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Bengazi era considerada como uma meca do fundamentalismo na Líbia. Muitos rumores correram acerca do sonho da construção de um emirato independente da Tripolitânia, controlado pela gente das milícias extremistas que profanaram cemitérios cristãos e aterrorizaram uma população até então dominada por um Estado laico.
Os acontecimentos dos últimos dias, parecem demonstrar uma realidade bem diferente daquele habitual encolher de ombros, tristemente resignado à aceitação do fundamentalismo. As sedes e bases das milícias foram atacadas e queimadas e a população manifestou-se nas ruas, obrigando o governo a reagir a declarar a proibição dos bandos armados. Talvez nada disto tenha sido expontâneo e é até bem possível ter sido o executivo de Trípolis, quem organizou esta "indignação popular" contra a prepotência islamita. Se assim foi, melhor ainda.
Há mitos cuja extraordinária persistência, apesar de há muito terem sido cientificamente arrasados, se revelam bem perigosos. Por exemplo, o gráfico abaixo, é apresentado por alguns como "A Prova" de que uma intervenção estatal a grande escala - a II Grande Guerra - permite "resolver" os problemas associados a uma grande e profunda recessão económica (como a que atravessamos). Este senhor - não por acaso muito admirado pela anterior troupe socratina, pela actual equipa dirigente do PS, na forma mitigada de "austeridade inteligente", e permanentemente incensado no Público (como voltou a acontecer na edição de hoje) -, não tem andado a escrever nos últimos anos outra coisa que não isto.
Pacheco Pereira, na sua crónica de ontem no Público, tentou prescrutar as razões de ser da intervenção da NATO na Líbia sem todavia fornecer uma interpretação conclusiva. Com o devido respeito, creio que a resposta está na intersecção das doutrinas wilsonianas do nation building (de que Clinton foi um activo praticante) e do complexo militar-industrial de que falava Eisenhower no seu discurso presidencial de despedida, que constituem o sustentáculo do imperialismo americano que toma como seus "interesses" tudo o que se passa nos quatro cantos do mundo. A igreja keynesiana, entretanto, encarrega-se de justificar que tudo afinal ocorre a bem da actividade económica americana .
Curiosamente, esta senhora, candidata à nomeação presidencial pelo partido republicano, e nos antípodas ideológicos de Paul Krugman, acha que o Iraque e a Líbia deveriam agora reembolsar o governo americano das despesas incorridas na sua "libertação" pelos pressurosos EUA. Já John McCain, candidato republicano derrotado em 2008, acha que o dia em que Obama anunciou a retirada do Iraque (será mesmo desta vez?) marcou "um nocivo e triste revés para a posição dos Estados Unidos no mundo". Next, please! O Irão parece ser um "excelente" candidato.
Informação adicional: aqui, por Jon Stewart.
Não se deveu a qualquer receio de falhar uma pretensa "previsão". Não foi também, o esmorecer do interesse pelo assunto que ainda pendente, vai evoluindo de forma lenta, mas segura. Como dissemos logo nos primeiros dias da "campanha da Líbia", o quadro militar depende muito das condições do terreno e das distâncias, logística e capacidade de movimentação dos contendores. De facto, a posse de milhares de quilómetros quadrados de dunas ou areais a perderem de vista nada significam e a distância que separa Trípolis de Bengazi, será equivalente à de um mar que não conhece fronteiras físicas.
Desde cedo houve quem apontasse a hipótese de uma mão da Al Qaeda no levantamento da parte oriental do país. Fazendo vista grossa da especificidade da Cirenaica e das suas gentes, esqueceram um passado conflituoso e alheio aos acontecimentos que pontilharam a evolução, bem diversa, da antiga colónia da Tripolitânia. A realidade líbia surgiu nos mapas e como entidade una, durante o consulado de Mussolini e a derrota italiana, consagraria já numa fase do mandato britânico, o caminho da independência.
A Al Qaeda e o seu chefe Bin Laden, podem ser considerados como os mais temíveis e radicais inimigos das monarquias muçulmanas, entendendo a Umma como coisa indivisível e capaz de federar sem qualquer tipo de fronteiras, povos muito diversos e por vezes antagonistas devido a interesses, raízes históricas e clivagens religiosas. Assim, a Monarquia jamais poderia ser utilizada como bandeira libertadora em relação a qualquer um dos regimes fortemente pessoais que têm sobrevivido ao longo de décadas. O hastear da tricolor dos Senussi, a adopção do seu hino e a intenção de restaurar a Constituição de 1951 - e o seu articulado, aliás apadrinhado pela ONU -, nunca poderiam ter surgido pela vontade de gente ligada a uma pouco definível entidade como é a Al Qaeda. Abusando do termo, este registo pode estar a ser utilizado em termos de franchising por movimentos ou pequenos grupos activistas da subversão que não têm ligação entre si, não obedecem a qualquer directiva central e que variam nos objectivos e métodos. Bem vista esta realidade e passando sobre a candente questão da fé, qualquer grupúsculo terrorista poderá ser tentado à invocação Al Qaeda, recolhendo amplos dividendos na campanha de intimidação das populações. Embora e em desespero Kadhafi invoque Bin Laden, não parece ser este, o caso do conflito que o mundo tem seguido com cada vez mais mitigado interesse. O mundo parece ser estar agora obrigado a tentar compreender o fenómeno imprevisto de populações na iminência de derrotarem os desígnios da Al Qaeda.
