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Ainda acreditam nessa história do Ano Novo? 2017 não passa de um estágio temporal em segunda mão. O governo de geringonça também não é novo - é mais de terceira mão. A presidência dos EUA, essa sim, é nova, original. O que se passou em Istambul, ainda não havíamos escutados as 12 badaladas, serviu para varrer as incongruências da natureza humana, ingénua e carregada de esperança festiva perigosamente naive. A tensão pré-orgásmica que conduz à falsa percepção de mudança não tem cura. Chamem-me de cínico, mas já começamos a ter idade para deixar de ir em cantigas. Vamos a factos domésticos em primeiro lugar. Os portugueses acordaram dia 1 de Janeiro de 2017 com uma diminuição efectiva do seu rendimento disponível. A fórmula do engano e decepção parece ser a mantra de governação, com o apoio de jornaleiros amigos - "nem todos os aumentos são maus" - bonito, linda esta afirmação. Como sempre, as estatísticas e os velhos servem para justificar as decisões mais bicudas - a população portuguesa está a envelhecer. Agora elevem ao quadrado a mensagem de serenidade e paz interior, e vejam como estamos mesmo preparados para um mundo cada vez mais hardcore - Guterres não é o Papa. Enquanto rezam as praxes de estabilidade social e harmonia governativa, as rodas da realidade não abrandam. Não seria maravilhoso se o mundo dependesse das belas intenções de expressionistas como António Costa? Estes governantes tardam em entender a inversão. As excepções passaram a norma. O calendário dos anos vindouros estará marcado por incidentes que carecem de antecedentes, de validação. Este ano não pode servir de alibi e como uma declaração de que a tempestade já lá vai. Eventos como o Brexit ainda não aconteceram. 2016 apenas serviu para reservar lugares na agenda. E são muitos os passageiros. Temos o comboio regional das autárquicas. Temos o TGV das eleições francesas. Temos o canal da Mancha do Brexit efectivo. Temos as socas duras das eleições holandesas. Enfim, teremos muito com que nos entreter para além dos eventos espontâneos, terroristas ou nem por isso. A noite de ontem bem me pareceu mais contida, mais calma. Sinto no ar um certo conformismo das gentes, mas sinto que os últimos da fila são os primeiros dos diversos governos que polvilham aquilo que ainda resta de um projecto europeu. Os governos, seja qual for a sua procedência, correm riscos. Mas serão aqueles que mais prometem e menos cumprem que sentirão a corda a apertar. E depois dizem que a culpa é da ideologia, do extremismo, uma coisa vinda do passado, de um outro ano novo qualquer.
Istambul, 31 de Outubro de 2010
Acordei hoje em casa de amigos a menos de 300 metros da Praça de Taksim, centro da vida cultural, social e económica da parte europeia de Istambul. Não acordei com o rebentar da bomba, mas o barulho das buzinas dos carros e ambulâncias que rapidamente se fez sentir no pequeno apartamento onde passei a noite.
Juntámo-nos em frente à televisão enquanto uma amiga turca nos traduzia os comentários que passavam na televisão. Vimos imagens da praça onde tínhamos passado uma boa parte da noite anterior, mesmo junto à İstiklâl Caddesi, repleta de polícia, ambulâncias e até mesmo o que parecia ser um pequeno hospital de campanha.
Do governo de Ankara pouco se ouviu nesta altura, tendo sido Hüseyin Avni Mutlu (autoridade máxima de Istambul) o primeiro a prestar declarações, sem fazer qualquer menção à origem dos atentados, dizendo apenas que considerava o atentado como um acto macabro e assegurando os espectadores de que Istambul é uma cidade segura e que todas as medidas estavam a ser levadas a cabo na prevenção deste tipo de ocorrências.
Passado pouco tempo começou a ser discutida a origem do atentado do qual não houve uma reivindicação oficial (Apesar de ter sido referida uma referência ao TAK – secção do PKK), politólogos falaram em Al-Qaeda, PKK e até em chineses (!?) sem que no entanto tenha sido encontrado qualquer consenso em relação ao motivo do atentado.
