Assisti pela primeira vez, ao programa de Constança Cunha e Sá na TVI24, no canal 7 da TV Cabo. Como seria de esperar, a agenda foi parcialmente preenchida pela visita de José Eduardo dos Santos. Se Fernanda Câncio exerceu o papel que lhe competia de defensora oficiosa da causa governamental, Francisco José Viegas e João Pereira Coutinho pontuaram as intervenções com as também previsíveis críticas à forma em que o acontecimento de Estado se revestiu.
É verdadeiramente patética, para não dizer ridícula, esta oportunista capacidade de análise de situações em que o desempenho protocolar do Estado, obedecendo a normas há muito estabelecidas, deriva rapidamente para um exercício de incontornáveis rancores, velhos ódios ou pior ainda, num alarve desejo de acertar o passo com a programação das mentalidades ditada pelo marketing vendido como enlatado politicamente correcto.
Exaustivas imagens de apertar de mãos, "discursos laudatórios", assinatura de acordos, banquetes no cenário creme-ouro do Palácio Real, tudo serve de móbil para a maledicência. O que parece evidente, é a total inconsciência daquilo que é e deve ser o protocolo do Estado, tão mais rigorosamente proporcional na rigidez, consoante a antiguidade do país anfitrião. Neste aspecto, Portugal pode exultar por na Europa, apenas ter a França, a Inglaterra e a Dinamarca, como companheiros de saga quase milenar.
Apesar das legiões de meias-brancas que a um certo momento adulteraram ou durante muito tempo procuraram não entender normas que existem porque assim deve ser, Portugal pode garantir a qualquer visitante oficial estrangeiro, as honras que lhe são logicamente devidas. Não é um rei de uma civilizada nação europeia, o ditador fulano de tal ou o presidente de um simulacro de país, quem momentaneamente se encontra entre nós. É o representante de um Estado e de um povo com o qual temos relações.
No caso dos países da CPLP, essas honras terão de ser particularmente extraordinárias, porque todos os membros da organização lusófona, são países recentemente formados - inclusivamente o Brasil - e ciosos de manifestações de respeito e reconhecimento de personalidade própria, sobretudo por parte de Portugal, a antiga potência soberana. Parada militar diante dos símbolos máximos da expansão - os Jerónimos, o Padrão das Descobertas e a a Praça do Império -, a deposição da tradicional coroa de flores aos pés de Camões, um grande jantar de gala, a escolta prestada pela Guarda Nacional montada, são convencionais distinções apreciadas e por si, dissipadoras de qualquer suspeita de menosprezo pelo visitante.
A profundamente imbecil atitude de um grupo semi-marginal como o chamado Bloco de Esquerda, "não aquece nem arrefece", pois é ditada pela permanente ânsia de um protagonismo afinal por todos os outros ignorado e cuja ausência nas cerimónias, é motivo de suspiros de alívio por parte dos representantes portugueses, sempre temerosos de atitudes descabidas e contrárias ao interesse nacional. Tal como o fez há uns poucos anos, afrontando a visita de Sua Majestade o rei de Espanha, o Excelentíssimo Senhor Doutor Francisco Anacleto Louçã, o turiferário-chefe da incongruência trotsquista-estalinista do mais alto coturno social, decidiu uma vez mais salientar-se, como habitualmente fazem as criancinhas quando os pais recebem visitas em casa. O critério de avaliação caso a caso é inexistente, pois aplica-se indiscriminadamente da mesma forma a José Eduardo dos Santos, a Carlos XVI da Suécia, a Bush ou a Juan Carlos I. São o que de mais parecido temos com aquela já antiga imagem de Cicciolina, expondo os seus atributos peitorais em pleno parlamento, fosse em que país fosse. Tudo ficava por aí, pelo exibicionismo de um sketch carnavalesco fora de tempo.
A má consciência da esquerda e a clássica mediocridade medrosa da direita portuguesa, cumprem assim o seu pleno. Quem não se lembra da visita do inefável casal Ceausescu em 1975, quando foi com extraordinárias honras recebido em Portugal, pela inacreditável criatura que mais tarde viria a ostentar o bastão de marechal? A esquerda vive bem com as atitudes de asquerosa subserviência demonstrada quando das visitas de lídimos canalhas como os senhores Honnecker, Castro ou Arafat. Pouco lhe importava a existência de um autêntico regime concentracionário na Roménia. De nada servia a evidência do SED, no desempenho do papel de mera marioneta ao serviço das forças de ocupação do Exército Vermelho na antiga RDA. Se na China são organizados espectáculos que descendem do Circo Romano, ocorrendo as execuções públicas nos estádios de futebol onde os condenados chegam ao local de morte em camiões que nos recordam as charrettes de Robespierre, tudo isto não passa de um detalhe da pequena história, plenamente justificável pela meta que o dito regime, filosoficamente pretende atingir. Se a castrista Cuba não passa hoje de uma carcaça nacional apodrecendo ao sol das Caraíbas e que bem merecia mudar de nome para república Tropicana, pouco importa.
