Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Vejo por aí um certo entusiasmo com Enrico Letta. No fundo, isso não me surpreende. O mesmo já ocorreu quando o messias Hollande emergiu na cena política europeia. Portanto, em jeito de resposta ao João Gonçalves, é evidente que, na hierarquia dos anjos, ninguém ouvirá o que Letta tem para dizer. Os profetas do crescimento - o que é isso de crescimento? - podem tirar o cavalinho da chuva porque o consenso em vigor não se moverá ao sabor do palavrório vão de meia dúzida de líderes políticos desconchavados. A Alemanha jamais cederá na sua demanda de austeridade a todo o custo. Está-lhes no sangue. Ademais, a schadenfreude austerista, que tem servido de pano de fundo à hegemonia de Berlim no plano europeu, permanece irrevogável porque as elites alemãs assim o desejam. A austeridade não surgiu por acaso. Resultou de uma arquitectura económica europeia deficiente e de uma gestão tresloucada das economias dos estados-membros. Nada surge por acaso. Além disso, os alemães, desde a reunificação, decidiram voltar a ter um projecto nacional. Algo que, como sabemos, não existe noutras paragens. Enquanto uns afirmam uma identidade, outros definham. É a lei da vida. Entretanto, as placas tectónicas do instável chão europeu vão-se movendo lentamente. O consenso actual dificilmente perdurará, porém, desenganem-se os que pensam que a austeridade desaparecerá em breve, sob o efeito de um ciclone eleitoral com origem na pátria teutónica. Com ou sem euro, a palavra mágica "crescimento" só frutificará quando as elites políticas europeias entenderem que é forçoso reduzir o fardo da dívida. Conseguirão? Não sei, mas como dizia o improvável Kafka, o melhor é mesmo acreditar apaixonadamente que é possível mudar o que existe, pois só assim criaremos o que não existe.