Quanto mais lia e ouvia sobre o assunto, menos tudo isto me fazia sentido. Então (seguindo a boa maneira portuguesa) fui até ao local e tentei ver o que por lá se passava. O acesso à praça estava interdito tendo sido usado um cordão policial para impedir a passagem de civis. Tentei fazer algumas perguntas a alguns polícias que educadamente responderam: “no pass, no english”.
Decidido a tentar perceber alguma coisa, resolvi falar com um pequeno grupo de jovens turcos que estavam no local e que apesar de não serem fluentes em inglês, tentaram explicar-me que um terrorista tentou entrar no autocarro da polícia e se fez rebentar. Quando perguntei quem estava por trás do ataque, um deles encolheu os ombros e respondeu: “the kurds”. Se a discriminação do povo curdo por estas bandas não é novidade, não é novidade também o medo que se sente cada vez que se fala no PKK.
Apesar da clara escassez de informação acerca do que se passou e se está a passar em Istambul, o facto do atentado ter ocorrido no decorrer das celebrações do dia da República Turca (que começaram na passada 6ª feira), faz notar um problema de escassez de controlo sobre este tipo de ameaça.
P.S.: Peço desde já desculpa pela fraca qualidade das fotografias, foram tiradas por volta do meio-dia (hora portuguesa) nos únicos locais não interditos à passagem civil, na Praça de Taksim, já depois da evacuação dos feridos.
Videos do atentado:
http://www.youtube.com/watch?v=L8oZcxnviz4
Istambul, 16 de Outubro de 2010
Quando Istambul morre na chuva, sinto-me mais longe da minha terra e a saudade começa a apertar-me o peito. O forte odor primaveril desaparece para dar lugar ao cheiro da terra e pedra molhada. A cidade perde muita da sua beleza multicolorida, sem nunca perder a magia dos monumentos e ruas que lhe dão vida.
Hoje é o meu quadragésimo dia em Istambul. Começo a perceber a dinâmica cidade, os rituais e o comportamento das gentes que em tudo diferem do que me foi ensinado em Portugal, abandonando a pose de turista curioso enquanto tento integrar-me numa sociedade que aos poucos se tende a europeizar.
Sem grande tempo para escrever, prometo dar notícias em breve!
Amanhã Maratona (atravessar a ponte, da Ásia para a Europa)!
Istambul, 19 de Setembro de 2010
Cinco vezes por dia os pobres altifalantes instalados no minarete mais alto da mesquita maior de Avcılar resistem aos cânticos do Imã que chama os seus irmãos para mais uma reza. Cinco vezes por dia a cidade pára. Cinco vezes por dia se enchem as ruas de tapetes e se assiste ao ritual da vénia, do ajoelhar, de tocar com a testa no chão. Como se de horas de sono se tratasse, quando termina a cerimónia, vêem-se sorrisos e simpatia entre as gentes.
Apressam-se os pequenos mouros para os autocarros sobrelotados, as portas estão abertas para que mais algum nelas se pendure. Salto em Beşiktaş e falo com meio mundo à procura de um bom sítio para fumar narguilé e çay – “Where are you from my friend?” – “From Portugal, do you know where it is?” – “Quaresma! Quaresma!”. Indicam-me então um pequeno café, bandeiras turcas e o retrato de Mustafa Kemal Atatürk preenchem uma parede cor-cimento. Bebem-se os çay, fuma-se a chicha, diz-se “teşekkür ederim” e volta-se para a rua sobrelotada. Sinto que conseguia voltar para casa guiado pelos cheiros, os tapetes, as simit, os kebabs, os fumos, flores e frutas.
Tudo aqui me cheira a mágico, tudo me cheira diferente.Sentem-se as saudades de um Portugal cada vez mais longe. Mas maior que as saudades é a sede de descobrir mais, de beijar Istambul.
Volto a escrever em breve, um forte abraço para os Conselheiros de Estado e para os Leitores.
Güle Güle!