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Da perfeição da mulher

por Samuel de Paiva Pires, em 02.02.12

 

Soren Kierkegaard passa 90% de In Vino Veritas em pleno orgasmo intelectual misógino, para no fim reconhecer a realidade, que por força das evidências sou obrigado a subscrever. Quer-me parecer que a misoginia de Kierkegaard, Wilde ou qualquer outro, diz mais da muito imperfeita natureza masculina do que da feminina:

 

«No princípio havia só um sexo; dizem os gregos que era o sexo masculino. Dotado de faculdades magníficas, era uma criatura admirável em que se reviam os deuses; os dons eram tão grandes que aconteceu aos deuses o mesmo que por vezes acontece aos poetas que gastaram todas as forças na criação de uma obra: tiveram inveja do homem. O pior é que tiveram receio dele; temeram que ele não estivesse disposto a aceitar de bom grado o jugo divino; tiveram medo., embora sem razão para isso, que o homem chegasse a abalar o céu. Haviam feito surgir uma força nova que lhes parecia estar a ser indomável. A inquietação e a perplexidade dominavam então no concílio dos deuses. Mostraram-se primeiro de uma generosidade pródiga ao criarem o homem; mas agora tinham de recorrer aos meios mais violentos para legítima defesa. Os deuses pensavam que o seu poderio estava em perigo, e que não podiam voltar atrás, como um poeta que renegue a sua obra. O homem já não podia ser dominado pela força, porque se o pudesse ser, os deuses teriam resolvido facilmente o problema; e era isso precisamente o que lhes causava desespero. Era preciso cativá-lo pela fraqueza, por um poder mais fraco e mais forte do que ele, capaz de o subjugar. Que poder espantoso e que poder contraditório não havia de ser! A necessidade também ensina os deuses a transcenderem os limites do engenho. Pensaram, meditaram, encontraram. A nova potência foi a mulher, maravilha da criação; e os deuses, ingénuos e contentes, mutuamente se felicitaram pela nova invenção. Que mais poderei eu dizer em louvor da mulher? A mulher foi tida por capaz de fazer o que parecia impossível aos deuses; além disso, a verdade é que desempenhou admiravelmente o seu papel; que maravilha não deve ser a mulher para conseguir os seus fins! Tal foi a astúcia dos deuses. A encantadora foi formada e dotada de uma natureza enganadora; mal encantou o homem, logo se transformou, enleando-o entre todas as dificuldades do mundo finito; era isso mesmo o que os deuses queriam. Que seria possível imaginar de mais fino, de mais atraente, de mais arrebatante, do que este subterfúgio dos deuses que querem salvaguardar um império, do que este processo para seduzir o homem? Tal é a realidade; a mulher é a sedução mais poderosa do céu e da terra. Comparado com ela, o homem é um ente muito imperfeito.» 

publicado às 01:17

O Eremita de In Vino Veritas

por Samuel de Paiva Pires, em 31.01.12

Soren Kierkegaard:

 

«Estarei a aconselhar o celibato, já que por alguma razão me chamo Eremita? De maneira nenhuma. Deixemo-nos de celas e de claustros. Este viver solitário ou solteiro não é mais do que uma expressão do imediato aos olhos do espírito que se recusa a este género de expressão. Pouco importa que o dinheiro seja de ouro, de prata ou de papel; compreenderá o meu pensamento somente quem nunca se servir de dinheiro falso. Aquele para quem a expressão imediata não passa de uma falsidade, esse, e só esse, estará mais seguro do que se for viver para a cela; será sempre um eremita, ainda que ande de noite e de dia com as outras pessoas nos transportes públicos.»

publicado às 21:23

 

Soren Kierkegaard, O Banquete ou In Vino Veritas:

 

«Confesso a verdade quando digo que a minha alma está isenta de inveja e cheia de gratidão para com Deus; antes quero ser homem pobre de qualidades, mas homem, do que mulher - grandeza imensurável, que encontra a sua felicidade na ilusão. Vale mais ser uma realidade, que ao menos possui uma significação precisa, do que ser uma abstracção precisa, do que ser uma abstracção susceptível de todas as interpretações. É, pois, bem verdade: graças à mulher é que a idealidade aparece na vida; que seria do homem, sem ela? Muitos chegaram a ser génios, heróis, e outros santos, graças às mulheres que amaram; mas nenhum homem chegou a ser génio por graça da mulher com quem casou; por essa, quando muito, consegue o marido ser conselheiro de Estado; nenhum homem chegou a ser herói pela mulher que conquistou, porque essa apenas conseguiu que ele chegasse a general; nenhum homem chegou a ser poeta inspirado pela companheira de seus dias, porque essa apenas conseguiu que ele fosse pai; nenhum homem chegou a ser santo pela mulher que lhe foi destinada, porque esse viveu e morreu celibatário. Os homens que chegaram a ser génios, heróis, poetas e santos cumpriram a sua missão inspirados pelas mulheres que nunca chegaram a ser deles. Se a idealidade da mulher fosse positivamente, e não negativamente, um factor de entusiasmo, inspiratriz seria a mulher à qual o homem, casando, se unisse para toda a vida. A realidade fala-nos, porém, outra linguagem. Quero dizer que a mulher desperta, sim, o homem para a idealidade, mas só o torna criador na relação negativa que mantém com ele. Compreendidas assim as coisas, poderá efectivamente dizer-se que a mulher é inspiradora, mas a afirmação directa não passa de um paralogismo em que só a mulher casada pode acreditar. Quem ouviu alguma vez dizer que uma mulher casada tivesse conseguido fazer do marido um poeta? A mulher inspira o homem, sim, mas durante o tempo em que for vivendo até a possuir. Tal é a verdade que está escondida na ilusão da poesia e da mulher. Que o homem não possua a mulher, isso é o que pode ser entendido de várias maneiras. Ou está ainda na luta para a conquista, e assim se disse que a donzela entusiasmou o amante a ponto de fazer dele um cavaleiro, mas nunca se ouviu dizer que um homem se tornasse valente por influência da mulher com quem casou. Ou está convencido de que nunca lhe será possível casar com ela, e assim se diz que a donzela entusiasmou e despertou a idealidade do amante que se manifestou capaz de cultivar os dons espirituais de que porventura era portador. Mas uma esposa, uma dona de casa, tem tantas coisas prosaicas com que se preocupar, que nunca desperta no marido a idealidade. Há ainda outro caso, em que o homem não possui a mulher porque persegue um ideal. Assim vai ele passando de amor para amor, o que é uma espécie de ser infeliz no amor; a idealidade da alma do amante está então no ardor da procura e da perseguição, e não nos amores fragmentários que não valem a soma das aventuras particulares.»

