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Infelizmente, um artigo que escrevi em 2014, publicado na Revista Portuguesa de Ciência Política, do Observatório Político, envelheceu bem. Intitulado "A crise do euro e o trilema do futuro da União Europeia", nele procedi a um diagnóstico das falhas estruturais da União Económica e Monetária (UEM) e a um arriscado exercício de prospectiva sobre o futuro do Euro e da União Europeia.
A grande diferença para o momento actual é que o coronavírus afecta todos os países, mas as falhas estruturais existentes desde a criação da UEM permanecem, independentemente dos instrumentos entretanto criados. A UEM não é uma Zona Monetária Óptima e é uma união monetária incompleta - sem uma união orçamental com mecanismos de correcção de desequilíbrios nas balanças correntes e uma união fiscal que permita uma gestão macroeconómica conjunta - que retirou aos países instrumentos de política monetária autónoma, mormente a taxa de câmbio e a capacidade de emissão de moeda e controlo da massa monetária em circulação, bem como a emissão de dívida numa moeda própria - algo que Paul De Grauwe assinalou ser essencial para compreender a então crise do Euro. Juntando-se a isto um Banco Central Europeu desenhado à imagem do Bundesbank - um banco central independente, com uma política monetária centrada na estabilidade de preços e na proibição do financiamento monetário dos défices públicos – bem como um Pacto de Estabilidade e Crescimento que limita os défices orçamentais a 3%, a UEM é, na verdade, um colete-de-forças.
A isto acresce que o Euro é uma moeda que não reflecte a economia real dos países europeus, sendo subvalorizada para as economias do norte e sobrevalorizada para as do sul, o que potencia as exportações do norte. Em virtude das fragilidades da UEM, e dadas as grandes diferenças em termos de produtividade e competitividade entre os países que a compõem, estes estão sujeitos a divergentes tendências económicas, sendo os défices comerciais de uns a contrapartida dos excedentes de outros. Isto explica que os excedentes comerciais da Alemanha fossem então os maiores do mundo, incluindo a China, e 40% destes excedentes provinham do comércio com países da Zona Euro.
Ora, perante a actual crise do coronavírus, o suporte à economia europeia e o seu relançamento têm de ser feitos de forma coordenada, sob pena de desintegração da Zona Euro e da União Europeia. Não basta accionar a cláusula de exclusão do Pacto de Estabilidade e Crescimento e eliminar o limite de 3% para o défice, e talvez nem sequer os eventuais eurobonds sejam suficientes para lidar com a crise económica - embora sejam essenciais. Se países como a Alemanha, Holanda, Finlândia e Áustria insistirem numa postura míope e na ausência de visão estratégica que tem caracterizado os seus governos ao longo da última década, poderemos vir a assistir ao fim do Euro e da União Europeia como a conhecemos. Se finalmente forem capazes de perceber o que até há uns anos era uma platitude sobre o projecto de integração europeia, a ideia de que este se aprofundava em resultado das crises, talvez a UE possa ser a tal ever closer union e permanecer um actor global relevante.
Caso estes países mantenham a lamentável postura que conduziu ao agravamento da crise do Euro e à imposição de pacotes de austeridade excessiva, então estará na hora de sairmos do colete-de-forças, por mais difícil que seja. O trilema que elaborei no artigo supramencionado colocava então como futuros cenários a manutenção do statu quo, com os países do sul subjugados aos interesses da Alemanha e afins, o fim do Euro (em duas vertentes, que desenvolverei de seguida) ou o aprofundamento do processo de integração por forma a completar a união monetária com a união política. Por ora, deixo um excerto do que então escrevi:
A segunda opção é a já referida possibilidade do fim do euro, recuperando os países da Zona Euro a capacidade de emitirem moedas próprias, ou, pelo menos, o seu fim nos moldes em que o conhecemos, através da cisão da actual Zona Euro, que se pode dar pela saída dos países do Sul ou dos países do Norte, e que poderá levar ao eventual estabelecimento de uma segunda zona monetária no seio da UE. Neste caso, ambas seriam, em princípio, ZMOs, pelo que não seria estritamente necessário aprofundar a integração no plano político – este argumento poderá ser particularmente cativante para os anti-federalistas –, ainda que esta até possa ser prosseguida. Esta solução, na sua primeira variante teria resultados muito incertos e potencialmente catastróficos. Na sua segunda variante, que podemos considerar como de mudança relativamente moderada, se comparada com a terceira solução, que já veremos, no curto prazo seria favorável aos países do Sul e desfavorável à Alemanha. Porém, evitaria os resultados que adviriam da primeira opção do trilema, sendo favorável à Alemanha a longo prazo, pelo que acabaria por beneficiar a UE no seu todo. Todavia, dificilmente a Alemanha poderá ser persuadida a declarar o fim do euro ou para a criação de uma segunda zona monetária. Em qualquer das suas variantes, esta proposta parece-nos irrealista em termos práticos, embora pudesse ser a solução economicamente mais racional. Acontece que a Alemanha está actualmente numa posição muito confortável, com um euro fraco que favorece as suas exportações, tornando-a a economia mais competitiva da Zona Euro. Ademais, encontra-se, em parte em resultado disto, de forma indisputada na liderança política da UE, tendo a cooperação entre países soberanos sido relegada em favor de uma dominação de facto por parte de Berlim. Estamos em crer que não há registo histórico de uma potência hegemónica ter abdicado voluntariamente da sua posição.
