreto que se venham a desenvolver nas autarquias. Mas há mais matéria de nível infantil que não está a entrar na cabeça de Centeno. Um dos pressupostos que empresta confiança a um país consubstancia-se no seu grau de checks, controls and transparency. Ora a Caixa Geral de Depósitos está a ser protegida pelo governo que não apoia a ideia de uma comissão parlamentar de inquérito a seu propósito. Por outras palavras, um investidor estrangeiro nem sequer pode contar com o due diligence do governo nacional. Depois somos confrontados com outra barbaridade do mercado contaminado por preferências ideológicas. As "desprivatizações" em curso enviam um sinal claro a potenciais investidores - Portugal tem sintomas de Venezuela. E isso segue em sentido contrário à ideia de investimento seguro. Sabem lá essas multinacionais se a geringonça de repente decide afiambrar-se do que não lhe pertence com uma taxa inventada à pressão? O Commerzbank tem razão no que afirma. Portugal inverteu o rumo iniciado pelo governo anterior, mas essa mudança de sentido de marcha não melhorou nem o nível de vida dos portugueses nem as condições de atracção de investimento directo estrangeiro. O Centeno e os outros que andam em Paris nem sequer são capazes de esboçar um pacote de oferta para aqueles que venham a ser intensamente afectados pelo Brexit. Afinal o que anda Centeno a inventar para captivar algum incauto? Só pode ser ficção. Um conjunto de baboseiras.
Cumprindo a promessa de escrever sobre a saúde, abro as notícias hoje e vejo uma notícia que me agrada sobremaneira não tanto pelo assunto per se, que é sempre trágico, mas por que constato que foi publicado um estudo que comprova aquilo que era até hoje uma observação empírica. Agrada-me o conceito de Medicina Baseada na Evidência. Aliás, por vezes considero que seria benéfico a própria política começar a basear-se na evidência - será um tópico a desenvolver futuramente.
Decorre neste momento em Amsterdão um dos Congressos mais importantes de Oncologia (para os curiosos, vejam aqui) e é sempre um momento alto dos investigadores e médicos pois as novidades e notícias são mais que muitas e hão-de alimentar as conversas entre os cientistas durante os próximos meses. São encontros pautados pela excelência.
Num dos painéis do Congresso foi apresentado o resultado de um estudo que relaciona a quantidade de recursos investidos na saúde com aquele que é o derradeiro índice de qualidade do sistema de saúde: a mortalidade. Quem trabalha em saúde habitua-se a pegar nos artigos, passar pela introdução e pelos métodos na diagonal e ir directo ao assunto: a discussão e conclusão. A pergunta que habita os espíritos é quase sempre a mesma: "Mas depois disto tudo, morre-se menos?"
Como a peça jornalística está sucinta e bem escrita limito-me a retirar aquela que me parece mais pertinente, que é a conclusão:
"quanto mais dinheiro se destina à saúde, menor é o número de mortes após o diagnóstico de um cancro e que esta relação é "mais evidente" no caso do cancro da mama. Os investigadores também observaram que, apesar de todas as iniciativas para harmonizar as políticas sanitárias públicas, existe uma "diferença significativa" entre o gasto sanitário e a incidência de cancro nos 27 estados da União Europeia, que é ainda mais clara entre os países europeus orientais e ocidentais."
Este é só mais um argumento para se defenderem políticas públicas de saúde pois, sabemos bem, quando a saúde se transforma num negócio puro e simples, há os que podem e os que não podem pagar os cuidados de saúde e sobretudo verifica-se da parte dos diferentes prestadores de serviços ( e aqui refiro-me aos privados) um fenómeno que é perverso quando o lucro é um objectivo: as poupanças a todo e qualquer custo.
A reportagem que a SIC transmitiu ontem no seu jornal das oito sobre a aquicultura em Portugal foi esclarecedora das dificuldades colocadas pelo Estado aos empresários portugueses. Espanha produz 250 mil toneladas de peixe em regime de aquicultura, sobretudo na Galiza, e o Estado facilita e incentiva a actividade não só por razões económicas mas também para contribuir para a independência alimentar do país. Por cá, passa-se exactamente o contrário: o Estado levanta mil e um obstáculos que demoram anos (foi relatado o caso de um projecto que, após seis anos, continua sem poder avançar) até serem ultrapassados, provocando a desistência e mesmo a falência de empresas investidoras. E a independência alimentar, então, é algo que não preocupa minimamente as autoridades portuguesas. O resultado é que, apesar das enormes potencialidades (basta pensar na Ria de Aveiro, nos estuários do Tejo, Sado e nas muitas barragens) e da importância para o abastecimento do país (já que a Política Comum de Pescas é o que se sabe) Portugal só produz 10 mil toneladas anuais.