A sublevação líbia foi organizada e isto não pode oferecer qualquer tipo de dúvida. Teve uma base tribal, recorreu à simbologia patriótica de uma região que jamais aceitou a queda dos Senussi e tal como oportunamente dissemos, decerto contou com algum apoio externo, mormente britânico.
A recepção do chefe da Casa de Senussi no Parlamento Europeu, é sintomática de uma paulatina aceitação da possibilidade do estabelecimento de um regime representativo na Líbia, mas adequado à realidade local, aliás bastante confusa para os europeus há séculos habituados ao primado da Lei geral do Estado. Não surpreendeu a sua compreensão pela actual realidade no terreno, onde um caótico Conselho Interino Líbio faz as vezes de um governo legítimo. A evolução recente dos Estados ditatoriais, viu a genérica apropriação do vazio de poder por elementos dos anteriores regimes e esta é uma verdade tão válida na Polónia, como na Roménia, Bulgária, Hungria, Rússia e até, na omnipotente Alemanha reunificada. Nesta primeira fase, os líbios inevitavelmente tiveram de condescender com a colaboração de antigos funcionários Kadhafistas, embora a estrutura final do regime que sucederá ao conflito, ainda está muito longe de perfeitamente delineada.
Mohamed as-Senussi propõe um maior investimento ocidental na queda de Kadhafi, sem que isso signifique qualquer imediato compromisso para a restauração da Monarquia no país. No entanto, há que salientar a sua insistência quanto à re-implantação da Constituição da independência - a Constituição promovida pela ONU de 1951 -, cujo articulado é bastante claro quanto à organização e forma do Estado. Tranquiliza os anacrónicos pruridos europeus, declarando que a escolha deverá obedecer à vontade dos líbios. Decerto conta com o prestígio local da sua dinastia e com o impulso que a vitória das suas cores poderá significar no conjunto de tribos que compõem o país, onde a ideia do primado do chefe e uma certa ideia de paternalismo benfazejo, serão poderosos argumentos a ter em conta.
"Esta operação de imposição da paz implica o uso da força armada até alcançar um cessar-fogo. A força também pode ser usada para alcançar outros fins, como refúgios para as vítimas das hostilidades. Uma operação de imposição da paz é claramente uma situação de conflito armado. Isso significa que as forças de imposição são combatidas por um dos lados e que devem lutar para forçar um cessar-fogo, que se opõem a um ou ambos os combatentes. No processo, eles perdem a sua neutralidade. Essas operações estão além da capacidade da ONU para o comando e controle, e podem ser realizadas por uma coligação ou por uma poliarquia como a NATO. Como existe a legitimidade… Os Estados soberanos devem ser tidos em conta e, assim, um mandato internacional é imprescindível para a operação ser considerada legítima. Conhecemos do Direito Romano a distinção entre inimicitia e justum bellum; o exemplo clássico é Octávio a conduzir a guerra contra Cleópatra como justum bellum e contra Marco António como inimicitia. O conflito da Líbia é justum belllum contra o “tirano de Trípoli”, do ponto de vista da coligação da OTAN, em virtude da Resolução 1973, e é inimicitia a partir da perspectiva dos rebeldes pós-islâmicos."
Leia o texto completo AQUI
...verificou-se um ataque à base naval, talvez aquela onde se encontram as duas fragatas* que Kadhafi comprou, com o fim de as oferecer em comando a um dos seus filhos.
*As fragatas são de origem russa, não são brasileiras...
Um dos mais implacáveis interventores em territórios alheios, decidiu-se hoje a juntar a sua voz, à de antigos camaradas do amanhã que jamais chegou. Putin copia as declarações de Castro e Chávez, chegando ao ponto de se apropriar do ridículo argumento em voga desde os tempos da II Guerra do Golfo e que faz os Cruzados renascerem à hora dos noticiários.
A Rússia é um dos alvos mais apetecidos dos radicais muçulmanos que desde a fronteira ocidental da China e por todo o vasto espaço da antiga Ásia Central soviética, despoletaram situações de completa insegurança no Cáucaso, sul da Rússia e nas próprias duas grandes cidades do país, Moscovo e São Petersburgo. Putin e o seu "Roberto em cena", têm sido expeditos nos métodos para o aplacar de quaisquer veleidades secessionistas e invocam a luta antiterrorista, como uma necessidade da segurança colectiva. O esmagar de quem lhes surja pela frente, não olha a métodos ou à dose de brutalidade, tudo e todos liquidando sem contabilizar vítimas-reféns ou os algozes do momento.
