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Sobre Marine Le Pen e a Web Summit, tenho apenas a dizer que, como democrata liberal e conservador, estou nos antípodas de qualquer pensamento de carácter totalitário, seja fascista ou comunista, mas como adepto da liberdade de expressão e de pensamento, creio que todas as opiniões, por mais estúpidas que sejam, devem poder manifestar-se na esfera pública de qualquer democracia liberal, desde que possam ser desafiadas e expostas as suas fragilidades e as que são expressamente intolerantes possam ser contrariadas pelo debate racional e, caso se esteja na iminência de se tornarem hegemónicas, possam então ser suprimidas para salvaguardar o espaço público demo-liberal. Estou apenas a glosar Karl Popper e o seu paradoxo da tolerância, que aqui deixo em tradução da minha autoria:
“Menos conhecido é o paradoxo da tolerância: A tolerância ilimitada tem de levar ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo àqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. — Nesta formulação, não quero dizer que, por exemplo, devamos sempre suprimir a expressão de filosofias intolerantes; enquanto as possamos contrariar por argumentos racionais e mantê-las sob controlo pela opinião pública, a supressão será certamente insensata. Mas devemos reivindicar o direito de as suprimir, se necessário até pela força; pois pode facilmente dar-se o caso de elas não estarem preparadas para discutir racionalmente connosco, começando por denunciar todos os argumentos; elas podem proibir os seus seguidores de ouvir argumentos racionais, porque são enganadores, e ensiná-los a responder aos argumentos utilizando os seus punhos ou pistolas. Devemos, portanto, reinvindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar o intolerante. Devemos afirmar que qualquer movimento que pregue a intolerância se coloca à margem da lei, e devemos considerar o incitamento à intolerância e à perseguição como crime, da mesma forma que devemos considerar como crime o incitamento ao homicídio, ou ao sequestro, ou ao regresso do comércio de escravos.”
Paulo Tunhas, "Lenine explica":
Acerca da anulação da conferência de Jaime Nogueira Pinto na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e dos motivos dessa anulação, muita gente, da esquerda à direita, se pronunciou com as palavras certas. Há, no entanto, uns silêncios que convém interrogar. Que eu tenha reparado, ninguém do PC ou do Bloco de Esquerda julgou útil desta vez fazer ouvir a sua voz, o que em princípio devia espantar, tratando-se de gente particularmente vocal que aprecia sumamente dissertar sobre toda a espécie de direitos e que tem ideias bem definidas sobre a liberdade, ou sobre as “amplas liberdades”, como dantes o PC dizia.
(...).
Não custa muito encontrar uma explicação simples: porque concordam com a anulação da conferência. Demasiado simples? Francamente, não creio. A especialização nas chamadas “causas fracturantes”, que tornou o Bloco conhecido do bom povo português, tende a fazer esquecer algumas características ideológicas que identificam no essencial aquela tão moderna agremiação. É que, sob as vestes da modernidade, o que conta verdadeiramente são ainda as arcaicas concepções totalitárias que se encontram na sua origem. É isso que fornece uma unidade subjacente à multiplicidade das “causas”. Que isso permaneça imperceptível a uma grande parte das pessoas deve-se em grande parte a um efectivo talento para o marketing político que descobriu um muito conveniente nicho ecológico nos media. A maneira como esta ocultação da presença da origem no presente foi levada a cabo com sucesso é provavelmente um dos factos mais reveladores da facilidade do triunfo da impostura em política, uma impostura desde há um ano devidamente recompensada, para nossa grande desgraça, com a generosidade de António Costa.
(...).
É bom percebermos que estamos a lidar com gente para a qual não há, em domínio algum, qualquer espécie de neutralidade, inclusive académica. O silêncio em relação ao caso de Jaime Nogueira Pinto exibe-o perfeitamente e de forma inadulterada. O outro de que se discorda não é susceptível de merecer a distância que nos permita ouvi-lo. Insultá-lo, identificá-lo como inimigo, é mais fácil. No caso de Nogueira Pinto, é “fascista”. Noutros tempos, é bom lembrá-lo, bastava ser “socialista”. Desde que António Costa, com a sua proverbial fortitude, derrubou pela segunda vez o Muro de Berlim, os socialistas, tirando um excêntrico ou dois, podem estar tranquilos: “socialista” não é um nome feio. Mas nada garante que seja sempre assim. A não ser que certa gente do partido que Costa trouxe para junto de si tomar definitivamente conta do PS. Nesse caso, a paz poderá tornar-se definitiva. Com o PS a mudar até de nome: PSE – Partido Socialista de Esquerda. Lenine explica.
