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Mario Vargas Llosa, A Civilização do Espectáculo:
«A suposta libertação do sexo, um dos traços mais marcantes da modernidade nas sociedades ocidentais, dentro da qual se inscreve esta ideia de dar aulas de masturbação nas escolas, talvez consiga abolir centos preconceitos parvos sobre o onanismo. Em boa hora. Mas também poderá contribuir para desferir outra punhalada no erotismo e, talvez acabe com ele. Quem é que sairia a ganhar? Não os libertários nem os libertinos, mas sim os puritanos e as Igrejas. E continuaria o delírio e a futilização do amor que caracterizam a civilização contemporânea no mundo ocidental.»
(...)
O sexo só é saudável e normal entre os animais. Foi-o entre os bípedes quando ainda não éramos totalmente humanos, quando o sexo era em nós alívio do instinto e pouco mais do que isso, uma descarga física de energia que garantia a reprodução. A desanimalização da espécie foi um longo e complicado processo e nele teve papel decisivo o que Karl Popper chama «o mundo terceiro», o da cultura e da invenção, o lento aparecimento do indivíduo soberano, a sua emancipação da tribo, com tendências, disposições, desígnios, anseios, desejos, que o diferenciavam dos outros e o constituíam como ser único e intransferível. O sexo desempenhou um papel de destaque na criação do indivíduo e, como mostrou Sigmund Freud, nesse domínio, o mais recôndito da soberania individual, forjam-se as características distintivas de cada personalidade, o que nos é próprio e nos torna diferentes dos outros. Esse é um domínio privado e secreto e deveríamos procurar que continue a sê-lo se não quisermos tapar uma das fontes mais intensas do prazer e da criatividade, isto é, da civilização.
Georges Bataille não se enganava quando alertou contra os riscos de uma permissividade desenfreada em matéria sexual. O desaparecimento dos preconceitos, algo libertador, efectivamente, não pode significar a abolição dos rituais, o mistério, as formas e a discrição graças aos quais o sexo se civilizou e humanizou. Com sexo público, são e normal, a vida tornar-se-ia mais aborrecida, medíocre e violenta do que é.
Há muitas formas de definir o erotismo, mas, talvez, a principal seja chamar-lhe a desanimalização do amor físico, a sua conversão, ao longo do tempo e graças ao progresso da liberdade e da influência da cultura na vida privada, da mera satisfação de uma pulsão instintiva numa ocupação criativa e partilhada que prolonga e sublima o prazer físico rodeando-o de uma encenação e uns refinamentos que o convertem em obra de arte.»
Leitura complementar: O mito do individualismo extremo do nosso tempo; A insustentável leveza da literatura do nosso tempo; A banalização da política; Da arte moderna; Do erro da equivalência entre culturas à difusão da incultura; Da proliferação de Igrejas à substituição da religião pela alta cultura e aos escapismos contemporâneos.