por João Pinto Bastos, em 11.12.12

D
Domingo é sempre um óptimo dia para visitar o nosso património museológico. O tempo é mais distendido e a atenção é redobrada. Por isso, escolhi este dia para efectuar uma breve visita à Fundação de Serralves. Visita essa, que visava, sobremodo, o cumprimento de um desejo que eu acalentava há muito: a apreciação in loco da obra de Julião Sarmento. A ansiedade era grande, a decepção foi gigantesca. Porém, nada do que vi me surpreendeu deveras. Não sou crítico de arte, nem pretendo ser, contudo, posso afirmar, com alguma certeza, que as manifestações contemporâneas do fenómeno artístico - já sei que algumas das aventesmas do meio irão apodar-me de perigoso reaccionário - são, em maior ou menor grau, o triunfo absoluto do nada. Do nada peçonhento, do nada que desmoraliza e amoraliza. Não chegámos aqui por acaso. O percurso que nos trouxe a esta degradação artística tem uma história bem determinada. Não é o objectivo desta posta escalpelizar esses motivos, no entanto, a genealogia da degradação é um ponto incontornável em qualquer diagnóstico que se queira certo e fiável. Fiquei particularmente desiludido com a vacuidade da obra de Sarmento. Sei bem que esta asserção é polémica e passível de contraditório, mas, o que observei, e considero aqui todos os suportes da sua obra - a pintura, a fotografia, o desenho, o vídeo, a instalação, a performance -, permitiu-me recordar algo que sempre tive como uma verdade indesmentível: a representação do erotismo banalizou-se. Trivializou-se inapelavelmente. A plasticidade e fragmentação das obras representadas, em que as imagens são compaginadas com citações literárias bem esgaravatadas, reduzem-se a um todo comum coroado na afirmação de um erotismo chão completamente desprovido de sensibilidade. Um erotismo carregado de choque e de vulgaridade sensaborona. A representação dos sexos é um bom termómetro do que foi referido atrás. Há, no conjunto da obra exposta, uma certa banalização no tratamento do sexo, no destino dado às figurações do íntimo e do impenetrável. A própria indecifrabilidade das figurações e representações aduz, a meu ver, mais um elemento de trivialização em algo que, por natureza, não é trivializável. Tenho um parti-pris de princípio relativamente à arte contemporânea. Nas suas diversas representações - a arte informal, a body art, a arte conceptual, o minimalismo, etc. - falta à arte hodierna um princípio de Beleza, um significado poderoso que capte o mistério da Vida, que represente e não desfigure. Em suma, que refute o império do kitsch. Há alguns dias atrás o Samuel de Paiva Pires citou Mario Vargas LLosa que, numa passagem interessante, dizia que "actualmente tudo pode ser arte e nada o é, segundo o soberano capricho dos espectadores, elevados, devido ao naufrágio de todos os padrões estéticos, ao nível de árbitros e juízes que outrora só certos críticos detinham." No fundo, a deriva da arte é o sinónimo mais inclemente do declínio irreversível de uma civilização assente, em simultâneo, na trivialização da vida, no ocaso do mistério, no desprezo das grandes verdades, e, por último, no menoscabo brutalizado da beleza indizível da existência. A obra de Sarmento, respeitável como qualquer outra, é uma mera centelha no meio da fogueira aberta. Mas é, concomitantemente, um bom exemplo, desta feita meramente nacional, do declínio induzido por uma cultura estribada no facilitismo generalizado. Sair disto será difícil.
P.S.: Veja-se esta amostra http://mademoisellecaetanodiaz.blogspot.pt/2012/10/a-procura-de-juliao-sarmento-em.html