Invocando a luta antiterrorista, é assim que se explicam junto da comunidade internacional, melhor dizendo, de um Ocidente receoso e bastante atento à sua fronteira leste. Grozni - destruída a tiros de canhão -, Baku, a Geórgia, Abecázia Nagorno-Karabak e outros pontos perigosamente próximos da instável zona do Médio Oriente, podem sempre contar com as "cruzadas" à Alexandre Nevski, a executar pelos tanques de Putin e Medvedev. Provavelmente agastado pelo quase certo desaparecer de um importante cliente de armamento Made in Russia, Putin enerva-se e agudiza o som das cordas vocais, copiando os argumentos da dupla Kadhafi senior-Kadhafi junior. Não tardará muito, até começar a fazer o estapafúrdio link entre a Al Qaeda e a NATO.
Bem vistos os factos, todo este arrazoado de futilidades resumir-se-á à justificação de mais uma ajuda ao conglomerado militar-industrial russo, desejoso de fazer pesar ainda mais, a sua omnipotência no regime de Moscovo. Pior ainda, Kadhafi acenou-lhe com miríficas concessões petroleiras, hoje vistas por um canudo. Trata-se de uma questão comercial e tendente a piscar o olho mundo fora, a novos clientes de armamentos que no caso do Médio Oriente e mercê da inabilidade dos usuários, têm a irritante tendência para a aniquilação no terreno, vitimados pela tecnologia ocidental.
Pelos vistos, nada esqueceu dos seus tempos de bisbilhotice de arquivos e dos serviços arranca-unhas que terá prestado na Praça Lubianka.
1 - A UE anda há anos a financiar organizações nos países do Magreb que estimulem e promovam a democracia nos respectivos países. Agora temos alguns dos seus Estados-Membros à cabeça desta operação. Estamos cada vez mais próximos do ideário norte-americano neo-conservador do que se possa pensar.
2 - Guardar como nota mental que a Rússia que agora se abstém e mostra reservas quanto à intervenção, é a mesma que interveio na Geórgia precisamente sob o mesmo pretexto de protecção dos civis. Não são apenas os europeus e norte-americanos que são hipócritas.
3 - Sarkozy deveria convidar Kadhafi para jantar e aproveitava para comparar com o ditador o tamanho dos respectivos órgãos reprodutores. Poupava-se muito trabalho e dinheiro nesta “Bigger dick foreign policy”.
4 - Nos EUA, com uma economia já de si fortemente deficitária, em larga escala devido aos elevadíssimos custos das guerras em que estão envolvidos, o próprio Messias da esquerda europeia viu-se empurrado para esta guerra. É bom para Obama que desta feita haja realmente um plano realista pois o desfecho desta será determinante para o seu futuro político.
5 - Se fosse vivo, Huntington rir-se-ia dos seus críticos. E Barry Buzan continua a ter razão. Criámos um sistema de permanente ingerência interna nos assuntos uns dos outros, e com a retórica dos direitos humanos estamos cada vez mais a encurralar-nos a nós próprios com hipocrisias e double standards.
6 - E talvez o mais importante. Sabendo que é apenas uma questão de tempo até Kadhafi ser apanhado, se não o for morto, o que é que lhe acontecerá a seguir? O que é que os mesmos líderes que andam há anos a apaparicá-lo e a deixá-lo passear com a sua tenda e guarda pretoriana por aí irão fazer?
Merkel colocou este bunker à venda por uma pechincha. Quer comprá-lo?
"17h25. Rassemblement à la résidence de Kadhafi. La télévision d'Etat annonce que des centaines de Libyens sont rassemblés au QG de Mouammar Kadhafi à Tripoli «en prévision de frappes françaises». «Les foules se rassemblent autour des cibles désignées par la France» pour les bombarder, assure la télévision, en diffusant des images en direct de Libyens qui, selon elle, sont rassemblés à la résidence à Bab al-Aziziya ainsi qu'à l'aéroport international de Tripoli."
Aqui está uma oportunidade para a demasiadamente excitada senhora Cândida Pinto. Todos têm seguido as suas reportagens, quase milimetricamente coincidentes com o inesgotável libreto da propaganda de Kadhafi. Sabemos a quem pertence a SIC e isso torna estes exageros compreensíveis.
