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Da tradição em John Kekes

por Samuel de Paiva Pires, em 31.03.15

John Kekes, A Case for Conservatism (tradução minha):

 

Uma tradição é um conjunto de crenças costumárias, práticas e acções que resistiu desde o passado até ao presente e atraiu a fidelidade de pessoas que desejam perpetuá-lo. Uma tradição pode ser reflectiva e desenhada, como as deliberações do Supremo Tribunal, ou irreflectida e espontânea, como os fãs de desporto a apoiarem as suas equipas; pode ter um quadro institucional formal, como a Igreja Católica, ou pode não ser estruturada, como o alpinismo; pode ser competitiva, como os Jogos Olímpicos; em grande parte passiva, como ir à ópera; humanitária, como a Cruz Vermelha; egocêntrica, como o jogging; honorífica, como o Prémio Nobel; ou punitiva, como os procedimentos criminais. As tradições podem ser religiosas, horticulturais, científicas, atléticas, políticas, estilísticas, morais, estéticas, comerciais, médicas, legais, militares, educacionais, arquitecturais, e aí por diante. Elas permeiam as vidas humanas.


Quando os indivíduos formam gradual e experimentalmente a sua concepção de uma vida boa o que estão a fazer, em larga medida, é decidir em que tradições devem participar. Esta decisão pode ser tomada de dentro das tradições em que nasceram ou em que foram criados, ou de fora das tradições que os atraem, repelem, aborrecem ou interessam. As decisões podem ser conscientes, deliberadas, claramente afirmativas ou negativas, podem ser formas de seguir inconsciente e irreflectidamente padrões familiares, ou podem ser vários pontos entre estes tipos. O essencial das actividades dos indivíduos que dizem respeito a viver de formas que eles consideram boas é composto pela participação nas várias tradições da sua sociedade.


À medida que os indivíduos participam nestas actividades, claro que exercem a sua autonomia. Eles fazem escolhas e julgamentos; as suas vontades são envolvidas; eles aprendem com o passado e planeiam para o futuro. Mas fazem-no no quadro de várias tradições que com autoridade lhes providenciam as escolhas relevantes, as matérias que são deixadas aos seus julgamentos, e os padrões que dentro de uma tradição determinam quais escolhas e julgamentos são bons e maus, razoáveis e ou irrazoáveis. O seu exercício da autonomia é o aspecto individual da sua conformidade à autoridade da sua tradição, que é o aspecto social do que eles estão a fazer. Eles agem autonomamente ao seguirem os padrões de autoridade das tradições a que sentem fidelidade.

 

(…) Entender o que se passa em termos de autonomia individual é tão unilateral quanto fazê-lo em termos de autoridade social. Cada uma desempenha um papel essencial, e entender o que se passa requer entender ambos os papéis que desempenham e o que os torna essenciais.

 

O tradicionalismo repousa sobre este entendimento, e é uma resposta política ao mesmo. A resposta é ter e manter arranjos políticos que promovem a participação dos indivíduos nas várias tradições que resistiram historicamente na sua sociedade. A razão para as promover é que as vidas boas dependem da participação numa variedade de tradições.


(…)


As mudanças são, claro, frequentemente necessárias porque as tradições podem ser perversas, destrutivas, embrutecedoras, negativas e, assim, não conducentes a vidas boas. É parte do propósito dos arranjos políticos prevalecentes distinguir entre tradições que são inaceitáveis, suspeitas mas toleráveis, e merecedoras de encorajamento – por exemplo, escravatura, pornografia e educação universitária. As tradições que violam os requisitos mínimos da natureza humana são proibidas. As tradições que historicamente fizeram contribuições questionáveis para as vidas boas podem ser toleradas mas não encorajadas. As tradições cujo registo histórico atesta a sua importância para as vidas boas são acarinhadas.

publicado às 13:51






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