Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Quando se trata de civismo, ou a falta do mesmo, todas as leis e respectivas sanções são mais que bem-vindas. Se não vai a bem, se o comportamento de cada um não é passível de ser auto-regulado (devido a carência ética ou a pobreza de princípios), em nome da comunidade e dos seus valores de agregação, o Estado deve intervir. O sociólogo Tonnies faz a destrinça entre as forças espontâneas que asseguram a coesão dos agrupamentos humanos (comunidades) e os vectores de dispersão que obrigam ao estabelecimento de contratos para evitar a desagregação irreversível (sociedades). Neste quadro de entendimento, que cruza a etologia (estudo do comportamento animaI) com a civilização, fruto da cultura humana, das regras adoptadas, dos costumes e tradições, os legisladores cumprem uma missão polivalente. Substituem a paternidade que não soube transmitir os valores que permitem a vida colectiva e interpretam o conceito de idealismo existencial, através do qual o respeito pelo próximo estaria salvaguardado pela acção individual. A nova lei, em vigor desde janeiro de 2015, estabelece coimas para utentes que demonstrem determinadas faltas de civismo ou incomodem outros passageiros. No meu entender, o âmbito de aplicação da lei deveria ser alargado a outros espaços públicos onde os indivíduos incomodam os seus concidadãos. Não é apenas na Carris ou nos Táxis que os fenómenos de mau comportamento se registam. Já sei que qualquer tentativa de ordenamento do território comportamental deste país choca de frente com os activistas das liberdades fundamentais, os obreiros do 25 de Abril, os pais da Democracia, aqueles que acham que a sua liberdade não pode ser condicionada por o que quer que seja, os delfins intransigentes de uma Esquerda questionável, libertários do Antigo Regime - aquele pau para toda a obra da desculpabilização política e sociológica. Enfim, um espectro alargado de gente que muito provavelmente não vê mal algum num conjunto de comportamentos primários que polvilham a paisagem deste país. A saber; os telemóveis que tocam incessantemente e que são atendidos (e a conversa que se segue em voz alta em pleno concerto de música clássica no CCB); o uso da faixa de emergência na via rápida para fugir à fila demorada ocupada por condutores que respeitam o código de estrada; as escarretas lançadas à porta da entrada do hospital; as beatas atiradas da janela de um terceiro andar para o passeio já de si manchado pelos dejectos de cão alheio (coitadinhos dos animais, criem mais uma petição) ou o cliente-amigo no balcão dos Correios que não tem senha porque apenas tem uma perguntinha a colocar e não demora nada (e passa à frente do freguês). Em suma, nos transportes públicos acontece muita coisa, mas se buscarmos a objectividade na análise do fenómeno do mau comportamento, não é preciso ir muito longe. Não sei se a lei funcionará nestes domínios de ética, porque em última instância o que impera é a tese voluntarista - ou se é educado ou se procura sê-lo.
Muito provavelmente foi com uma máquina-trituradora igual a esta que a Inspecção de Finanças destruiu papéis essenciais para avaliar swaps. Os documentos dos inspectores que sobreviveram à razia foram aqueles respeitantes à CP e à Carris. Ouviram bem? CP e Carris. Não foi à toa, não. Estes sistemas de transporte podem ser utilizados como carro de fuga no assalto. Qualquer dia embarcam numa carreira e tomam como reféns os passageiros e zarpam rumo a Salamanca ou Perpignan, ou apanham o expresso e inflingem uns murros ao maquinista para que não dê meia-volta. Que normas internas são estas que eliminam sem mais nem menos matéria relevante para tirar tudo a limpo? Quem redigiu estas normas tão convenientes? Que mão invisível pressionou o botão da trituradora? Em condições normais, todos os documentos deveriam ficar congelados num arquivo jurídico - uma espécie de torre dos tombos políticos. A Democracia Portuguesa está a ser continuamente violada com este tipo de práticas. Não foram necessários agentes químicos para exterminar uma parte da "estória" de Portugal, os eventos que também figurarão na histeria do país. O mais grave é a forma descarada como se declara o processo de destruição de provas - com naturalidade. Com tantos incêndios à mão de semear, teria sido preferível forjar um fogo e bradar aos céus que tudo as labaredas levou.