(...)
Por outro lado, muito se tem falado de uma união entre os países do Sul contra os do Norte, com vista a procurar minorar a austeridade excessiva. Talvez esta ainda não tenha acontecido porque não só alguns governos dos países do Sul acreditam que o diagnóstico está correcto, como também não têm um objectivo político comum bem definido que possa subjazer a uma frente contra os países do Norte.
No momento actual, talvez a necessidade de fazer face à crise económica resultante do coronavírus seja o objectivo político comum de que os países do Sul necessitam para rebentar o colete-de-forças em que se encontram.
Vivemos tempos de excepção, de extrema raridade - raríssimos. Portugal acaba de ser apurado pela Fitch para o grupo de Itália. António Costa, que há não muito tempo rogava pragas às agências de notação, tece agora os maiores elogios à Fitch. Este jogo de patentes por conveniência acarreta algumas considerações penosas. Se Portugal agora se encontra ao nível da economia e finanças da Itália, devemos ficar preocupados, mas há algo ainda mais dramático - o nível de Dívida Pública. Se de facto Portugal está ao nível da Itália, então ocupa agora o 5º posto dos países mais endividados do mundo. Enquanto os sistemas financeiros dos EUA e outras nações pioneiras procuram integrar no seu mainstream as divisas digitais, Portugal não consegue passar da fase das artimanhas orçamentais para dissimular o real estado da economia. O Turismo tem sido o Bitcoin de Portugal, mas nem chega a tanto - não representa uma mudança de paradigma. Continua a ser o sector tradicional do mais do mesmo, correndo graves riscos associados a bolhas. Por outras palavras, a revolução tecnológica, que antecede o boom económico, ainda não aconteceu. Portugal continua a virar frangos e a natureza estrutural da economia não se alterou significativamente. As agências de notação não passam disso, dessa ficção contabilística. E têm uma tabela de preços a respeitar. Não são exactamente fake, mas têm de viver de alguma coisa. Servem-se de indicadores económicos todos catitas que omitem a economia paralela, as fraudes, a evasão fiscal e as demais maleitas que afligem países. A divisa Fitch é tão virtual quanto outra qualquer. Fixecoin - aposto que seria um sucesso em Portugal.
A União Europeia (UE) não é uma união, mas a Europa é uma democracia. Os Estados-membro de uma e de outra exprimem a sua vontade política de um modo assimétrico. Julgavam todos que a Áustria iria pender para um lado, mas inclinou-se para outro. Matteo Renzi, porventura inspirado por David Cameron, apostou o tudo ou nada no referendo e o resultado está à vista. A Itália e o Reino Unido, um continental e o outro nem por isso, rasgam o manto do projecto europeu, colocando à vista de todos as frágeis costuras de uma construção cada vez mais duvidosa. Estamos cada vez mais à mercê de um fenómeno imprevisível de desmontagem de um sistema político. Se existia uma alma mater na génese da Comunidade Económica do Carvão e Aço, ou espiritualidade nas propostas de Schuman e Monnet, as mesmas são agora meros fantasmas. Resta saber se não terá chegado o momento da UE pensar uma saída limpa. Uma saída da sua própria condição. Enquanto decorrem processos eleitorais parcelares no espaço intra-comunitário, as instituições da UE tardam em pensar uma iniciativa estruturante, um modo de calibrar o pensamento dos europeus em relação ao seu futuro. Por outro lado, a Itália pode bem ser o melhor exemplo da patologia crónica que assola a Europa - para quê mudar? O grande deficit a que assistimos nos processos eleitorais já decorridos e naqueles que se avizinham, tem a ver, na minha opinião, na não inclusão de um clausulado de responsabilidade no que diz respeito à integração europeia. Ou seja, cada qual lida com a sua casa do modo que melhor entende, mas o edifício, o condomínio de interesses comuns da União Europeia, fica para depois. Ou seja, a cada expressão de individualidade democrática dos Estados-membro da UE, a mesma enfraquece. É esta contradição que faz a UE enfermar de problemas genéticos enquanto exulta continuamente as virtudes da liberdade política e reclama a alegada superioridade moral da Europa. No entanto, a sua tradição política é precisamente essa. Assenta na ideia de movimento epicêntrico, baseia-se na ideia de que as fissuras nunca abalarão os princípios subjacentes. A UE também sofre de um problema de linguagem. Estes fenómenos não são excêntricos nem atípicos. Passam-se dentro de portas. E os personagens que fazem os enredos não são de todo estranhos. São produtos internos. Brutos ou nem por isso.