Deixando o copy-paste kadhafista, resta-nos dizer que dentro do bunker soterrado por milhares de toneladas de areia entremeadas de placas de betão, o "guia da revolução" vai-se confortando no seu SPA privado. Lá em cima, à volta da tenda que cobre o complexo defensivo e onde o imaginam totalmente indefeso, magotes de mulheres ululantes servem de escudo, consistindo num potencial alvo do ataque que se espera e que Kadhafi deseja. Por enquanto, têm-se contentado com fervores patrióticos diante das equipas televisivas ocidentais e ainda bem que assim é.
Nada de novo. É uma velha história. Pensarmos que ao fim de setenta anos ainda falam de Hitler, quando este, refugiado no bunker da Chancelaria, jamais se serviu deste tipo de artimanhas!
Kadhafi acaba de declarar o cessar fogo. Pode consistir num estratagema susceptível de dilatar no tempo, as possibilidades de sobrevivência do seu regime. Ainda ontem ameaçava "partir para loucuras" e fazer a vida de outros "num inferno". Hoje e numa das habituais reviravoltas, o discurso é outro.
No entanto, se a notícia se confirmar no terreno - o que é ainda muito duvidoso -, trata-se de uma extraordinária vitória de uma ONU muito desprestigiada. Prova-se assim absolutamente correcto o voto de ontem e para o qual Portugal contou. Entretanto, em S. Bento continua a demagogia de sempre e neste caso, Sócrates tem razão.
Os britânicos também tinham a razão do seu lado e isto, desde o primeiro dia.
* Se pretenderem rir um pouco com o farsante em causa, poderão obter algumas informações neste artigo do Público: pobrezinhas tendas como cenário "a fazer de conta", bunkers, piscinas de 100 metros, cirurgiões estéticos à Berlusconi, um "Ho(l)me(s) Place" e outras excentricidades à disposição do homem que declaradamente gostava de ser "como" a Rainha de Inglaterra.
Portugal de regresso à normalidade: fez o que devia, ministro Luís Amado
A actual situação de guerra total e sem olhar a meios, exige a obliteração do regime do Sr. Kadhafi. Não pode haver qualquer ensejo de contemporização para com o déspota, ou pretender a reforma de um regime que durante quarenta anos, empilhou provas insofismáveis da sua marginalidade. Propor um "período de transição" com a gente que comanda em Trípoli, pode levar muitos a pensar que consiste numa tentativa de "salvar o que possa ser salvo". Ali, pouco ou nada existe para aproveitar e este deve ser um capítulo definitivamente encerrado.
O ministro Luís Amado finalmente acedeu a esclarecer a posição portuguesa, que contudo permanece prisioneira ao estranho princípio de um compromisso que todos sabemos muito difícil. De qualquer forma, as suas declarações no Maputo representam já qualquer coisa, mesmo verificando-se a existência de algumas zonas cinzentas no discurso. De facto, qualquer apeasement é inaceitável.
Hoje, nem Kadhafi pai ou qualquer outro membro da família, são hipóteses minimamente aceitáveis para a instituição de um Estado de Direito. Percebe-se facilmente que se não for possível obter uma vitória total com as óbvias consequências dela decorrente, o regime pretende pelo menos uma trégua que lhe permita reagir mais tarde, identificando adversários, consolidando posições e plausivelmente contra-atacar quando lhe for mais conveniente. Os Kadhafi não têm um mínimo de idoneidade no jogo diplomático entre potências, são avessos a qualquer noção básica de Direito Internacional, ameaçam sem escolher as palavras, não aceitam regras, nem hesitam quanto a reacções desproporcionadas. Pior que tudo, sempre foram absolutamente imprevisíveis. Comprovada esta verdade de décadas, deverão desaparecer da cena, por muito que isso custe aos seus amigos e recentes interlocutores da política e dos negócios. Que isto fique bem claro, pois para evitar desastres futuros, não há lugar para uma solução "à romena-Illiescu". Nas Nações Unidas, os aliados tácitos de Kadhafi - russos, chineses, e comparsas menores, alguns dos quais, envergonhados europeus que não valerá a pena mencionar -, demonstram bem a necessidade de um forte sinal a enviar à comunidade internacional.
O comércio pode esperar, mas os princípios impõem-se a um Ocidente que não pode nem deve transigir. Até os americanos finalmente parecem render-se a esta necessidade.
Adenda: são 21.01H e dentro de uma hora, o C.S. da ONU votará a resolução. Esperamos para ver qual será a posição portuguesa. Ficaremos a saber se Portugal votará ao lado da sua aliada de mais de sete séculos - além da França e EUA -, ou se tergiversará no sentido da decisão ou apetite do seu "tutor" de Berlim, o que possivelmente significará uma abstenção igual á russa ou chinesa.
"Não se pode ir para a guerra. A comunidade internacional não deve e, na minha opinião, não quer levar a cabo uma acção militar na Líbia", diz o ministro da potência que representa a pouco honorável distinção da derrotada militar por excelência. Compreende-se muito bem e existem pelo menos dois motivos.