Venerem e prestem tributo a um campeão de direitos humanos, o lider revolucionário que foi aclamado e eleito por sufrágio universal num país multi-partidário, onde a liberdade de expressão é a imagem de marca, onde a pobreza foi erradicada pela fórmula mágica de socialismo radical, onde as viaturas que circulam nas autoestradas são de última geração e amigas do ambiente, onde não se conhece o paradeiro de 17.000 cidadãos que foram de férias num cruzeiro e que ainda não regressaram, onde as classes sociais foram preteridas e o poder político e a riqueza são tão fraternais que passam de irmão para irmão de um modo tão generoso.
Não irei poupar-me a termos e qualificativos de grande repúdio dos Media. E incluo na admoestação os meios de comunicação social locais, as antenas cá do burgo, as redacções europeias, os jornalistas-estrela e as suas empresas de inquérito de opinião. Como é que se puderam enganar de um modo tão flagrante em relação ao desfecho das eleições presidenciais nos Estados Unidos? A resposta: não se enganaram. Não foi um erro. O que aconteceu foi algo mais cínico. A comunicação não é livre, se é que alguma vez foi. Os canais de televisão pertencem ao aparelho. As networks pertencem ao establishment. É sobretudo a Esquerda que apregoa a liberdade de expressão, mas não a vejo indignada com os sucessivos enganos. E sabem porquê? Porque todos, sem excepção, alimentam a mentira. Todos sem excepção estão nas mãos de conglomerados de comunicação que os próprios criaram. O que aconteceu deveria implicar a criação de comissões para investigar as práticas convencionadas pelas empresas que realizam os inquéritos de opinião. Numa escala mais pequena, mas igualmente preocupante, também em Portugal os Media se encontram na dependência de poderes instalados. A eleição de Trump, se é para partir a loiça toda, e realizar um reset, não deve excluir uma abordagem transversal à questão. Quanto custa a mentira? Quem dá a ordem para a decepção? Se não obtivermos a resposta, apenas existe um termo a aplicar aos Media: fascistas.
A linha que separa a ameaça do uso de força, o uso de força, a agressão e a violência é ténue. Perguntem a Putin como ele faz para afastar os detractores na democrática Rússia. João Soares já ocupou diversos cargos na sua carreira política (amplamente promovida pela sua ascendência), mas há uma posição que poderemos destacar - foi presidente da Assembleia Parlamentar da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) entre 2008 e 2010 -, a entidade especialmente criada para promover o diálogo multilateral entre o Ocidente e o Leste no contexto da Guerra Fria. Lamentavelmente, podemos confirmar que João Soares não conhece ou não quer acatar as regras do normal funcionamento de uma sociedade democrática, entre as quais o direito a opinião diversa. As únicas bofetadas aceitáveis seriam aquelas da argumentação inteligente, culta e civilizada. Este caso deve ser tratado com o maior rigor possível. Exprime de um modo elementar a tendência de censura e repressão que parece estar à flor da pele deste ministro. Um governo que queira merecer o respeito da população não pode pactuar com este tipo de linguagem. A ameaça é clara e envia uma mensagem a toda uma classe profissional alicerçada na liberdade de expressão, e atenta igualmente contra princípios universais de respeito pela condição humana - diz respeito a qualquer cidadão. Se eu fosse o Vasco Pulido Valente ou o Augusto M. Seabra movia uma acção judicial contra o ministro da cultura. Não brinquemos com coisas sérias. Hoje umas estaladas, amanhã quem sabe. E de degeneração em degeneração os animais transformam-se em monstros.