Dizia um conhecido colunista italiano que a Itália é pior do que o Terceiro Mundo. A avaliação é, em si, de uma clareza à prova de bala. A verdade é que desde a unificação política, lograda no século XIX, a Itália foi amiúde incapaz de organizar um modelo de Estado que suprisse, com suficiência, os problemas políticos de uma comunidade, por norma, frágil e quebradiça. Um tormento que, volvidos tantos anos, continua a dar sinais de não esmorecer. A semana que passou foi, a esse título, um boníssimo exemplo da sobredita maleita. Para não variar, os italianos ficaram, pela enésima vez, sem Governo. A coisa explica-se em pouquíssimas palavras: o Governo em exercício de funções não comprazia os egos ambiciosos dos seus chefes de fila. Cumprindo a vetusta tradição de uma República já velha, a partidocracia empurrou para fora de campo um primeiro-ministro que, inábil e pouco talentoso, só teve tempo para afirmar que se "alguém quer o meu lugar, que o diga". A frase resume o teatro de marionetas vigente em terras mazzinianas. Sai Letta, acoimado de incapaz pelos seus correligionários, e entra Renzi, que só vê poder, imagem e dinheiro à frente da sua jovial carantonha. A lógica é simples e paradigmática: ou o Governo serve os interesses da partidocracia, distribuindo as costumeiras prebendas aos comensais de sempre, ou, então, a porta será, novamente, a serventia da casa. Entretanto, no meio deste festival de egos ensoberbecidos, a economia italiana, presa de múltiplas insuficiências, não ata nem desata. E é aqui, neste quesito em particular, que a situação tenderá a complicar-se. É que o euro, não obstante a hegemonia tangencial exercida pelos teutónicos, é um assunto ainda por deslindar. Tanto é que a recente euforia em torno de uma suposta recuperação da economia europeia - que tem, de facto, alguma verdade - pode cair facilmente por terra com a emergência, em qualquer lado, de um "cisne negro" que tombe de vez a frágil arquitectura da moeda única. Uma confusão pespegada, portanto. No fundo, o que a questão italiana tem revelado à saciedade é que o país dos De Gasperi e dos Berlinguer retrocedeu a um estado de infância ininteligente, no qual não há realidade alguma que sobrepuje os calculismos de ocasião. Pensar que há algumas décadas atrás a Itália possuía um Partido Comunista que era, contra todos os prognósticos, capaz de dialogar e pactuar com a direita democrata-cristã, e que, hoje, volvidos alguns anos, o centro-esquerda e o centro-direita vivem em arrufos constantes, faz-nos pensar até que ponto a política italiana se tornou numa imensa ironia. Uma ironia em que o maior perdedor é, como não poderia deixar de ser, o cidadão comum.
Há muito pouco a fazer a não ser continuar, socraticamente, a conduzir as pessoas a perceberem o que está mal, a parirem raciocínios e a fazê-las tomarem consciência das múltiplas formas pacíficas que têm ao seu dispor para, nas suas condutas diárias individuais, fazerem a diferença que querem ver no mundo. É um processo lento por natureza e que exige paciência de santo. Pelo caminho, vamos sendo roubados. É aqui que entra uma qualidade imprescindível para o processo de transformação: a abnegação. Talvez faça algum sentido, afinal, o ensinamento de Cristo, ao render-se à injustiça e à bruteza, deixando-se matar na cruz. Revelou com este acto aparentemente incompreensível, uma forma pacífica e inovadora de fazer uma revolução. O esbulho fiscal e a opressão pelos políticos talvez seja a cruz, a crença na justiça e liberdade, a salvação. Pelo meio morre o corpo mas fica o ideal.
