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Rui Ramos, inteligentemente, alertava na edição do passado sábado do hebdomadário Expresso para um facto que poucos comentaristas têm realçado: o Portugal troikado é uma tradução eufemística para aquilo que, na verdade, é já o fim da política. Converge-se, pois, no essencial, secundarizando o acessório. E o essencial é a transposição da lógica lampedusiana para a política portuguesa, ou seja, é necessário que algo mude para, no fim, ficar tudo na mesma. Sem política nem desígnio, somente com a gestão das dependências no fio do horizonte.
Paulo Rangel é indiscutivelmente um dos políticos mais argutos da imensa feira de vaidades que dá pelo nome de Partido Social Democrata. Sabe o que diz, quando deve dizer, e, ainda que em muitas ocasiões esteja em total desacordo com o que defende a propósito das mais variadas matérias, não deixo de lhe reconhecer uma capacidade de síntese e de raciocínio bastante acima da dos seus pares partidários. Vem isto a propósito da recente conclamação a respeito de um "15 de Setembro" para defender os interesses do Norte. Entendo a reclamação, compreendo até a ira e o agastamento, tenho, porém, mais dificuldades em aceitar o modo, o porquê, e, acima de tudo, as razões de tamanha indignação. Que o Norte tem sido sistematicamente preterido na agenda governativa é um facto, empiricamente observável, que nem mesmo o adversário mais empedernido do Portugal-é-bem-mais-do-que-a-magnífica-paisagem-lisboeta seria capaz de negar. Falta de recursos financeiros, ruína do tecido produtivo e desemprego massivo, são realidades insofismáveis que qualquer observador minimamente atento pode confirmar com um mero relance de olhos. Agora, outra coisa bem diferente é apelar a uma espécie de levantamento popular para reclamar pressupostos de acção assentes no estatismo centralizador tão do agrado das elitezinhas da "Lesboa" nefanda e anafada. O Norte não precisa da bênção subsidiocrática costumeira, necessita, isso sim, do liberalismo autonomista de antanho. Do espírito das liberdades liberais dos seus antepassados e do autonomismo idiossincrático das suas gentes. Coisas que, como é óbvio, arrepiam os "lesboetas" da treta. Rangel, melhor que ninguém, sabe bem que a indústria da reclamação baseada na pedinchice ao Leviatã esgotou-se. Mais, o eurodeputado, inteligente como é, tem a obrigação de saber que se o Norte quiser de facto progredir terá forçosamente de abrir a sua economia e de aproveitar o potencial exportador de uma economia há muito adormecida. Basta querer e desejar.
Quando oiço e leio as boutades de São Boaventura de Sousa Santos recordo-me instantaneamente de Vergílio Ferreira. Dizia o célebre escritor, na sua Conta-Corrente, que a nossa política é composta por "uma gentalha execranda, parlapatona, intriguista, charlatã, exibicionista, fanfarrona, de um empertigamento patarreco — e tocante de candura". Boaventura dispõe destas características em doses superlativas. Fala, trombeteia, esperneia e, no fim, não fica nada. Nem uma simples ideia, uma ideia que seja, vá, legível, compreensível ao comum dos mortais. Que ainda haja gente que pensa que o Estado Social é eterno não é nada que seja particularmente surpreendente. A solidariedade forçada, erigida em modelo universal e universalizante, criou um exército de dependentes que não fazem mais nada a não ser exigir a sucção dos recursos da comunidade em prol de devaneios gastos. O que surpreende é a desfaçatez com que certa intelligentsia, fortemente acolitada no Estado, dispara em todas as direcções, dizendo o indizível. Mas, e como eu não gosto de ser excessivamente crítico, talvez Boaventura tenha razão. Afinal de contas se houvesse alternativa ao Estado Providência o intelectualóide conimbricense não poderia dispor do seu tão querido CES. É que o dandismo da esquerda só se manifesta quando o maná do Leviatã despeja o dinheiro, extraído aos contribuintes, em instituições inúteis e estupidificantes. Talvez seja este o preço a pagar pela existência de uma democracia enviesada por complexos de esquerda.
O Samuel De Paiva Pires, pertinente como sempre, fez alusão a um artigo de José Pacheco Pereira em que o sábio da Marmeleira afirma, preto no branco, que o Governo português é hayekiano cá dentro. Hayekiano? Concretamente em quê? No aumento de impostos? Na asfixia da economia privada? No inchamento do Leviatã? Pacheco tem a obrigação de saber que o espectáculo de incompetência a que estamos sujeitos nada tem a ver com Hayek. Rigorosamente nada. Os rótulos ideológicos não interessam nada, o que importa é, isso sim, a práxis política, isto é a acção política quotidiana. Quando muito isto assemelha-se mais a uma variante lusa de uma espécie que eu julgava em vias de extinção: o modo de governação à Calígula. O despotismo começa sempre assim: aumento de impostos e esmagamento do indivíduo. Em todas as épocas e em todos os lugares.