Portugal mantém relações com países como o Irão, a Líbia, Cuba, Coreia do Norte, China, Zimbabué, a generalidade dos países da África sub-sahariana, etc. Não é normal erguerem-se vozes condenando abertamente as malfeitorias públicas e legalmente consagradas pelas sharias vigentes entre o Mar Vermelho e o vale do Indo. A desigualdade de sexos, as punições vexatórias, o livre arbítrio do ditador "anti-imperialista", tudo isto é esquecido em nome de pretensas causas de inexistentes libertações. O longo historial dos caídos companheiros de luta - no Camboja, Rússia, Bulgária, Polónia, Roménia, Albânia, Jugoslávia e em tantos outros lugares deste tão mal frequentado e felizmente desaparecido mundo de genocida utopia -, sempre foi escamoteado em benefício do imprescrutável conceito de uma alegada inevitabilidade do processo histórico. Hoje, é essa esquerda que repudia aquele que a "traiu". Exultou durante anos com a tutela verdadeiramente colonial e de contornos impiedosamente saquedores da Cuba castrista, considerando-se naquele tempo o MPLA, como uma secção local da Internacional. Era o tempo em que José Eduardo dos Santos representava o papel de libertador do seu povo e digno sucessor de Neto. Aos bloquistas e quejandos, pouco interessa que a situação da Angola de 1973, fosse incomparavelmente superior em todos os domínios, àquela vivida após três décadas de desastrosa independência. Num país entregue de bandeja pela potência que jamais foi vencida no campo de batalha, o novo poder miraculosamente instalado pela vontade da esquerda portuguesa ao serviço do sovietismo, sempre contou com o apoio de Louçãs, Cunhais e toda uma infinita miríade de candidatos a gauleiter vermelho de um Portugal "internacionalista". O fim do Muro de Berlim fez ruir orgulhos e as certezas de despotismos vários, entre os quais o intelectual que arrogantemente sempre foi apanágio de auto-proclamados bem pensantes de casta exclusivista. Hoje o presidente de Angola é para eles um "traidor", pelo simples facto de o mito comunista ter desaparecido na fossa de uma mal contada história. Na verdade, pouco lhes comove a situação dos direitos humanos, ou a fortuna pessoal da família Dos Santos. Se assim fosse, existiria correspondente furor no que respeita ao caso Lukashenko, Mugabe, Kim jong Il, Castro, Kaddafy, todo o Politburo de Pequim, a Junta birmanesa ou a satrapia estalinista de Vienciana. Não existe essa raiva, essa ânsia de justiça, porque o figurino é apetecível e derradeira esperança no incerto porvir.
Quanto à direita mais timorata da Europa - a portuguesa -, interessa-lhe sempre agradar ao interlocutor "de esquerda" que ao fim de semana com ela participa na estéril e possivelmente bem paga mesa-redonda. A direita perdeu todo o sentido de decência e a consciência naquilo que sempre foi seu património e que se convenciona chamar de sentido de Estado, interesse nacional ou simplesmente, diplomacia. Angola, Moçambique, Guiné, Cabo-Verde, S. Tomé, Timor e Brasil, são hoje e mais que nunca, a grande prova da razão de existência da nação portuguesa erigida em Estado soberano. Os regimes não são eternos, por muito que se prolonguem num tempo, por si mesmo historicamente curto. Parece que apenas o mundo dos "negócios" - esse sim, perigoso, egoísta, muitas vezes anti-nacional e frequentemente desprezível -, compreende a necessidade de um normal relacionamento inter-estatal de Portugal com o antigo Ultramar. Obcecada com os eflúvios dos perfumes da Europa que aqui ainda vão chegando do fundo da quase vazia cornucópia dos fundos comunitários, a direita ignorante e leitora de cabeçalhos de pasquins económicos, não sabe sequer que já não o é.
Para o povo, o cerimonial do Estado é uma orgulhosa referência de passadas glórias e a certeza da eternização de Portugal no tempo.
Angola é importante e o seu presidente, hoje José Eduardo dos Santos e amanhã um outro dignitário a descobrir, também. Como parte integrante de pleno direito da História de Portugal, além da parada nos Jerónimos, da guarda montada, do banquete na Ajuda e da atribuição de comendas, qualquer Chefe de Estado da CPLP merecia beneficiar de um passeio de carruagem por Lisboa. Para Portugal, Angola e o antigo Ultramar no seu conjunto, é hoje tão imprescindível como a Inglaterra de 1957, quando uma deslumbrante Isabel II foi recebida por quem soube entender e interiorizar a razão de ser das coisas. Os regimes chegam e partem, mas o povo fica. Assim dizia Estaline, referindo-se à Alemanha. "Eles" que aprendam algo com o oculto mestre.