Durante a pausa "sabática" que fui forçada a usufruir observei, com uma certa frieza, os muitos episódios saloios da vida política portuguesa. Vou abster-me de quaisquer comentários porque, tendo falado com novos e velhos, instruídos e analfabetos, a maioria deles analisa, de forma acertada, a actual situação portuguesa e diagnosticam com um rigor por vezes surpreendente a raíz do problema. Esta crise tem pelo menos este grande mérito: pôs a generalidade dos portugueses a pensar. Aqueles que são independentes do estado são muito clarividentes quanto às razões que nos trouxeram e mantêm neste lodaçal. No fundo todos sabíamos que chegaria o dia de pagar a conta das obras públicas, do “investimento” do estado e dos muitos excessos socialistas da esquerda e da direita ao longo de quase duas décadas: todos esperávamos o dia do acerto de contas. O que os portugueses não esperavam era que a Justiça deixasse escapar por entre as malhas da sua inoperância os responsáveis máximos por esses excessos; e o que os portugueses também não esperavam era ver os bancos enfileirarem-se para recolher os frutos de tantos anos de amizade promíscua com o estado.
Tivessem os portugueses de pagar apenas e só o que devem - vendo fazer-se em praça pública uma reflexão profunda da importância de um sector público reduzido em tamanho e poder - e tudo estaria menos mal.
E é tudo o que me apraz dizer neste sábado chocho. Estou sem forças e sem crença. Sinto que o vigor e ânimo que outrora habitaram o meu espírito me são sugados pela energia negra do aparelho do poder. Continuarei a pregar, junto dos que me querem ouvir, o valor da verdade e da justiça. Continuarei a apontar soluções, continuarei a fazer "partos difíceis", ficarei por cá, resistirei à tirania, enfrentarei a perda, a mágoa, a dor. Perante o tamanho do problema em que Portugal está metido, há muito pouco que possamos fazer. A classe política portuguesa (e a europeia) está empenhada em destruir a vida dos seus cidadãos. Só o sonho, a ideia e a palavra conseguirão sobreviver à ruína final.
Oiço, leio e vejo que muitas e muitos dos comentaristas "paineleiros" que andam, à semelhança de Santana, por aí, davam já por garantido o fim da crise europeia. Não haveria mais volatilidade nos mercados, não haveria mais subida de juros nos países "porcos", não haveria mais dissensões entre o Norte anafado e opulento e o Sul parasitário e pobre, etc., etc. Sim, leram bem, não haveria rigorosamente mais nada. Mais: a instabilidade, uma arma de destruição massiva que vinha ocupando mentes e corações profundamente europeístas, tinha finalmente topado com a morte súbita e o federalismo, a medicina cozinhada por alguns intelectuais avençados pelas elites eurocráticas, surgiria finalmente ao virar da esquina. Imagino o vosso espanto ao ler a linearidade que compassava o raciocínio estratégico das elites políticas europeias. Tudo acabaria por se resolver, com mais ou menos esforço, e, já agora, desforço. Porém, a política, essa porca com P maiúsculo que aparece sempre nas alturas mais impertinentes, resolveu dar um da sua graça na Itália dos Casanovas cantores e dos comediantes convertidos em gente séria e sisuda. O povo compareceu, riscou o boletim de voto e disse de sua justiça. Justiça essa, pouco complacente com a classe politiqueira. Berlusconi, regressado à ribalta com mais ou menos liftings, voltou a ser avalizado pelos italianos. Grillo, o grilo falante que promete um rendimento universal de cidadania e um referendo de saída do euro, tornou-se, para gáudio dos fazedores de anarquias, no fiel da balança. Qual a resposta do establishment a tamanho desastre dos poderes estabelecidos? Para já, ao que parece, apenas desorientação e brados anti-democráticos. Há quem fale numa repetição da experiência grega do ano transacto. Pois é, mas quem traz à colação esse exemplos esquece-se que Itália e Grécia não são comparáveis. Há, contudo, nesta estorieta toda um pormenor que importa ser relevado: a não-resposta do situacionismo à raiva crescente do povoléu será, a curto prazo, insustentável. Ponto. Não vale a pena falar em federalismos toscos, em tesouros comuns, em euros reestruturados, em câmbios elevados, ou em democracias europeias crismadas pelo voto de todos os europeus da Lapónia à Sicília, não vale a pena ir por aí, porque sem pão e com fome o povo votará naqueles que lhes prometerem brioches e champagne no minuto seguinte. Simples e terrífico, eu sei, todos nós sabemos, até aqueles que estão no poleiro do Leviatã o sabem, porém, esta é a dura verdade dos factos. Ou há uma mudança rápida de rostos, caras, políticas e gestos ou a coisa descambará de vez. O mundo está em mudança e a Europa em polvorosa, mas, ao contrário do que diziam os fukuyamistas de turno, não há nem nunca houve o tão afamado fim da história, e o experimento liberal-democrático que permeou os últimos decénios da vida política europeia pode muito bem estar a abeirar-se de uma mudança de agulha. Para onde e para quê, eis as questões do milhão de dólares.