Falo em nome próprio. Escrevo os meus textos. Assumo as minhas posições. O acordo assinado entre o governo e o Partido Socialista no sentido de exercer o controlo prévio dos meios de comunicação, na campanha eleitoral que se avizinha, diz respeito a todos nós. Colide com a liberdade de expressão de um modo descarado. Posso dizer, sem rodeios, que já sinto a censura há algum tempo. Não sei quem controla os blogs Sapo. Não conheço os administradores da PT, mas alegadamente houve uma decisão nascida no seio de uma estrutura partidária no sentido de mitigar os efeitos dos posts publicados. Basta ler os meus textos para perceber que pelo menos 75% dos mesmos servem para deteriorar os argumentos dos socialistas. Mas não são os únicos visados. Também aponto as baterias ao governo quando bem entendo. Nesse sentido, não nutro nem preferências ideológicas nem partidárias. Sou a favor da cidadania, da democracia e da liberdade de expressão. Em 2014 tive no portal Sapo 96 posts em destaque (primeira página, se quiserem), ou seja; registei uma taxa de visibilidade assinalável. E de repente a natureza dos destaques do portal Sapo deixou de ter acutilância política. E o Estado Sentido foi varrido dessa montra. Uma ordem deve ter sido dada, mais ou menos nestes moldes: "tirem-me estes senhores do ar". Neste momento o portal elege conteúdos de pendor light, cor de rosa e diet, e não passa despercebido. Mas como não devo favores a quem quer que seja, respiro profundamente os ares de independência, durmo tranquilamente. Nunca deixarei de dizer ou escrever o que penso. Uma nota final. As vozes críticas, mesmo as que não votam neste país, podem revelar a sua paixão por Portugal e o destino nacional. Eu inscrevo-me nessa categoria. Batalho por Portugal, muitas vezes com mais intensidade do que cidadãos de pleno direito. Quanto aos inimigos, prefiro levar-lhes a guerra à porta. Aqui, por exemplo.
Assim que Charlie Hebdo foi alvo do ataque terrorista, o chavão "liberdade de expressão" foi aclamado como salmo sagrado por um sem número de vozes que grita pelos direitos inalienáveis da prática jornalística. Desde esse momento, tenho vindo a pensar sobre o assunto e cheguei às seguintes conclusões; os meios de comunicação social e os jornalistas não são sacerdotes da independência de pensamento, e muito menos são donos da verdade. Os jornais, as revistas (mesmo as satíricas), as televisões, as rádios, assim como as editoras, pertencem todos a grupos económicos que por sua vez são controlados por governos. Deixemo-nos destas tretas, deste bullshit humanista com laivos de Esquerda esclarecida ou Direita carente, para enfrentarmos de frente os desafios que se nos apresentam. Não nos encontramos num mundo rasgado por linhas de precisão ideológica. Não. Vivemos num mundo de percepções fabricadas, alibis alimentados por agendas políticas, fundamentos resgatados de manuais com forte poder de doutrinação. A rápida ascensão de slogans, com intenso valor de mobilização, são a prova de que as nossas sociedades vivem sob os auspícios da vulnerabilidade da sua própria ignorância. Parece-me, que no contexto de falta de juízo individual, é mais fácil saltar para um comboio em andamento. O terrorismo, condenável sem resquícios de dúvida, está a servir para acomodar passageiros numa toada visceral, regrada pelas emoções e pela ausência de pensamento mais profundo. Temo que já tenhamos ido para além da estação de destino. Não me falem de liberdade de expressão assim sem mais nem menos. Falem de autorizações concedidas por conselhos de administração para publicar aquilo que convém a uns e menos a outros.
O massacre na redacção de Charlie Hebdo em França trouxe para a linha da frente a prerrogativa da liberdade de expressão, o direito que assiste indíviduos e organizações enquanto membros de pleno direito de Democracias. No entanto, há outras considerações operacionais que devem ser levadas em conta. Nesta fase de gestão da crise, a excessiva mediatização pode ser contraproducente. A cobertura em directo de emergências com estes contornos concede ainda mais tempo de antena, assim como informação logística importante, aos terroristas e seus seguidores. Ou seja, a obrigação de informar (outra conquista de regimes democráticos) é colocada ao serviço dos seus detractores. Existirá um limite para a informação que se deve partilhar com o público enquanto decorrem as operações? Poderão Democracias impôr uma censura parcial aos jornalistas no contexto da necessidade de preservar intactas algumas dimensões de salvaguarda da Segurança e Ordem internas? Os terroristas, seja qual for a sua base ideológica ou religiosa, dependem, em última instância, do efeito amplificador da sua acção, da "ajuda" dos meios de comunicação social. Não me parece líquido que o facto do público ser recipiente de um imenso manancial de informação possa ajudar à resolução da crise. Ou seja, mesmo em Democracias existirão momentos de reclusão. Assistimos, embora noutro espectro de análise, a uma modalidade de violação de segredo - policial, se quisermos. A assimetria na partilha de informação não é necessariamente negativa. Não confundamos liberdade de expressão com a obrigação de informar. Existe uma relação entre a ambas, mas para já, basta ligar a televisão e entrar no filme. E depois publicar umas considerações no Facebook.