"Quinta" da Pescanova na Praia de Mira (imagem Google Earth)
É claro que, com empresas estrangeiras já o caso muda de figura. Sobretudo quando a empresa é espanhola e o governo é socialista. Quando a Pescanova quis construir um gigantesco complexo na Praia de Mira (os tanques ocupam uma área de um quilómetro de comprimento por duzentos e setenta e cinco metros de largura), em plena zona protegida da Rede Natura, o governo de José Sócrates não só permitiu como ainda deu 40 milhões de euros para o projecto, que em menos de dois anos começou a funcionar.
Para os portugueses - isto é, os que seguirem os trâmites estabelecidos - , só dificuldades. Para o investimento estrangeiro, tratamento VIP.
Parabéns à SIC pela excelente e esclarecedora reportagem.
A crise financeira que eclodiu em 2008, e rapidamente se transformou em descalabro económico em vários países desenvolvidos, arrastou para o centro da arena o debate sobre os malefícios do capitalismo, a amnésia da política em relação às questões sociais, o enriquecimento de uns versus a pobreza de tantos. Nunca na história recente das nossas sociedades o conceito de riqueza havia sido discutido de um modo tão apaixonado. Nunca haviamos sentido esta clivagem de um modo tão visceral, de um modo tão mediático e contestatário, expressivo. E desse estado "gustativo" brotaram questões que sintetizam esse mal estar. Se é imoral ou não a ascensão económica que conduz o indivíduo à fortuna incalculável? Se há dignidade na fortuna? Ou se é possível enriquecer sem cometer ilícitos? As questões que configuram uma aparente simplicidade ética, exigem uma resposta mais elaborada, mas porventura incipiente e contraditória. Desde já poderemos afirmar de um modo empírico, que nenhum ser humano é "regressivo e auto-destrutivo". O homem procura sempre mais e exige sempre algo melhor. Contudo, esse processo não é reflexivo, nem epistemológico. Não põe em causa o significado da sua missão, nem as consequências que resultam desse acto de fé. Prostrados que estamos, somos obrigados a responder a um longo inquérito de deves e haveres. A uma extensa lista de deveres adiados. No cruzamento histórico em que nos encontramos várias propostas dissonantes estão sobre a mesa. Austeridade ou estímulo económico? Despesa pública ou iniciativa privada? Nessa procura de soluções, a política monetária e a política fiscal parecem ter destronado a política no seu sentido clássico. Ou seja, a capacidade de pensar o conceito estratégico de um país. A identidade económica que distingue um país dos demais e que concede uma relativa vantagem competitiva. Mas não é essa linha de argumentação que procuro explorar neste texto. Estou mais preocupado com os efeitos psicológicos da falência. O modo como os indivíduos irão procurar um modo alternativo de compensar a falta de remuneração sem ter de emigrar, sem ter de abdicar da ligação umbilical às suas tradições, à sua história e à sua língua. Convém pensar no mundo enquanto entidade contínua. Um corpo económico interrompido por processos burocráticos, costumes locais, regulamentos, regimes políticos e comportamentos sujeitos à dinâmica de uma cultura global com origens numa terra de ninguém. Um sistema totalmente escancarado que permite transferências de energia à revelia de nacionalismos económicos ou patriotismos bacocos. E é aqui que entram as acções. Não me refiro às acções humanas. Falo de algo diverso. Uma palavra politicamente incorrigível nos dias que correm. Um termo que traz algo no bico, no pico da sua expressão, no fundo da sua queda. A materialização de todos os males do capitalismo, associada a um outro pecado, ao tabu da especulação - os títulos negociados em bolsa. As acções que causam prurido e geram malentendidos no seio de socialistas que apenas acreditam na força do trabalho como forma de sustento. O crédito, para que fique assente, precede a existência física de divisas - o dinheiro no sentido quotidiano e que tilinta nos nossos bolsos. As acções também encerram em si o "acreditar" no projecto, no edifício que alguém deseja erguer. Nesse sentido, ao adquirir acções estou a emprestar dinheiro a uma entidade que opera no mercado, na economia e que gera emprego. Do ponto de vista do investidor, corro o risco da possibilidade de ser remunerado pelo depósito de confiança que efectuo. E não vejo nenhum mal nisso. Ironicamente, deter acções é participar numa empresa na sua expressão mais colectiva. O problema que um país enfrenta, no auge de uma recessão, tem a ver com a forma como os meios financeiros são aplicados por parte de investidores, sejam pequenos ou colossais. Convém pensarmos no próximo ciclo, na fase temperada por desígnios de poupança. A questão que será colocada por aforristas prende-se com a noção de remuneração. Um país tem de criar condições de atracção de capital. Se não o fizer, as acções de empresas de outros países serão procuradas. O dinheiro não permanece trancado na penúria. Procura o destino mais aprazível. Ao comprar acções de um empresa Brasileira ou de uma holding da Malásia estamos efectivamente a gerar emprego e inovação nesses países. E é bom que se tenha isso em conta. Por vezes as acções valem mais do que as palavras...