Não valerá a pena tentarem agora disfarçar. Durante umas semanas, os crânios da nossa imprensa escrita e televisiva garantiram que apenas a "mudança" interessaria a Itália. Fazendo contas traduzidas em termos de uma nossa oportunidade caseira, isso traduzir-se-ia numa clara vitória da esquerda do sr. Bersani. Em simultâneo, o sr. Monti era apresentado como um homem sério e afastado da partidocracia e assim sendo, uma parte da solução. O bunga-bunguês Berlusconi ressurgia como o pérfido palhaço do sistema e desde já condenado a uma esmagadora derrota. Mas terão os nossos comentadeireiros escutado uma única vez aquilo que o Balsemão transalpino disse durante toda a campanha? Parece que não, pois se assim fosse, talvez tivessem sido obrigados a imaginosos artigos e a outro tipo de charlas.
Na Itália, o negregado Berlusconi disse precisamente aquilo que em Portugal, o agora levado em ombros Seguro tem repetido até à exaustão. A grande diferença é que um é de "direita", um imbecil. O outro é de "esquerda" e portanto, um santinho.
Tem-se falado muito em caos político a propósito das eleições italianas. Caos político? Are you sure? Raciocinem um pouquinho, vá, não custa nada. O povo italiano, inteligentemente, disse apenas isto: não desejamos, não admitimos nem almejamos uma sociedade orientada de fora, com imposições draconianas impostas por gente que não presta contas às instituições políticas nacionais. Simples, curto e objectivo. É bom que as elites eurocráticas se apercebam que sem política não há projecto político que sobreviva. Apenas e tão-só isto.
Em Julho de 1943, o Rei Vítor Manuel III em alguns minutos daria conta de uma situação que nem os desastres militares na Líbia, na Grécia ou nas águas do Mediterrâneo tinham conseguido resolver. Imagine-se o que teria sucedido se o há muito contrariado soberano tivesse tomado uma atitude algum tempo antes? O regime fascista mantivera-se firme apesar dos bombardeamentos anglo-americanos às cidades italianas, apesar da carestia, da penúria e do controlo imposto pelos aliados alemães. A USAF ousou bombardear Roma e Mussolini saiu à rua, verificando os estragos. Uma entrevista bastaria para a derrocada de um regime alicerçado por vinte anos de poder. Roma saiu à rua numa histeria colectiva empunhando bandeiras e fotos de Vítor Manuel, gritando hossanas ao velho monarca.
No dia seguinte à queda do Duce, a frase mais escutada era ..."como sabes, eu nunca fui fascista". Era mentira. O Tibre corria para o Mediterrâneo, arrastando consigo uma prodigiosa quantidade de camisas negras apressadamente despidas pelos até então fiéis usuários do uniforme. Contudo, a Itália em peso tinha sido fascista até a esse mesmo dia 25 de Julho, desde o operário da linha de montagem da Fiat até à gente do escritório onde pontificava o senhor Agnelli. Em 1945, poucos dias antes do estranhamente mal contado assassinato de Mussolini, este pudera contar com um ruidoso banho de multidão em Milão, bem demonstrativo da volubilidade das massas que pouco depois iriam gozar o macabro espectáculo da Piazza del Loreto. Seguir-se-ia o escandalosamente fraudulento referendo (1946) de resultado ditado pelos norte-americanos e uma longa alternância entre mafiosos de direita e oportunistas de esquerda - nem por isso menos mafiosos -, acabando o regime PDC-PCI-PSI por cair sem estrondo. Varrida a URSS, a Itália também viu cair o sistema do pós-guerra. Seguiu-se o tempo de Berlusconi e das habilidades legais e financeiras que encontraram uma Europa habituada às transalpinas excentricidades, mas desta vez temerosa das consequências da volatilidade italiana.
Por muito popular que seja, o senhor Napolitano não terá a vida facilitada e nem sequer poderá recorrer a qualquer uma lapidar decisão que dite o futuro rumo dos acontecimentos. É que embora também resida no Quirinal, de Vítor Manuel separa-o um mundo e um certo sentido da história.
Não o levaram a sério no princípio. Chamavam-lhe tonto, entre outros mimos. Fizeram mal. Continuou a crescer sem qualquer ajuda de quem quer que fosse a não ser do povo. Prescindiu dos media habituais. Nada temeu. Apresentou-se a eleições e não ganhou mas foi como se tivesse ganho tal a votação que recebeu. O Movimento 5 Estrelas foi o partido mais votado na Câmara dos Deputados, com 25,5%, e foi o seu resultado no Senado que impediu a obtenção de qualquer maioria. Ao ponto de o diário Corriere della Sera ter escrito que “Sem Grillo será impossível governar”. Na resposta Grillo afirmou: “Connosco não há inciucio”, usando a expressão que nasce numa onomatopeia e saiu do dialecto napolitano para passar a referir, em Itália, um acordo entre adversários com o fim único de dividir o poder.