Dos italianos, dizia-se que jamais terminavam uma guerra na mesmo aliança em que a tinham iniciado, a menos que entretanto tivessem mudado de campo duas vezes. Pelos vistos, adquiriram um imitador: Portugal.
País com a sofrível dupla reputação que unanimemente lhe é atribuída, a Itália de Berlusconi está demasiadamente interessada em segurar Kadhafi, outro perito em manipulação e negócios obscuros.
Ontem, ameaçava o Ocidente com a retirada das concessões na exploração de petróleo e jogava a cartada da divisão na ONU, oferecendo-as à China, Rússia e Índia. Hoje, numa arenga televisiva, confirma plenamente aquilo que há muito se sabe. Se as suas tropas conseguirem vergar uma cidade de quase 700.000 habitantes como Bengazi, a chacina será total. Como dissemos desde os primeiros dias, os ingleses parecem estar envolvidos na muito legítima sublevação contra o ditador.
De mãos atadas por alemães, russos e chineses, do que estarão à espera americanos, ingleses e franceses? Completamente fora de si, Kadhafi também "decreta" o fim da Liga Árabe.
Nos primeiros dias da sublevação, Portugal tomou uma posição firme, mas agora, onde está ela? Porque razão o sr. Luís Amado não deixa a zona turva e faz aquilo que deve, reconhecendo a oposição ao tirano enlouquecido? Estará à espera de San Marino, da Estónia ou da Eslovénia? Pior que tudo, agora parece querer agradar a Kadhafi e pretende voltar atrás. Embora os jornais nacionais façam a censura - nenhum publica uma só linha - que lhes é típica, a Aljazeera noticia que Portugal acaba de se juntar aos alemães e África do Sul, mostrando "dúvidas" quanto à implementação da zona de exclusão aérea, aliás uma medida insuficiente.
Não há quem nos livre de vergonhas sobre vergonhas?
A exquisite baronesa Ashton encontra-se no Cairo, estabelecendo contactos com os egípcios e a Liga Árabe. O móbil da excursão parece ser a situação líbia e daqui talvez saia, o chispar da centelha que leve o exército egípcio até Trípoli. O tempo começa a escassear e os estrategas de Kadhafi, bem poderão estar a preparar um ataque de surpresa em direcção à fronteira, isolando a capital revoltosa e ocupando Tobruk. Existe uma estrada que partindo de Mersa el Brega atravessa o deserto e proporciona um possível golpe ousado.
Os nilotas teriam algumas vantagens políticas na acção e a Junta veria crescer o seu prestígio interno. À falta de glórias militares que há milénios não obtém, o país ficava-se pela satisfação de tornar-se no paladino da liberdade alheia e cabeça do "mundo árabe". A questão "tempo" parece ser o factor primordial, pois uma operação desta envergadura, requer uma eficiente preparação.
Uma campanha na Cirenaica (1941-42)
Sob o ponto de vista diplomático, Luís Amado pode dizer o que quiser e de facto, parece ter a razão do seu lado. O ex-amigo do governo português - e de muitos outros, nomeadamente dos EUA - colocou-se numa posição politicamente insustentável. No entanto, se atendermos apenas ao aspecto militar da questão, o caso é bem diferente.
Se excluirmos as imagens onde os quad anti-aéreos são presença constante e ícones da revolta, o que temos verificado? Bastantes AK-47, alguns RPG que são disparados para o infinito vazio do deserto e uns esporádicos disparos de órgãos de Estaline. Nada mais. Pelo que se mostra e apesar da captura de alguns importantes depósitos de armas, nada de muito substancial parece estar nas mãos dos insurrectos. Vimos alguns transportes blindados de tropas e alguns tanques russos T-55 (?), estes últimos parados e exibidos como testemunhos mudos de uma vitória pela omissão da resistência. O exército líbio acantonado no leste do país, apresenta à primeira vista, um aspecto deficientíssimo, tanto em termos de instalações, como de equipamentos de toda a ordem.
Se Kadhafi realmente conseguiu aniquilar a rectaguarda - Zauía -, poderá então calmamente voltar-se para leste e utilizar unidades pesadas contra os grupos heterogéneos de opositores mal armados e sem um enquadramento coerente. A dificuldade da logística é o ponto essencial a considerar, mas nada nos garante que não esteja a ser tratado já há bastantes dias. Por outro lado, a demora na imposição da zona interdita a voos, funciona como um factor de encorajamento do regime, dado serem evidentes as divergências na aliança ocidental e a clara oposição dos outros parceiros internacionais - a Rússia e a China - que na ONU muito têm feito para dificultar qualquer acção concreta. Entre a adopção de sanções que valem zero e as medidas operacionais efectivas, correrá o tempo necessário para que a revolta seja militarmente esmagada. Qualquer "estratega de café ou jogo de computador" - condição que reivindicamos sem qualquer outra pretensão - percebe esta evidência.