"Se a injúria ou a difamação forem feitas por meio de palavras proferidas publicamente, de publicação de escrito ou de desenho, ou por qualquer meio técnico de comunicação com o público, o agente é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias".
Bem cientes dos resultados da sua demolidora acção durante os últimos quarenta anos do regime da Monarquia, os republicanos sabem precaver-se. A ver vamos se ainda têm um resquício de força anímica para imporem a lei. A verdade é que o "opinion-maker" Sousa Tavares não é uma Cátinha ou um Maurinho qualquer. Nos tempos da PIDE, o tratamento variava consoante o indivíduo. Para o Zé dos anzóis, os agentes faziam chover os bofetões dados a tempo, enquanto o filho do ex-ministro da 1ª república, era cerimoniosamente admoestado com uns tímidos "ó senhor doutor, não ganha nada em andar nestas coisas!"
Como teria sido útil este artigo 328º nos tempos dos nossos trisavós...
Na mesma semana em que em Portugal a demência atingiu novos patamares, com milhares a pedirem clemência para um cão assassino de um bebé, em Marrocos foi aprovada (por unanimidade) uma lei sobre cães de raças consideradas perigosas, justificada com a necessidade de garantir a segurança e tranquilidade dos cidadãos face ao que é uma verdadeira ameaça à segurança pública: anualmente registam-se no país mais de 50 mil ataques destes cães. E a lei é implacável para com os proprietários: entre as proibições estão as de possuir, albergar e treinar cães considerados perigosos. Que são, segundo a lei, «todos os cães que, em função da sua raça ou das suas características morfológicas, são caracterizados por uma agressividade que coloca a vida das pessoas em perigo». A lista com as raças em questão será publicada em breve, mas o Governo esclareceu que à cabeça está a Pitbull - que foi criada propositadamente para gerar cães de combate (originalmente contra ursos e touros, além de entre si) e de elevada agressividade.
Os proprietários de cães perigosos arriscam penas de prisão que poderão ir até aos cinco anos, e multas até 50 mil dirhams (cerca de 4500 euros).
A propósito do desmoronamento de Itália, o reputado teórico e jurista Rudolf von Jhering, constatou que a Roma Antiga havia conquistado o mundo por três vezes. Da primeira vez fazendo uso dos seus exércitos, da segunda vez por via da religião e da terceira vez pelo normativo que estabeleceu. As leis romanas serviram de base para quase todas as construções jurídicas. Um dos conceitos que se estabeleceu foi o do Domínio (propriedade) - a "relação" entre um sujeito e uma coisa. Aceitamos com naturalidade a noção de relação entre pessoas, mas como devemos integrar no nosso espírito o elo que se estabelece entre a "personalidade humana" e o "objecto que não tem "vida"? Levanta-se deste modo um sério debate sobre a propriedade, e por extensão a titularidade da dívida. A divida pode pertencer a alguém? Pode ser minguada ou incrementada? Será que existe num reino utópico que dista da acção humana? E os objectos poderão estabelecer uma relação entre si, independemente da "presença" anímica (anémica) do homem? São estas e outras questões que são desfiadas e que se enrolam no espírito toldado de indivíduos que buscam posicionar-se na grande construção e ruína material da nossa civilização. O autor David Graeber, considerado desconcertante por uns e anarquista por outros, expõe de um modo bíblico as implicações materiais e filosóficas decorrentes de 5000 anos de dívida. Em dia de entrega de certificados Nobel, rogo a vossa atenção para um livro profundo e exigente que escapa aos radares canónicos de uma troupe movida a toque de cornetas politicamente intencionadas. Este livro ajuda a agitar o caldeirão do pensamento, e coloca na mesma tina o espectro ideológico na sua quase totalidade, relatividade.
Debt - the first 5000 years.
David Graeber
Melville Publishing House (English version)