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Analisar um papado com tão poucos meses de duração é, por antonomásia, um exercício deveras arriscado. Com o Papa Francisco ao barulho, esse exercício torna-se ainda mais complicado pela simples razão de que o ex-cardeal de Buenos Aires é um personagem totalmente à parte do que é o comum dos homens públicos deste início de século. Aliás, se repassarmos a história conturbada dos últimos decénios deparar-nos-emos, certamente, com uma enorme dificuldade em vislumbrar personalidades que sobrepujem a pequenez tão característica destes tempos pós-moderninhos. O Papa Francisco oferece, a este título, uma ambiguidade suplementar, cuja destrinça não se afigura de todo uma tarefa fácil. Aquela que é para muitos a grande qualidade de Francisco, é, a meu ver, o seu grande defeito: refiro-me, pois claro, à overdose mediática que rodeia todos os gestos e ademanes do Papa, num grau que chega a raiar a exageração absoluta. Há quem entenda esta abertura à mundanidade como um gesto de tolerância para com as multidões ululantes dos tempos presentes. Esta opinião é defendida, sobretudo, por aqueles que desejam uma Igreja rendida às modas abastardadas de um tempo sem referências axiomáticas dignas desse nome. É certo que Francisco não fez, até ao momento, nenhuma inflexão significativa no que toca à essência medular do dogma católico, porém, esta mudança de tom e de abordagem poderá criar, a longo trecho, mudanças indesejáveis na estrutura de uma instituição tradicionalmente imune aos modismos deslumbrados dos cultores do progressismo ignaro. Neste sentido, creio vivamente que a aposta numa comunicação excessivamente "moderna" não augura nada de bom, porquanto o mediatismo exacerbado tem sempre, como reverso da medalha, a desilusão destemperada de quem genuinamente acreditou que era possível moldar a Igreja ao destrambelhamento contemporâneo. Mas seria um erro tremendo avaliar o actual papado, única e exclusivamente, sob este prisma, dado que há no Papa Francisco uma dimensão cuja relevância importa não descurar. Essa dimensão prende-se directamente com a origem jesuítica de Francisco. O jesuitismo tem aqui uma dupla manifestação, nomeadamente na atenção dada pelo Papa, nas suas comunicações públicas, aos condenados da terra, assim como ao igualitarismo, extraído do luteranismo catolicizado dos Jesuítas, presente no apostolado diário dirigido a um público fremente de renovação evangélica. O papado tem sido, neste curto espaço de tempo, positivamente marcado por esta mensagem prática, cujo fito incide, fundamentalmente, na acção e na práxis dos fiéis. Mais do que um intelectual à Bento XVI votado propositadamente à conversão da Cidade, Francisco é e será um Papa voltado para a acção e caridade diárias, vivenciadas no contacto apostólico com os fiéis. Não há, bem vistas as coisas, nada de negativo nesta opção, nem haveria, necessariamente, se a escolha tivesse incidido numa orientação intelectualmente mais contemplativa. Francisco sabe o que faz, e tem a perfeita consciência de que guia algo maior do que a própria vida. Resta ao próprio não se deixar tragar pela lógica mecanicamente pretensiosa da contemporaneidade. Alea jacta est.
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