Neste preciso momento, o mundo poderá ser surpreendido por um golpe de mão desferido por algumas unidades motorizadas de Kadhafi, criteriosamente escolhidas e convenientemente equipadas. Nem sequer necessitará de aviões ou de helicópteros, estando Bengazi desprovida do grosso de homens em armas, mas sem mísseis portáteis anti-aéreos, peças anti-tanque ou blindados com um real valor militar. Como dizem os jornalistas no terreno, nota-se que os insurrectos se têm concentrado em grupos mais ou menos numerosos, nas imediações da Via Balbia e sempre perto da faixa costeira, desde esta manhã sob bombardeamento naval, aéreo e terrestre. Mas o que dizer acerca da possibilidade de um inesperado ataque directo a Bengazi, por parte de unidades surgidas do nada, isto é, do deserto? Tal já aconteceu e surpreendeu unidades regulares e bem equipadas de uma grande potência.
Se Kadhafi já perdeu a Líbia no plano político, parece ainda longe de ter dito a derradeira palavra no campo das operações bélicas. Basta-lhe abrir um livro de história do Afrika Korps e copiar, com muitas vantagens, Rommel. Terá a presença de espírito para o que é óbvio?
Nota: como ontem fazia notar o nosso leitor GP, notemos que estes combatentes de ambos os lados, não podem ser considerados como aquilo que se designa de "amigos do ocidente". O conceito de "democracia" é lato e conhece-se a forma depreciativa com que somos tidos naquela parte do mundo, ou melhor, entre aqueles que professam a religião de Maomé. Agora, compare-se o nosso escandaloso descalabro na preparação militar de duas gerações de jovens portugueses e a ausência no Ocidente, de qualquer tipo de ânimo que possibilite uma resistência efectiva. A queda do bloco de leste levou à apressada redução dos efectivos militares em toda a Europa, adoptando-se também o controverso modelo do exército profissional. Hoje em dia salta à vista, a consequência imediata deste desastre: a total ausência dos conhecimentos mínimos acerca da defesa e manuseamento de equipamentos. Aqui está um aspecto a considerar pelos agentes políticos. Sem qualquer noção de pátria, nação, fidelidade a uma causa - monárquica ou republicana - e com Deus morto e bem enterrado, uma boa parte da Europa encontra-se praticamente indefesa. A Grã-Bretanha poderá ser a excepção, pois "morrer pela Rainha", transcende em muito as palavras, dando alguma consistência a um todo nacional.
Muitos poderão contestar, referindo a fragilidade das convicções religiosas de quem hoje berra Alá-u-Akbar! a plenos pulmões. Pois bem, mas gritam por algo que não podem definir, mas que inegavelmente os galvaniza, mostrando o peito às balas. As medonhas imagens de Zauía destroçada e com as ruas juncadas de quads anti-aéreos abandonados, são sempre enquadradas por cânticos religiosos difundidos em alta gritaria pelos altifalantes. Imaginam isto na Europa?
É uma questão a colocar. As tergiversações do governo americano e as constantes declarações do sr. Gates e da sr. Clinton, vão sempre no sentido de dificultarem ao máximo, qualquer acção que limite o poder do ainda líder de Trípoli. Várias iniciativas poderiam há dias ter sido tomadas, sem que fosse necessário qualquer envolvimento directo nos combates. De facto e contra as aparências transmitidas por uns tantos noticiários que vivem de "breaking news", a oposição parece estar no caminho da organização. Uma prova disso, consiste precisamente no aspecto que os ataques aéreos kadhafistas tomam, não correndo grandes riscos e surgindo os aviões isoladamente, largando as suas cargas a grande altitude. Poderá isto ser um indício de descontentamento pelas missões incumbidas aos pilotos de serviço? É possível mas pouco provável, dado conhecer-se a presença de operacionais contratados em países da extinta urss e que decerto poucos pruridos morais terão, quanto ao bombardeamento de nacionais líbios.
Na Casa Branca temos alguém que nada fará até ao "limite do insuportável", traduzindo-se isto numa "crise humanitária que aos olhos da opinião pública pareça ser catastrófica". É a única força que hoje em dia é capaz de mover vontades num Ocidente sempre temeroso de si próprio. Implícita parece estar a aquiescência pela manutenção de Kadhafi no poder, contra tudo e contra todos. É evidente o nosso total desconhecimento pelos meandros dos segredos da política entre os Estados envolvidos, mas as pistas parecem acumular-se a cada hora que passa e os aspectos comerciais são sempre um factor cimeiro.