Pedro Arroja, Eles não:
«O Mises decidiu que tudo aquilo que o Estado faz é mau e, portanto, mesmo quando o Estado faz alguma coisa boa, ele tem ou de ficar calado ou de mentir, em qualquer caso não dizendo aquilo que pensa porque, caso contrário, está a dar trunfos ao inimigo - os socialistas. Ora, os socialistas agem exactamente da mesma forma mas em sentido contrário. Para eles, o Estado é que é bom e tudo o que o Estado faz é bom. De maneira que, quando o Estado faz alguma coisa mal, eles ou ficam calados ou têm de mentir dizendo que o Estado fez bem alguma coisa que eles sabem muito bem que fez mal. Também eles não são livres, não podem dizer sempre aquilo que pensam.
E tudo isto resulta de uns e outros terem passado a viver a vida de forma partidarizada, perdendo o sentido de comunidade e tornando-se inimigos uns dos outros. Admitir a verdade passou a ser, em muitos casos, dar trunfos ao inimigo, e isso eles não podem fazer. Nesses casos, eles têm de omitir a verdade ou distorcê-la até a tornar mentira.
Segue-se que, continuando a restringir-me exclusivamente à esfera da liberdade de expressão, os liberais clássicos (e os socialistas) são muito menos livres do que eu. Eu posso sempre dizer aquilo que penso. Eles não.»
Estava aqui a recordar um episódio que aconteceu em 2009, quando numa conferência de celebração do 25 de Abril, no ISCSP, que teve como ilustres oradores Adriano Moreira, Mário Soares e Odete Santos, resolvi, no período de debate, incendiar a sala, confrontando o painel com o facto de não se poder dizer que o Estado Novo tenha sido fascista, e afirmando ainda que a narrativa anti-fascista tem servido para muitos legitimarem os seus intentos mesmo que estes sejam de uma perigosidade atroz para a democracia. Os estudantes ficaram em polvorosa, a Vice-Presidente do ISCSP gritava "cale-se, ninguém quer saber as suas opiniões", Odete Santos espumava e gesticulava descontroladamente, Adriano Moreira sorria e anuía com a cabeça e Mário Soares tirou-me a palavra - para dizer, sublinhe-se, que do ponto de vista da Ciência Política, de facto não se pode dizer que tenha existido fascismo em Portugal. Pelos padrões que regem umas quantas cabecinhas por estes dias, sou agora levado a acreditar que fui vítima de um ataque à liberdade de expressão. Devia ter-me queixado na altura, porventura à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. Talvez Miguel Relvas o possa fazer.
Joaquim Couto, O país do livro e +1 direito.
Daniel Oliveira, E agora, senhor Relvas, o povo mau.
Viriato Soromenho-Marques, Até quando?
Há poucos dias decidimos revelar imagens do interior e do exterior do nosso Centro de Operações, mas o Pedro Quartin Graça foi ainda mais longe e decidiu que seria o momento indicado para revelar qual a tecnologia de ponta que utilizamos. E tudo isto acontece no contexto de um possível Blogate - enunciado em detalhe por Samuel de Paiva Pires após ter regressado de linhas inimigas. No seguimento destes eventos, recebemos telegramas de apoio de milhares de adeptos e gostariamos de retribuir esse gesto simpático. Assim sendo, o Blog Estado Sentido irá organizar visitas guiadas às suas instalações (com almoço incluído) e irá sortear 10 inscrições para o primeiro Curso de Monitorização de Governos a iniciar no próximo ano lectivo. Os felizes contemplados receberão no final dos estudos um diploma e como lembrança uma medalha de cristal - comemorativa do "princípio de transparência".