“Vão fazer uma grande coligação e conseguirão sobreviver por alguns meses. Estão falidos”, sentenciou o comediante profissional, que promete “mandar os políticos para casa”, pôr “a honestidade na moda” e mudar o país com uma “revolução cultural”.
E eis como, de um dia para o outro, um grilo decide o destino de um país. Que sirva de lição por cá porque já faltou mais para Portugal se libertar de quem, há quase 40 anos, o ilude. Apareça por aí um sapo, uma barata ou outro que tal e a espécie coelho será erradicada. Afinal estes, quando são muitos, podem tornar-se numa praga...
Há pouco, numa das minhas contumazes deambulações feicebuqueiras, deparei-me com uma agudíssima análise do Jorge Nascimento Rodrigues, que permito-me citar aqui no blogue: "A verdadeira divisão é entre os que ainda aceitam jogar segundo as regras da troika em diversos graus (Bersani e Monti) e os que, por demagogia populista ou convicção, se opõem, como todos os grupos e partidos que se integram na coligação liderada por Berlusconi ou os integrantes do movimento de Beppe-Grilo (verdadeira surpresa eleitoral, game changer no atual contexto, sendo o segundo partido mais votado, à frente do próprio partido de Berlusconi) (...) Um membro do Partido de Bersani já disse que por este andar haverá novas eleições, como na Grécia. Só que Beppe Grillo não é Siryza e Berlusconi e seus apoiantes não são o PASOK para servir de muleta a Antonis Samaras. È um contexto radicalmente diferente". O cerne destas eleições prende-se exactamente com o facto, estranho para alguns, de Berlusconi e Grillo não serem comparáveis aos actores políticos da desgraça grega. Há diferenças notáveis entre os eurocépticos italianos e os eurocépticos gregos, ainda que a semelhança principal entre ambos reconduza-se ao firme repúdio da actual arquitectura de gestão macroeconómica do euro. O que as eleições italianas patentearam foi uma divisão radical entre os que partilham os postulados merkelianos e eurocráticos de gestão do euro, e os que preferem uma via autonomista que recupere soberania e voz activa na resolução dos problemas políticos e económicos nacionais. Sim, caríssimos leitores, o que está em causa é tão-só saber até que ponto os italianos aderiram ao federalismo aditivado dos eurocráticos de Bruxelas e Berlim. Pelos vistos, a adesão não foi em massa, e por mais que se critique Berlusconi - e eu estou longe, bem longe, de ser um admirador do Casanova cantor -, e muitos fá-lo-ão, uma coisa é certa, o senhor renasceu das cinzas, qual fénix perdida nas ladeiras da proscrição judicial. O futuro será incerto, e as próximas horas, dias e meses revelarão se os italianos estão ou não dispostos a suportarem, silente e calmamente, a dureza austeritária. Algo me diz que não. Mais: esta crise porá a nu, definitiva e derradeiramente, a pobreza política que domina as estruturas políticas europeias. Com que consequências? Só o futuro o dirá.
Sim, porque, ao que parece, e pelo que vem sendo noticiado pelos media internacionais, tudo indica que o cenário político italiano tenderá a entrar numa espiral de instabilidade, com a correspondente fragmentação do espectro partidário. Quem pagará as favas de uma Itália desgovernada? Os restantes "porcos", claro está, com Portugal à cabeça e o euro como corolário da destruição descontrolada. Se dermos uma vista de olhos na realidade que espera o italiano médio, veremos que a coisa está mesmo muito preta. Bersani não estimula nem anima, Monti não arranca, Berlusconi, qual Don Juan eterno, voltou à ribalta prometendo a estupidez de sempre, e, last but not the least, Grillo, um palhaço bastante sério, ameaça tornar-se no "juste millieu" que decidirá o futuro da festa italiana - um palhaço que propõe a revisão dos tratados europeus, a renegociação da dívida e a saída do euro, entre outras medidas que, em boa verdade, já deveriam ter sido propostas pelo centrão político que domina as democracias europeias. Com um cenário destes, numa crise económica que teima em permanecer, é de esperar o pior. Há muito que venho tendo como evidente que o euro, uma moeda que tipifica o pior do espírito autocrático da eurocracia, dificilmente perdurará. Porquê, perguntarão os caríssimos leitores. Por uma razão bem singela: com uma união em que ninguém se entende, em que existem, de facto e de jure, 27 tradições económicas, culturais e políticas bem diferentes, juntar tudo isto, sob o mesmo signo político e sob o mesmo tesouro, é uma tarefa digna de heróis, e heroísmo é matéria que manifestamente não existe nos dias que correm.
