Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
na língua portuguesa, é sempre com prazer que leio - e releio! - autores como Camilo, Tomaz de Figueiredo ou João de Araújo Correia. Desta feita são os " Pontos Finais " que me chamam de novo. Alguns capítulos já os lera, tempos atrás, mas a urgência doutro livro, não lembro já qual, obrigou-me a adiar a leitura a que hoje volto. E logo castiço vocábulo me empurra para aquele conselho do nosso grande esgrimidor do vernáculo. ( que, por sua vez, o recebera do poeta Donas Boto )
Sim; neste tempo de facilitismos digitais, os velhos dicionários, Morais ou outro, ainda nos movem, com vantagem!
" Rádio e Televisão deveriam ser escolas de pronúncia da língua portuguesa. Pois não são... Em vez de escolas, são latíbulos que geram monstros. Nós, os espectadores, somos " espequetadores ". Nós, os ouvintes, somos os " óvintes ", os... timados óvintes. " Busquei este excerto da Enfermaria por me ter dado conta da grande confusão que vai lá no facebook: acham não poucos que o C de espectador se deve pronunciar. Disseram-me na escola primária que neste caso, como noutros - por exemplo o de actor - tal consoante é muda. Tem um valor diacrítico: substitui o acento gráfico ( espÉtador ); sucede, porém, que ao escrevermos espectador, estamos a respeitar a história do vocábulo, pois que provém ele da forma latina speCtare ( olhar ).
Isabel Soares:
"A língua não é um produto de um acto de vontade do ser humano. A língua é uma propriedade emergente de comunidades humanas que surge independentemente de qualquer actividade consciente dessas comunidades. Neste sentido, a língua é um fenómeno da natureza. A língua está ligada à mente humana, emerge dessa mente e molda-a de formas que provavelmente nunca conseguirão ser inteiramente compreendidas pelo ser humano.
(...)
A língua não é um produto utilitário e não pode ser tratada como tal. Embora possa parecer um lugar comum dizer isto, não consigo deixar de ver no acordo ortográfico uma consequência da preponderância na sociedade de formas de pensar tecnicistas e cientistas. Há que perceber que manipular um fenómeno natural complexo tem, em regra, consequências que ultrapassam em muito as pretendidas. É característico do pensamento cientista tentar reduzir todos os fenómenos complexos a questões simples, e tratá-los como tal."
" Certos escrevedores e alguns escritores alegam que não são caturras nem puristas, que a língua de hoje não é a de Fernão Lopes... Estes lugares comuns revelam quási sempre uma espécie de esperteza saloia, que mais não é que o desprezo do português. Ora o respeito ao idioma não é caturrice nem purismo. É apenas dignidade. É que tudo o que se fizer a bem da Língua será a bem da Nação. ( ... ) Há por aí quem tenha a mania de alegar que sendo a língua um instrumento vivo há-de por força modificar-se, fingindo não perceber que alterar é uma coisa, e destruir é outra. " Vasco Botelho de Amaral in - A Bem da Língua Portuguesa ( na imagem, aos microfones da BBC, no ' Programa Português ' )
Só há muito pouco tempo a vi - não sei se alguma vez ostentou outro letreiro, correcto, quero dizer. Lembro que era domingo quando por lá passei, e de ter pensado que, se estivesse aberta, a minha vontade era a de entrar e perguntar ao " boticário/a " se tinha caído o B da tabuleta onde se lia Otica. Mas na montra do estaminé expunham-se óculos!!! " Óptica"?, perguntar-lhe-ia.
e porque as consoantes mudas têm uma função, sim. " Afirma Renan algures que, de hoje a algumas centenas ou milhares de anos, terão completamente desaparecido da memória dos homens todos os livros que actualmente conhecemos, com excepção da Bíblia e talvez das obras de Homero. É possível que a profecia mofina do mais ático escritor francês do século passado, saída da sua pena prestigiosa n'um dia de melancólico desalento, venha a realizar-se, sendo precipitado no fundo sorvedoiro dos tempos todo o vasto repositório do saber humano, desde que o pensamento se materializou na palavra, e a palavra escrita se juntou a outras para formar - o Livro. E, assim como a acção destruidora dos flagelos tem devorado o recheio das mais famosas bibliotecas da antiguidade, tais como a que Osymandias estabeleceu no seu maravilhoso palácio de Tebas, e sobre cuja porta fez gravar a conhecida inscrição " Remédios para a alma ", e a célebre de Alexandria, que Ptolomeu Soter dotou com setecentos mil volumes, pela mesma forma é para recear que, no cumprimento da profecia do mestre, desapareça tudo quanto enche as modernas livrarias... " Conde de Sabugosa
Reproduzidas por pasquim acordista, as acusações do Professor são óbvias. Carradas de razão, a meu ver muitas mais carradas das que, escrevia Silva Bastos em 1933, tinha o Dr. Ricardo Jorge " e com ele os seus pares na depuração da Língua pátria ", quando escrevia o médico que se se continuasse a " mascavação do nosso idioma cairíamos no ' Bundismo ' - tudo o que se quisesse, menos português de boa cepa. " Bastava percorrer páginas de livros, colunas de periódicos... ". Hoje esse percurso, mais do que nunca, causa arrepios.
O mais grave da campanha da Olá é que foram muitos os responsáveis pela calinada. Existirá uma designação para aqueles que vêem hífens onde estes não existem? Não se esqueçam que foi um quadro superior que em última instância aprovou a campanha da Olá. Mas houve mais gente envolvida. Pelo menos um account, um copywriter, o director de uma agência de publicidade, um director de marketing, um director financeiro e um designer-gráfico. O trabalhinho passou por tanta gente e ninguém viu nada. Isto não abona a favor de ninguém. Assim vai Portugal - não vê, não viu, ou simplesmente não quer saber. Não sabe.
o autor da « Enfermaria do Idioma », com a autoridade de quem mostrou, no muito que escreveu, cuidados tamanhos com a Língua da Pátria Grande, vem nesse seu escrito zurzir, em acto premonitório, já se disse, o que houveram por bem designar acordo ortográfico, em dia de falha inspiração; aborto, veio depois a correcção.
Certeiro, quando escreve: " Letras aparentemente ociosas campeiam em qualquer Língua aparentada com o Português. Alguém convencerá o Espanhol a suprimir o d de soledad? Alguém convencerá o Francês a suprimir o t de gilet? Dirá o espanhol que o d lhe abre o a. E o Francês que o t lhe abre o e.
Antes o " gilet " fique sem botões do que sem e aberto - diria o Francês com aborrecida graça, a quem lhe propusesse a supressão do " t ".
Nós, se nos quiserem tirar o c de espectador, somos capazes de concordar. Não diremos que o c abre o que tem às costas, não diremos que é preciso distinguir espectador de espetador, não diremos nada. Nem sequer diremos que o c , em muitos casos, deve subsistir para nos não divorciarmos de civilizações latinas, próximas da nossa civilização. Haja em vista o c de actor e outros. "
Como estava longe, João de Araújo Correia, dos Malaca Casteleiros. Mas previu que eles nos pudessem surgir pela frente. E disse-nos para resistirmos.