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Estão por todo o lado, alegram as ruas com ruídos que nos remetem para locais bem distantes. Onde exista um jardim - o Botânico, o da Estrela, de Campo de Ourique, no Torel, nas árvores das Avenidas Novas, no José Fontana -, lá estão eles, verdes, em alegres grupos. Esvoaçam pela Baixa, passam em bandos sobre os telhados da Duque de Loulé, tomam conta das árvores. Depois das palmeiras e dos retornados que jamais o foram, depois da chegada de novos-nacionais oriundos de todas as parcelas africanas, asiáticas e americanas do antigo Ultramar, eis mais uma prova de um velho império que mesmo abandonado, decidiu vir até nós. Teimosos e encantadores, estes papagaios periquitos de colar. Para quando umas araras?
Dedicado ao Lycée Français Charles Lepierre, o liceu francês de Lisboa, que ontem celebrou sessenta anos de existência. Bon Anniversaire, mon vieux!
Esta manhã decidi-me a um passeio de bicicleta pela Baixa. Desde que me ofereceram um Órbita "modelo vintage", o artefacto tornou-se no meu normal meio de transporte para pequenas distâncias. Por vezes, dou o devido descanso aos ténis e a única maçada, talvez consista na falta de respeito que os automobilistas têm por quem não esteja a bordo de uma luxuosa sucata a prazo.
Enfim, parei junto à loja de um amigo nas Portas de Santo Antão e escutei uma conversa de um grupo de estrangeiros que sentados à volta da mesa de um restaurante de esplanada, teciam loas à cidade em que vivemos. A opinião é sempre a mesma, desde a magnificência dos edificios, às perspectivas, luminosidade, espantosa riqueza cénica e imponência monumental de um passado que ainda persiste. A revolta perante o estado de abandono, demolições e adulteração de fachadas, é a constante que não podemos deixar de registar, aliás já bastas vezes aqui manifestada na rubrica Lisboa Arruinada. Um exemplo daquilo que esta cidade poderia ser, está patente no trabalho da melhor fotógrafa destas velhas pedras.
Ainda ontem, um dos representantes patronais recebidos pelos Reichsprotektors da troika, dizia aos jornalistas que os regentes sentiram-se ultrajados pelo catastrófico aspecto dos edifícios de uma capital que já foi cabeça do mais longevo Império do ocidente.
Neste precioso guia das mais belas cidades do mundo, Lisboa surge em quarto lugar. Teremos incapazes a comandar-nos há demasiadas décadas, ou será necessário um flautista de Hamlin que os conduza a um mergulho no Tejo?
Jamais fui apresentado à Luísa Correia, mas conheço, agradecido, a sua obsessão por nos mostrar aquilo que por muito que tentemos à vista desarmada, não conseguimos lobrigar. Todos os dias pelas ruas deambulamos quase cabisbaixos e não colhemos qualquer benefício do ambiente quase miraculoso em que vivemos. Perspectivas desconhecidas, uma quase indecente beleza que une pedras, plantas e animais, a luminosidade proporcionada por uma paleta de cores que se torna indescritível a cada foto que passa. Não há lugar para qualquer manipulação técnica, ou retoque de postal destinado ao turista. Na obra da Luísa, tudo é autêntico e sem subterfúgios, pois a autora apercebe-se do real valor que os construtores da cidade, talvez na sua maioria inconscientes da sua contribuição para um legado que nos une, foram ao longo de séculos acrescentando à nossa riqueza arquitectónica.
O Nocturno é um blogue de uma categoria dificilmente igualável, amesquinhando ou reduzindo a pó, tudo aquilo que possamos escrever acerca das aterradoras notícias que vão pingando em constantes chuviscos molha-tolos, anunciando a inevitável tempestade final que se aproxima a cada dia que passa.
Dia após dia e mercê do exaustivo trabalho da Luísa, deparamos com uma visão imperial bem diferente da regra europeia de amplas e arrebicadas avenidas, destinadas ao cerimonial que impunha o auto-satisfeito respeito interno e o temor no visitante que logo ao seu país regressava. Aqui, neste centro geográfico do Ocidente, existe essa grandeza despreocupada de convenções, denotando-se a liberdade dos edificadores e um caos organizado que nos deu afinal, a dimensão humana que outras capitais de igualmente extintos impérios, definitivamente não possuem.
A Luísa é uma benemérita e artista do maior valor, em nada ofuscada pelas obras a nós deixadas por outros amantes de Lisboa, que como Botelho ou Maluda, ofereceram sempre beleza, fazendo-nos esquecer o desleixo, a ruína, o negócio torpe e a infâmia iconoclasta de quem se alça a gestor da cidade.
Esqueçam a crise por umas horas e visitem o Nocturno. É um Museu quase desconhecido.