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Habermas, que é, consabidamente, um dos mais adulados maître-à-penser das esquerdas modernas, escreveu, vezes sem conta, sobre o processo deliberativo das democracias hodiernas, enfatizando sempre aquilo que para ele é um dos axiomas basilares da persuasão democrática: o uso por parte do demos do logos e da palavra na deliberação das grandes questões públicas da comunidade. Dito de outro modo, o intelectual alemão cria, e crê, que o consenso na esfera pública depende, primacialmente, da, chamada por ele, acção comunicativa. Estas especulações teóricas, de quinta categoria, a meu ver, têm alguma pertinência nos dias que correm, sobretudo quando vemos os maiores cultores do pensamento habermasiano, a esquerda moderninha das referências teóricas múltiplas, a violarem, constante e repetidamente, os pressupostos básicos das ideias atrás referidas. Basta, para o efeito, dar uma breve vista de olhos no que se tem passado, na última semana, em Espanha. O Governo espanhol, cumprindo uma promessa eleitoral feita, pública e reiteradamente, a todos os espanhóis, decidiu, e bem, na minha óptica, reformar a lei do aborto, concitando, nesse sentido, uma plêiade de académicos e especialistas dos mais variados matizes, de molde a alargar, do modo mais amplo possível, o debate público sobre esta questão tão divisiva. Porém, a esquerda psoeista, orfã da mais meridiana vergonha, resolveu, como era, aliás, expectável, clamar que esta alteração é um golpe que deve ser parado a todo o transe, custe o que custar. O despudor chegou ao ponto de o grupelho "feminista" Femen manifestar-se em pleno Congresso, mostrando à deputação lorpa a nudez ignara de quem crê que um par de mamas altera o que quer que seja. Ainda não chegámos à mamalândia, mas, pela lógica destas madames, para lá caminhamos. Em suma, para quem idolatra Habermas, e fala, no espaço público, da necessidade de discutir até aos últimos gorgolejos as questões mais candentes da comunidade, a prática demonstra, cabalmente, o contrário. As esquerdas olvidaram, muito rapidamente, a lição ensinada pelo mestre alemão, pois, pura e simplesmente, não discutem, não ajudam a deliberar (recorde-se que o que está em jogo é, por enquanto, uma proposta de lei), e, acima de tudo, ameaçam quem faz questão de intervir com a palavra no espaço público, dizendo de sua justiça. Tanto é assim que, na Europa dita civilizada, levantou-se um coro de virgens ofendidas a bradar pela reposição do complexo legislativo anterior, com ameaças de sanções à mistura. No fundo, a esquerda, como vem sendo o seu triste hábito um pouco por todo o lado, move-se, apenas, por estados de alma autoritários, que, aqui ou alhures, têm como única finalidade construir um mundo assepticamente desumano, sem lugar para outras perspectivas da vida. Para quem se reclama do moderníssimo campo da comunicação democrática, convenhamos que é muito, muito pouco.