O descalabro europeu, visionado em directo por todos os povos europeus forçosa e coercivamente congregados nesta (des)união, está atingir o clímax do ridículo espampanante. Em França, país conhecido pelo seu apego por engenharias sociais construtivistas pouco consentâneas com a realidade, vive-se um ambiente de caça às bruxas em torno dos "ricos". Depardieu é ostracizado pela sua coragem em dizer não ao confisco predatório das elites francesas. O affaire Depardieu tem uma certa semelhança com o affaire Dreyfus: a acusação fácil e complacente a um indivíduo subitamente erigido como a representação mais sublime dos males existenciais da velha pátria francesa. Foi assim no final do século XIX, num ambiente de profunda crise política da corrupta III República francesa, é, também, assim nesta V República francesa dominada agora pelo socialismo recalcitrante. A fúria fiscal hollandista, retintamente merceeira como no famoso quadro de Brueghel o Jovem, é o prenúncio do fim. As trevas do caos económico adensam-se furiosamente, inclementes às vozes da razão.
Pieter Brueguel o Jovem, O Cobrador de Impostos
Se andarmos um pouco mais para sul deparar-nos-emos com um cenário igualmente grotesco. Mario Monti anunciou a sua demissão recolocando a política italiana no seu trilho habitual: intriga, espectáculo e insídia, servidos em doses homeopáticas. O regresso do berlusconismo à cena política é uma espécie de confirmação fársica do mito do eterno retorno nietzscheano. Os italianos não se cansam do espectáculo, mais, parece que vivem do e para o espectáculo. O espírito "meridionalista" parece ter infectado sem dó nem piedade todo o estamento político, não poupando, também, alguns analistas económicos abonados por uma lucidez que, pelos vistos, encontra-se agora em debandada. Há dias o sempre pertinente Ambrose Evans-Pritchard dizia que a saída de Monti será a única forma de salvar a Itália do precipício económico, porém, o inteligente jornalista olvidou o facto nada despiciendo de a saída do actual primeiro-ministro italiano poder instigar um crescendo na instabilidade política. Itália dispõe indiscutivelmente de alguns dados macroeconómicos positivos - facto pouco mencionado na imprensa de referência -, que, num hipotético cenário de saída do euro, seriam, sem dúvida, de um préstimo assinalável na recuperação futura do país, sem embargo duvido da benignidade de um abandono unilateral agitado pelo populismo mais corrupto e demagogo. É terrível verificar quão distante está a Itália contemporânea da tão ansiada utopia patriótica de Giacomo Leopardi, brilhantemente vertida no famoso poema "All' Italia". Talvez o bardo italiano tivesse razão quando escreveu que "Ma la gloria non vedo, Non vedo il lauro e il ferro ond'eran carchi, I nostri padri antichi." O que falta à política italiana é um gesto de glória, um veio de patriotismo que proteja e indique um desígnio: o desígnio do bem comum.
Os dois exemplos acima citados são um sinal bem evidente da fraqueza de liderança que perpassa o edifício europeu. Draghi, na sua tão costumeira língua de pau, veio agora, ao referir-se à periferia sulista, falar em progresso doloroso. A novilíngua bancocrática é particularmente repugnante. Esconde o óbvio e omite a crueza da realidade, tudo isto em nome do sacrossanto princípio da inviolabilidade das prerrogativas de uma finança desnacionalizada. Se, num assomo de realidade, Draghi dissesse que o que verdadeiramente tem ocorrido nos países da periferia é um retrocesso doloroso talvez o assalto fosse menos descarado. França e Itália não pertencem inteiramente à periferia habitada por Espanha, Portugal e Grécia, mas, a deriva política de ambos é um sinal da débâcle que aguarda a União desunida a curtíssimo prazo. O sovietismo de antanho voltou, sob novas vestes, para dividir e reinar. Perante isto, o melhor e mais avisado é suspirar com Liszt, tentando esquecer o imperium dos tolos menores que lideram, hoje, dois países que, queira-se ou não, não merecem isto.
