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Tarifa fica aqui tão perto, mesmo ao lado, em Espanha, e por isso estamos obrigados a colocar o dedo na ferida. Neste caso nas tarifas. Por esta altura do calendário estamos todos feitos num (c)oito dos diabos no que respeita ao dia seguinte. Mal conseguimos acordar e já estamos a ser equivocados e defraudados nas nossas expectativas taxativas. A guerra das tarifas não chega a ser multipolar nem unipolar. Mas é certamente bipolar, binária. A doutrina da imprevisibilidade (a expressão não é minha) foi eleita para descrever a ação política de Donald Trump. O estado de ansiedade gerado levanta dúvidas sobre a eficácia da abordagem não apenas sobre os aliados dos E.U.A., mas também no que concerne aos adversários. No entanto, teria algum apreço em considerar um dos efeitos secundários que paradoxalmente poderá beneficiar a economia americana. A queda acentuada do dólar americano (USD) à primeira vista pode ser considerada um efeito nefasto, mas não é assim tão linear. A diluição do valor do USD significa várias coisas. Por um lado beneficia as exportações americanas (não nos esqueçamos que os E.U.A. são o maior produtor agrícola do mundo) e, por outro, corresponde a um modo de mitigar a dívida, expressa em USD, que se vê diminuída na contabilidade global do deve e do haver. O Banco Central Europeu, por seu turno, anunciou há dias que a meta da inflação (de 2%) havia sido atingida na Zona Euro. A declaração proferida por Christine Lagarde tem implicações práticas. Se as coisas resvalarem de um modo sério na economia europeia, não haverá outra alternativa que não a emissão de mais dívida e reduzir a taxa de juro de referência de um modo mais acelerado. Sejam quais forem as hipóteses, parece-me inevitável que assistemos a algum caos sistémico global que acarreterá (re)inflação. Em suma, as tarifas do dia, efectivas ou imaginadas, movem mercados e montanhas. Independentemente do efectivo planeamento estratégico ou de uma intenção clara, não existem dúvidas de que Trump está a provocar deslocações tectónicas. Premissas operativas consideradas sagradas devem ser reavaliadas com uma dose reforçada de realpolitik da parte de todos os atores globais. Nesse sentido, arrisco avançar com uma expressão cronométrica (esta sim minha) — realtimepolitik, que me parece adequada para descrever o fenómeno do devir inconstante da política: ou seja aquilo que poderá vir a ser não será o mesmo daquilo que já foi. E é neste compasso de arritmia que marchamos sem sabermos ao certo como corrigir a passada que ainda não demos.
É pena que o choque cipriota, diligentemente ministrado por uma Europa dúbia e incompetente, tenha saído dos radares dos media internacionais. É pena porque, ao que parece, e segundo as últimas informações disponíveis, o montante do resgate aumentou - passou de 17 mil milhões de euros para 23 mil milhões de euros -, sendo que o fardo desse aumento será suportado única e exclusivamente pelos cipriotas. Como?, perguntarão, e bem, os leitores. A resposta amedronta mas é muito simples: através da venda de ouro. Sim, os cipriotas venderão ouro para cumprir as obrigações com a troika, que, se quisermos ser verdadeiros, jamais serão solvidas. Sem soberania e sem autonomia política que baste, o resultado é este: ditadura financeira a troco de um prato de lentilhas. É por estas e por outras que este euro é uma valente asneira. Razão tem Bolkenstein, o mariola da tão criticada directiva dos serviços, ao propalar que este euro não tem futuro. E, de facto, não tem. Nunca teve e jamais terá.