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Se há coisa que me irrita é arrogância e falta de inteligência. A número 2 do partido socialista Ana Catarina Mendes padece de ambas as maleitas. Pode repetir as vezes que quiser "o partido socialista", mas deve acrescentar, "perdeu a Câmara Municipal do Porto." Ainda não percebi muito bem por que razão a rapariga foi promovida ao mais alto grau de incompetência política. Por mais que insista na ideia de representatividade dos socialistas e sublinhe a superior vocação moral do seu partido, a verdade é que Rui Moreira não precisa deles para nada. Fez obra - a obra fala por si. Os mexilhões do Largo do Rato podem agitar o Bolhão, mas o caldo já está entornado - podem acenar e dizer adeus ao Porto. Agora apenas resta o Simões prometer umas valentes bofetadas ao Moreira. Primeiro temos a Vasconcelos a dizer que aquela coisa não tem nada a ver com o seu terço, e agora temos a Mendes que diz que tem tudo a ver com o partido socialista. Ora veja este rosário.
Um país não é uma entidade desligada de si. Existe um todo coerente, a matriz que o define e que crava a identidade na testa dos seus cidadãos. O terço-gigante da Joana Vasconcelos inscreve-se na eterna doutrina cultural que configura a nação - o meu carro é maior do que o do meu vizinho. Quando tudo o resto falta; o conceito, a linguagem, os códigos, a originalidade, a pesquisa profunda de símbolos e rituais, a dimensão literária imaterial, a filosofia, a melodia e o silêncio - o ruído estridente é a única saída. O estrondo da escala mitiga as nuances subtis, a ausência e a sugestão. O terço-rosário habita a mesma clausura de ignorância na arte - colide com o espírito livre que não se deixa algemar. A tríade que governa Portugal agradece a transfiguração do Estado Novo. Não a enjeita. São megalomanias desta natureza que desferem golpes naqueles que duvidam do mistério. A geringonça, embora não o decrete, aprecia as protuberâncias da Joana Vasconcelos. São expressões avultadas como esta que servem de antena para afastar descrentes. Assistimos a uma inversão. Não foi o Estado laico que foi avassalado pelo catolicismo. Foi a Igreja que se rendeu e colocou de joelhos e ao serviço do poder político. Tudo isto parece inócuo e divertido. E é precisamente esse o problema. Não é uma aparição. É real e efectivo.
Ana Cristina Leonardo, "O Estado das Artes":
Abro o site do Palácio Nacional da Ajuda para consultar os horários do mesmo e sou prontamente informado que este está temporariamente encerrado para que possa ser montada uma exposição de Joana Vasconcelos. Diz que agradecem a compreensão. E eu agradeço a informação, dispensando visitar o Palácio enquanto lá estiver exposto esse lixo.
Fotos: Pedro Quartin Graça - direitos reservados
Confesso que não era particular fã das obras de Joana Vasconcelos. A verdade é que, depois de as ver no Palácio de Versailles, mudei de opinião. Pelo menos quanto às expostas não resta a mínima dúvida que as mesmas valorizam, e muito, o já de si interessante, ainda que não esmagador, conteúdo do palácio. A artista está de parabéns. Para além do mérito da obra, pelo facto de ser a primeira mulher e a mais jovem artista a expor no Palácio de Versailles. Assim como também deve ser felicitado quem teve a feliz ideia de juntar tão interessantes e originais propostas criativas a um espólio de séculos.
Fica aqui um registo em três imagens apenas.
Como em qualquer exposição, esta apresenta peças que nos agradam mais que outras. De facto impressiona não apenas pelo impacto que ocasiona entusiásticas adesões, como pela posição contrária, aquele estupor pela ousadia quase iconoclasta. No entanto, nem tudo o que parece, é. Bem ao contrário de riscos, borradas, rabiscos, lixo acumulado em instalação do nada, telas sem pingo de cor ou mictórios transformados em novas Vénus de Milo de uma época sem futuro, esta exposição de Joana de Vasconcelos, é uma chamada de atenção à magia que Versalhes ainda exala.
Há quem se atreva a dizer que um tour a Versalhes, é suficiente para abalar a postiça grandeza da república francesa. Quem passeie pelo Palácio, ali vê Maria Antonieta sala após sala, hoje uma mulher mais heroína que jamais, para sempre enterradas as maledicências, invenções e ódios onde estava sempre presente a estupidês diplomada de burrice e uma forte frustração sexual dos detractores da grande vítima dos acontecimentos pós-1789. Há que compreender o papel que a Rainha desempenhou na sociedade francesa dos finais do Ancien Régime, ditando a moda, alterando os gostos, estabelecendo novos padrões estéticos que a Europa apressadamente copiaria.