O nosso director operacional, o norte-americano John Wolf, desaconselhou-me a fazê-lo mas eu não resisti. Ontem mostrámos uma imagem interna do nosso Centro de Operações. Hoje, de forma mais arriscada, é certo, mostramos o seu aspecto exterior, sem no entanto, e como é evidente, revelarmos a sua localização, algures em Portugal.
O Estado Sentido acaba de revelar uma imagem secreta do seu Centro de Operações. Um moderno centro de comando que serve para monitorizar a actividade do Governo. A partir deste local secreto, que ocupa uma das galerias de uma mina desactivada, os agentes secretos do blog escutam infindáveis quantidades de soundbytes, visionam milhares de horas de emissões televisivas e revêem artigos de imprensa na vã expectativa de extrair valor que possa ser convertido em benefício para o cidadão comum. Para aqueles que ignoravam o sentido da nossa missão, apraz-nos partilhar esta singela fotografia.
Não vendê-las a governos de outros países. O que é ainda mais gravoso quando se trata do sector da comunicação social e o governo desse outro país tem um entendimento peculiar quanto à liberdade de expressão.
1 - Como agnóstico, ou seja, não sendo católico, avalio D. Januário como cidadão, não como membro da Igreja - tal como salientou José Adelino Maltez
2 - Quanto à forma, discordo e critico o tom incendiário das afirmações de D. Januário. Quanto ao conteúdo, acho que o erro capital foi ter generalizado, em vez de dirigir a crítica. Há quem diga que tem que apresentar provas do que diz. Há um problema que não sei se será exclusivo de Portugal, que é o de toda a gente saber um pouco da vida de toda a gente, mais precisamente, de cunhas, negociatas e afins. Por não se ter provas (num sentido jurídico), não se pode falar nisso? Queremos mesmo enveredar por uma judicialização da política e desatar a entupir tribunais com processos por difamação? Eu prefiro jogar no campo da sociedade e do combate político, crendo que, quando determinadas opiniões são manifestamente exageradas e até patéticas, quem se descredibiliza na opinião pública é o próprio opinador, o que já é castigo suficiente. Por outras palavras, é a ordem espontânea e a selecção natural aplicada à credibilidade dos opinion makers.
3 - Há quem aponte a hipocrisia de D. Januário, ao não se ter manifestado em relação ao anterior governo da mesma forma. Claro que é uma barbaridade dizer que os socráticos eram anjinhos se comparados com os actuais, e claro que há uma certa hipocrisia. E também há uma certa hipocrisia em certa esquerda anticlerical, que quando lhe dá jeito já gosta dos homens da Igreja.
4 - Há quem exija moderação e até silêncio a D. Januário, em virtude da posição que ocupa de Bispo das Forças Armadas. Ora, como o mesmo apontou e bem, "Aguiar-Branco não é meu superior nem meu ministro." Mais, também não é militar, mas mesmo que fosse, importa salientar que as Forças Armadas devem lealdade ao Estado e à Pátria, não necessariamente ao governo. E mesmo quem seja militar, o que obviamente implica constrangimentos em relação a opiniões políticas, não deixa de ser um ser pensante, que naturalmente observa o descalabro a que vários governos nos trouxeram. As sociedades livres funcionam como panelas de pressão, e quiçá D. Januário serve como válvula de escape daquilo que muitos militares gostariam de dizer e não podem.
5 - Prefiro homens de convicções, ainda que discorde deles, ao cinzentismo que tanto nos tolhe. Subscrevo estes dois posts do Professor Maltez:
«D. Januário, visto por Aristóteles: a voz do homem não se reduz a um conjunto de sons. Não é apenas simples voz (phone), não lhe serve apenas para indicar a alegria e a dor, como acontece, aliás, nos outros animais, dado que é também uma forma de poder comunicar um discurso (logos). Graças a ela o homem exprime não só o útil e o prejudicial, como também o justo e o injusto. Como dizia Fénelon, "em Atenas tudo dependia do povo e o povo dependia da palavra". Nesta democracia também. Obrigado D. Januário, pela palavra, a que apenas se pode responder com outra palavra. Para podermos continuar a ser animais políticos, isto é, animais de discurso, que, muito siomplesmente, significa razão.»