A propósito do desmoronamento de Itália, o reputado teórico e jurista Rudolf von Jhering, constatou que a Roma Antiga havia conquistado o mundo por três vezes. Da primeira vez fazendo uso dos seus exércitos, da segunda vez por via da religião e da terceira vez pelo normativo que estabeleceu. As leis romanas serviram de base para quase todas as construções jurídicas. Um dos conceitos que se estabeleceu foi o do Domínio (propriedade) - a "relação" entre um sujeito e uma coisa. Aceitamos com naturalidade a noção de relação entre pessoas, mas como devemos integrar no nosso espírito o elo que se estabelece entre a "personalidade humana" e o "objecto que não tem "vida"? Levanta-se deste modo um sério debate sobre a propriedade, e por extensão a titularidade da dívida. A divida pode pertencer a alguém? Pode ser minguada ou incrementada? Será que existe num reino utópico que dista da acção humana? E os objectos poderão estabelecer uma relação entre si, independemente da "presença" anímica (anémica) do homem? São estas e outras questões que são desfiadas e que se enrolam no espírito toldado de indivíduos que buscam posicionar-se na grande construção e ruína material da nossa civilização. O autor David Graeber, considerado desconcertante por uns e anarquista por outros, expõe de um modo bíblico as implicações materiais e filosóficas decorrentes de 5000 anos de dívida. Em dia de entrega de certificados Nobel, rogo a vossa atenção para um livro profundo e exigente que escapa aos radares canónicos de uma troupe movida a toque de cornetas politicamente intencionadas. Este livro ajuda a agitar o caldeirão do pensamento, e coloca na mesma tina o espectro ideológico na sua quase totalidade, relatividade.
Debt - the first 5000 years.
David Graeber
Melville Publishing House (English version)
Beppe Grillo arrasa a classe política e acusa os banqueiros italianos. O seu partido, o Five Star Movement, tem já 19% nas intenções de voto sem sequer aparecer na televisão, coisa que Grillo recusa! O seu blog é o mais lido de Itália. Monti e os comissários de Merkel que se cuidem! A revolução pacífica das mentalidades chegou.
"Nos tempos que correm, da plutocracia desvairada, da arte-negócio e das "indústrias culturais", é quase impossível que homens destes surjam. A arte, a cultura e o ensino são aristocráticas por antonomásia. Ai de quem os queira transformar em meras mercadorias. Aqui está o epitáfio da cultura."
De acordo com as últimas notícias publicadas no jornal italiano La Repubblica o acidente teria acontecido durante o horário do jantar. Imagine-se o pânico das 4229 pessoas a bordo, entre tripulação e turistas. Parece que o navio se deslocou por diversos graus em relação a rota normal e por isso o comandante teria decidido de aproximar-se o máximo possível da costa da Isola del Giglio. Ainda não estão claras as razões do acidente. De acordo com uma nota oficial da Costa Cruzeiros as operações de resgate foram realizadas imediatamente e estão em fase de conclusão. O Comandante da Costa admitiu que estava a jantar na hora do acidente.
Detalhes do acidente
Ainda de acordo com o sitio BrasilnaItália, "O navio Costa Concordia estava realizando um cruzeiro no Mediterraneo partindo de Civitavecchia con escalas previstas em Savona, Marsiglia, Barcellona, Palma, Cagliari, Palermo. De acordo com o jornal o pânico começa na hora do jantar, quando os passageiros estão nos restaurantes: uma sensação de impacto e depois as luzes se apagam. O tempo de entender o que está acontecendo e a notícia de vestir os coletes salva-vidas e se aproximar dos barcos salva-vidas “por precaução”.
Alguém a bordo cita o Titanic, que daqui a 3 meses, no dia 15 de abril, completa 100 anos do trágico acidente. Por enquanto 3 mortos (2 turistas franceses e um peruano da tripulação), alguns feridos e muitos desaparecidos. Fora do navio: frio, água gelada no mar no inverno italiano. Os passageiros estavam vestidos com roupas leves, já que se encontravam na sala de jantar, com aquecimento, e muita gente não teve tempo de recuperar objetos nas cabines. A proximidade com a terra firme ajudou nos resgates, que ocorreram seja via mar, seja com helicópteros.
A Itália está num estado de "urgência económica". Nesta parafernália de termos que procuram disfarçar ou esconder aquilo que todos sabem, vão surgindo alguns que de urgência em urgência, acabarão numa declaração de emergência. Política, entenda-se.
Apesar das leis do Manifesto della Razza de 1938, Mussolini jamais se importou muito com a origem das suas numerosas amantes. Margherita Sarfatti era uma entusiasta do fascismo e com o Duce colaborou para que o Partido conquistasse o poder na Itália. Foi uma conhecida jornalista, socialite, crítica de arte, mecenas, coleccionista, amante de Mussolini e... judia.
No país do bunga-bunga berlusconiano, estourou mais uma notícia que para alguns poderá ser incómoda. Chegou a vez do esmiuçar da árvore genealógica de Clara Petacci, a famosa e derradeira amante do dirigente italiano. O Duce normalmente conviveu com os mais fiéis seguidores do nacional-socialismo do seu amigo Adolfo Hitler e tendo a sua amante como inseparável companheira, decerto Claretta bastas vezes se sentou à mesa, dançou e brindou com oficiais da SS. Nada de estranho, pois a Itália e a Alemanha eram aliadas no Eixo.
Por aquilo que agora se vai desvendando, Claretta também pertencia a uma das Tribos de Israel. Tal como a sua irmã Miriam.