A verdade é que os americanos parecem estar a falhar, quando e onde não o podem fazer. O episódio "Líbia" já atingiu um ponto tal, que se torna impensável qualquer recuo. A consequência imediata de uma vitória militar de Kadhafi, traduzir-se-á numa chacina no leste do país. Por outro lado, desacreditará o "discurso da liberdade" o sempiterno recurso ocidental. Entrou-se na decisiva fase da guerra de atrito, onde a logística decidirá o vencedor. Neste momento, os revoltosos encontram-se mais próximos das bases de abastecimento e contam com uma enorme extensão de deserto que os separa das tropas de Kadhafi. Por enquanto, estão em vantagem, embora ainda lhes faltem as armas que poderão ser decisivas. Acumuladas durante anos e anos nos depósitos sauditas e kuwaitianos, fazem agora imensa falta mísseis portáteis anti-aéreos e anti-tanque, meios de visão nocturna e de comunicação, não esquecendo os medicamentos, etc. Os potenciais instrutores do seu manuseamento abundam em Riade ou em Dhahran, por exemplo. Não estão muito longe, falam árabe, confundem-se facilmente entre os locais e não despertarão as atenções quanto a uma "intervenção estrangeira".
Existe uma imensa panóplia de argumentos que aconselham a acção. O último acabou de ser fornecido pela aviação de Kadhafi, quando fez explodir um enorme reservatório de petróleo em Ras Lanuf, ameaçando o grande complexo petroquímico local e fazendo pairar a hipótese de um desastre económico, ambiental e humano. Os depósitos de gás encontram-se situados nas proximidades e o envenenamento de muitos quilómetros quadrados em redor, implica a morte de milhares de pessoas. Este bombardeamento poderá ter sido ocasional ou um natural erro cometido pelo piloto, mas demonstra a escalada do conflito e os riscos decorrentes. Existe agora um excelente argumento para a implementação da necessária zona de exclusão aérea. Mas tal não será suficiente, urgindo deitar mão a outros expedientes que apressem o desenlace desejável. Os emires do Kuwait e do Qatar, assim como o rei da Arábia Saudita, farão muito bem em discreta e parcimoniosamente, abrir os seus arsenais. O argumento das "armas em mãos erradas" não é decisivo, embora os norte-americanos a ele recorram para manter a contemporização para com o regime vigente.
Entretanto, via Reuters, noticia-se a chegada de um emissário de Kadhafi a Portugal, um país onde conta com conhecidos amigos. Os responsáveis nas Necessidades dizem nada saber. Como já se tornou um irritante costume, encontram-se desatentos, ou provavelmente estarão a mentir.
1458: Reuters reports that Libyan government envoys met officials in Malta on Wednesday before flying to Portugal. Another Libyan plane was on its way to Brussels via France, the report says.
In the first public statement about what has been happening in the country, and the Libyan protestors raising the flag of the old monarchist regime as a symbol of defiance, Muhammad al-Rida as-Senussi, the great-nephew of the last King, and heir apparent to his throne, said on 22 February 2011 that Gaddafi's "fight to stay in power will not last long, because of the desire for freedom by the Libyan people. This great revolution will be victorious in the end, because of the unity of the Libyan people." He added "the Libyan people have now chosen to challenge this regime peacefully until it is gone from Libya, and the people will not return to their homes until justice is delivered." He also stressed that "the Libyan people have raised their voices in Benghazi and Tripoli and all other cities across Libya. They have made the whole world listen to them."
Asharq Al-Awsat spoke with the self-proclaimed Libyan Crown Prince Muhammad al-Rida al-Mahdi as-Senussi about what is happening in Libya.
The following is the full text of the interview:
[Asharq Al-Awsat] What has the situation been like in Libya since 17 February?
[as-Senussi] The situation in Libya is tragic. Although parts of the country have been liberated [from Gaddafi control], we are facing catastrophic conditions. We are witnessing Libyan citizens being massacred on a daily basis by mercenaries in the employ of Colonel Muammar al-Gaddafi. Over the years, he [Gaddafi] recruited these mercenaries to protect him and maintain his autocratic regime. These mercenaries pursue a policy of indiscriminate killing and strike terror into the hearts of innocent Libyans, especially during the night. Libyans inside the country have informed me that they are unable to leave their homes or walk through their streets after dark for fear of these mercenaries. Everybody is remaining in-doors in a state of terror.
[Asharq Al-Awsat] In what regions of Libya is this happening?
[as-Senussi] This is happening in the western cities. After the sun sets, these cities turn into ghost towns. Streets and roads empty of traffic and pedestrians, even worse than this, the streets are full of corpses and burnt bodies which have remained unburied for days. The hospitals in these cities are also full of corpses and wounded, and a state of utter chaos prevails. However we have high hopes that the people of Libya will continue their peaceful demonstrations until Gaddafi and his family are forced from power.
[Asharq Al-Awsat] Are you or the Libyan political elite outside of Libya, putting pressure on the international community, and the West in particular, to protect the unarmed Libyan citizens who are being massacred in this way?