publicado às 23:52

Para desanuviar da Grécia

por Samuel de Paiva Pires, em 03.11.11

Um dia vou-me sentar à mesa a falar com a miúda que há meses troca olhares comigo na pastelaria onde tomo o café de manhã. Amanhã ainda não é o dia. Nem sei se ele virá, que o melhor é mantê-la na sua função simbólica de me colocar bem disposto logo pela manhã, sem que sequer troquemos uma palavra. Porque citando Kierkegaard, "Que a mulher seja capaz de falar, quero dizer verba facere, todos nós sabemos, e não precisamos de prova. Infelizmente, ela não goza de reflexão suficiente que a ponha ao abrigo da contradição que surge a curto prazo, digamos quando muito, ao fim de oito dias, pelo que o homem tem de intervir para lhe prestar auxílio lógico, para a restabelecer na ordem do pensamento, pelo que o homem tem de a contradizer. Acontece, pouco depois, que a confusão bate em cheio."

publicado às 23:44

Da renúncia ao amor

por Samuel de Paiva Pires, em 29.10.11

 

Soren Kierkegaard, O Banquete ou In Vino Veritas

 

«Estais agora a ver, meus caros amigos as razões por que renunciei ao amor. As minhas razões são tudo para mim; o meu pensamento é tudo para mim. Se o amor é o mais delicioso de todos os prazeres, recuso-o; recuso-o sem pretender com isso ofender ou desdenhar alguém. Se o amor é a condição do maior benefício, perco a oportunidade de bem fazer, mas salvaguardo o meu pensamento. Não é que eu esteja cego para a beleza, não é que eu esteja surdo para as harmonias e as melodias. Não. O meu coração não é insensível ao cantar dos poetas que gosto de ler, a minha alma não é destituída de melancolia e não deixa de sonhar com as belas imagens do amor. A verdade é que não quero ser infiel ao meu pensamento, pois, se o fosse, o que lucraria com isso? Quanto a mim, não sinto felicidade quando não sinto o meu pensamento livre; nem quando tivesse de interromper os meus pensamentos para me ligar a uma mulher, para gozar as maiores delícias; porque a ideia é para mim o meu ser eterno, e, por isso, mais preciosa ainda do que um pai ou de que uma mãe, mais preciosa ainda do que uma esposa. Bem vejo que se algo deve ser sagrado, é o amor; que se a infidelidade é algures infame é no amor; que se alguma traição é ignóbil, é no amor; mas a minha alma é pura, nunca olhei mulher alguma que a cobiçasse; nunca andei como borboleta em inconstantes voos até que, cego ou empurrado pela vertigem, fosse cair na mais decisiva das situações. Se eu soubesse em que é que consiste o amável, saberia também com exactidão se estarei ou não isento de culpa por ter induzido alguém em tentação; mas como ignoro o que é o amável, posso apenas ter a convicção de que conscientemente, nunca tal fiz nem quis fazer. Suponde agora que eu tivesse capitulado, que me tivesse resolvido a rir ou que sucumbisse de medo, o que talvez fosse possível. Sim, eu não sou capaz de encontrar a via estreita pela qual os amantes tão facilmente seguem como se fosse larga, imperturbáveis em todas as vicissitudes como se tivessem estudado e aprofundado, no nosso tempo que examinou já, sem dúvida, todos estes problemas, e, portanto, compreende também este meu pensamento: não tem sentido agir segundo o imediato, para ter sentido é indispensável passar pela meditação, por conseguinte é preciso esgotar todos os modos possíveis de pensamento antes de passar aos actos. Mas, que dizia eu? Suponde que eu tivesse sucumbido. Não teria eu então, irremediavelmente, ofendido a minha bem amada com o meu riso, ou não teria eu, pela minha retirada, causado para sempre o desespero dela? Quanto à mulher, vejo bem que ela não pode chegar a tão alto grau de reflexão; aquela que julgasse cómico o amor (usurpando assim o privilégio dos deuses e dos homens; porque é ela, mulher, por natureza a tentação que os incita a tornarem-se ridículos) trairia por isso inquietadores conhecimentos prévios, e seria portanto a pessoa menos apta para me compreender; aquela que concebesse o meu receio teria por isso perdido a amabilidade que era o seu encanto, sem que por isso ficasse apta para compreender; de um ou de outro modo, a mulher seria aniquilada, o que eu não sou nem serei enquanto tiver o meu pensamento para a minha salvação.»

publicado às 18:32






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