«Mais dialéctica. Porque D. Januário não é propriamente a caricatura do peixinho vermelho em água benta. É um ortodoxo que fala politicamente, da mesma maneira que o Padre Américo escrevia com obras, denunciando com clamor e indignação dizendo em voz alta o que muitos outros apenas vão passando, de ouvido em ouvido.»
Leitura complementar: D. Januário, a Relvas School of Political Science e os tiques salazarentos que teimam em não desaparecer; Sobre D. Januário escreverei mais logo
Camus: «A liberdade é poder defender o que não penso, mesmo num regime ou num mundo que aprovo. É poder dar razão ao adversário.»
Voltaire: «Discordo daquilo que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito de o dizeres.»
Chomsky: «Se não acreditamos na liberdade de expressão para pessoas que desprezamos, não acreditamos nela de todo.»
Estando dois agentes da PSP ou dois militares da GNR juntos, ainda que dentro de um carro, podem ser processados por manifestação ilegal não comunicada à autoridade correspondente, ou seja à Câmara Municipal do local onde se encontrem?
Um doce a quem encontrar no aludido parecer da PGR a base legal para a punição.
Nas ruas não parece haver grandes dúvidas de que tudo está vigiado. Agora um simples ajuntamento de duas pessoas dá direito à classificação de "manifestação", carecendo a mesma, pasme-se, de ser "autorizada pela Câmara Municipal respectiva!!! A Polícia de Segurança Pública considera que "duas pessoas já fazem uma manifestação" e que qualquer manifestação tem de ser comunicada à Câmara Municipal. É esta a justificação dada para que a PSP tenha proibido a presença do Movimento Sem Trabalho junto de um centro de emprego de Lisboa, em Março.
Quinta-feira uma das activistas foi constituída arguida "por crime de desobediência". Um membro do Movimento Sem Trabalho foi chamado quinta-feira à Divisão de Investigação Criminal da PSP, constituído arguído e acusado de "crime de desobediência", porque, a 6 de março - dia Mundial do Desempregado -, participou numa manifestação de "quatro elementos que tentaram distribuir panfletos sobre as ações dos Sem Trabalho à porta do Centro de Emprego do Conde de Redondo", em Lisboa, conta Ana Rajado, uma das dirigentes do movimento criado em março. "Quando lá chegámos, já lá estava a polícia que pediu a identificação de um de nós", explica.
Essa pessoa acabou por ser notificada e acusada de "crime de desobediência por ter convocado uma manifestação sem autorização". "Achamos que se trata de uma perseguição política para intimidar as pessoas, afirma Ana Rajado. A porta-voz da PSP, Carla Duarte, argumenta que perante a lei "duas pessoas já fazem uma manifestação" e que "a PSP não tem de justificar a sua actuação"(!). Acrescenta ainda que no caso em questão se tratou de "um grupo de oito pessoas e não de quatro" e que a notificação da pessoa em causa se deveu a "não ter comunicado à câmara de Lisboa" a organização do protesto.
A PSP invoca o Decreto-Lei n.º 406/74 e um parecer da Procuradoria Geral da República de 1989 que indica que "manifestação será o ajuntamento em lugar público de duas ou mais pessoas com consciência de explicitar uma mensagem dirigida a terceiros". A legislação de 1974 também diz que "incorrerão nas penalidades do crime de desobediência" quando "as pessoas forem surpreendidas armadas" (artigo 8).
Neste caso, os panfletos terão sido a 'arma do crime'?.
Entretanto, o Movimento Sem Emprego disse ao Expresso que a arguida vai "proceder criminalmente quem fez a denúncia, a PSP e quem deu seguimento ao processo". Ana Rajado considera que se trata de "um contra o Estado de Direito" digno dos tempos do Estado Novo.
De forma ainda mais surrealista, a simples pintura de um pequeno cartaz cor de rosa no Chiado por parte de empregadas domésticas levou à intervenção das autoridades para por termo à subversiva manifestação contra o Estado de Direito!