Joana de Vasconcelos compreendeu bem a clara sobreposição da mulher Maria Antonieta, ao papel desempenhado pela mesma senhora enquanto Rainha de França. Na mulher se ensimesmou o ódio açulado à populaça, o ataque ao bom gosto, consciência da sua posição, beleza e presença central da princesa austríaca na França do ocaso do século XVIII. Se podemos arbitrariamente decidir que algumas obras que J.V. expõe em Versalhes parecem deslocadas no grandioso conjunto que é desde há muito o mais representativo monumento francês, outras há que em tudo se coadunam com o espaço e mais ainda, existe mesmo uma clara intencionalidade de invasão portuguesa do mesmo. Os belos leões numa renda que vista de longe "é" de porcelana, declaradamente apelando ao nosso património imperial asiático e que decerto teriam extasiado a sempre inovadora Rainha. Os colossais corações-lustre que nos remetem para as maravilhosas filigranas portuguesas - uma pena Maria Antonieta jamais ter vislumbrado um desses corações em ouro -, deverão embevecer a nossa gente que tem aquele país como terra de acolhimento. Se possuísse uma fábrica de cristais, estaria hoje mesmo a propor a Joana de Vasconcelos, uma edição de lustres coloridos que fariam furor nos mais exigentes mercados.
Longe vão os tempos em que Charles Bohmer, joalheiro da Corte de Versalhes, apresentou como vendedor ao embaixador português representante de D. Maria I, o famoso colar de diamantes que ditaria o injusto opróbrio de uma Maria Antonieta que firmemente o recusara em tempos de economias. Algumas das peças das Jóias da Coroa guardadas na Ajuda, fizeram a inveja e admiração dos nomes mais sonantes da Corte francesa, tendo mesmo a famosa caixa de rapé de D. José I, passeado entre os dedos de uma atónita Mme. de Pompadour. Era a época em que o ouro e os diamantes brasileiros prodigalizavam compras e encomendas em Paris e neste momento de tantas dificuldades, podemos considerar-nos felizes por possuirmos uma boa quantidade de riquezas sem par, enquanto na própria França, devastada por quedas de regimes, guerras, roubos e invasões, as peças - coches, baixelas, móveis, jóias - foram desaparecendo ao longo de mais de um século.
Estamos perante algo de novo e embora exista uma certa contestação quanto ao local escolhido para esta grande exposição, devemos atender à oportunidade da mesma, principalmente tratando-se de um país onde Portugal é, tal como em Espanha ou na Holanda, geralmente desprezado. Esta é uma realidade que umas tantas exposições podem fazer desabar e ainda temos bem presentes, os comentários dos incrédulos estrangeiros que em coortes de curiosos, há duas décadas visitaram O Triunfo do Barroco. Uma exposição pode liquidar velhos preconceitos ditados pela ignorância acerca de um Portugal que deu a Europa a conhecer ao mundo e mais ainda, enriqueceu-a com novidades até então desconhecidas. Pois bem, imaginemos então os portugueses dos arredores de Paris, esfusiantes pelo resultado de uma obra que decerto teria agradado às máximas personagens que habitaram Versalhes e que ainda hoje, mais de dois séculos decorridos, facilmente ofuscam exércitos de Pompidous, Chiracs, Mitterrands, Sarkozys ou duvidosos Hollandes: Luís XIV, Madame de Pompadour e Maria Antonieta, esses três tigres da moda, do bom gosto e da inovação no estilo de que a França deste século XXI, ostensivamente tira proveito. Se fosse apenas por isso, esta exposição já teria valido a pena.
Por uma vez estou de acordo com o que se escreve no Arrastão, no caso, pelo Sérgio Lavos. Já de há alguns anos a esta parte que se tornou evidente o apoio regimental a Joana Vasconcelos, que recentemente se reflectiu nas palavras manifestamente exageradas de Paulo Portas. Deixando de lado este descaramento, mais uma vez pago pelos contribuintes, o que realmente me provoca espanto é a classificação do trabalho de Joana Vasconcelos como arte. Arte contemporânea, claro está, o que faz com que este espanto não seja, obviamente, exclusivo a Joana Vasconcelos. Doem-me os olhos ao ver as fotografias da exibição em Versailles. Esteticamente, é piroso e pavoroso. Simbolicamente, parece-me cair na classificação de Heidegger de "má arte", ou seja, é superficial, não indo além de uma mera relação linear com o que pretende representar, tendo uma mensagem meramente efémera, fácil e rapidamente captável, mas que fica por aí. Como salienta Mark Vernon, "não consegue ver para além da pequenez dos seus próprios horizontes auto-confiantes." Um lixo, portanto.