[as-Senussi] Earnest endeavours are being made by Libyans abroad to support their compatriots in Libya. Ever since the start of the uprising we have been calling upon the international community to bring pressure to bear on Gaddafi and his regime to stop the massacring of the Libyan people. We are also calling upon the international community to put more pressure on Gaddafi to relinquish power.
[Asharq Al-Awsat] How many Libyans do you think have been killed since the uprisings began on 17 February?
[as-Senussi] The death toll is huge. Figures coming from inside Libya via our contacts with Libyan citizens estimate that until now around 2,000 people have lost their lives, and this is not to mention the massive number of people who have been injured. These frightening figures are due to peaceful protestors being confronted by destructive military machinery. In addition to this, there is a state of panic and horror because experienced by women and children in Libyan towns who are facing difficult circumstances due to the presence of the pro-regime militias and mercenary. Although, in my opinion, the death toll stands at 2,000, this is increasing rapidly due to the militias and mercenary troops continued attacks, and due to the lack of medical services at hospitals which cannot accommodate large numbers of people. The longer Gaddafi remains in power, the heavier the death toll will be.
[Asharq Al-Awsat] In your opinion, how much of Libya is Colonel Gaddafi actually in control of, and what is the internal situation inside the country?
[as-Senussi] I am sure that Gaddafi's end is drawing near. I can tell you that Colonel Gaddafi has entirely lost control over Libya's eastern province and that whole region has been completely liberated. Right now, he is entrenched in the [military] camp he built in Tripoli, the Bab al-Azizia camp. Gaddafi, his family members, and his followers, are only in control of this camp.
"Mr Cameron told the Conservative Party spring conference: When Margaret Thatcher was prime minister, this party stood by those who wanted to reject communism and embrace freedom.
And today, this party stands by those reaching for that same freedom in the Arab world."
Não acreditamos nem numa única palavra acerca dos "desígnios libertários" hoje propalados pelo sr. Hague no Parlamento, mas há que compreendê-lo, pois a retórica convencional a isso o obriga. Os ingleses estão mesmo empenhados neste caso, não haja qualquer dúvida quanto a isso. O silêncio de Washington é bastante elucidativo, ou então, uma vez mais e por enquanto, os americanos agem através de intermediários. De facto, já não há caminho possível para um retrocesso e esperemos que se opte pelo início de uma outra fase, mais consentânea com o profissionalismo quase unanimemente apontado aos britânicos.
O envio de imediata e muito discreta ajuda em "conselheiros" e algum armamento defensivo - alguns mísseis Stinger, por exemplo -, talvez não fossem más ideias. Criarão o tal espaço de manobra absolutamente necessário, darão mais confiança aos opositores e garantem a manutenção da necessária terra de ninguém, obtendo-se assim, uma situação de status quo. As últimas notícias desmentem cabalmente a propaganda kadhafista que aponta os sublevados como milicianos da Al Qaeda. O que se vê é uma situação completamente diversa, com gente que mal sabe empunhar uma arma, sem qualquer enquadramento e que apenas tem como trunfo, o entusiasmo. A luta é muito desigual, as distâncias são imensas e a logística, um "pormenor" esmagador.
As informações são escassas, muito parciais e de quase impossível interpretação coerente com a realidade? Não sabemos.
Adenda: por "mero acaso" surgiram hoje em toda a imprensa, imagens inéditas do ataque às Twin Towers. Pelos vistos, já se está na fase da preparação mental da opinião pública euro-americana. Enfim, a coisa serve como pano de fundo, mas nem sequer seria preciso, até porque Kadhafi é em si, um argumento imbatível.
Não é uma crítica, antes pelo contrário. Desde cedo, a relação entre as informações que foram ficando disponíveis, assim como a leitura das reacções vindas de Londres - a posição oficial de Downing Street e os comunicados da Casa Real líbia, além dos eventos no terreno -, levaram-nos a aventar a hipótese de uma colaboração britânica no levantamento anti-Kadhafi. Parece que não nos enganámos.
Diz o Publico que o ..."ministro Liam Fox explicou que a missão estava em Bengasi para colaborar com a insurreição para garantir o fim do regime de Khadafi".
Como se depreende, o governo de Sua Majestade não se intimida e aqui estará uma parte da explicação dos acontecimentos. Felizmente, há quem na Europa diz e faz algo de concreto. A Grã-Bretanha no seu melhor.
Entretanto, os combates continuam na zona costeira central do país e parece-nos ilusória qualquer consideração definitiva acerca do resultado da luta. As distâncias são enormes, a "frente" limita-se a uma estreita faixa que segue a Via Balbia e para uma vitória total, torna-se necessária a posse de importantes efectivos, bem organizados, equipados e coordenados. Ora, tal não parece estar a acontecer.