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O processo político nacional está a decorrer numa biblioteca. É um discussão acesa entre tomos - toma lá, dá cá. Os conflitos obedecem a manuais de instruções que são apresentados como o último grito da razão política. No meio da discussão literária, lá aparecem uns fascículos proveniente de uma outra capital - escritos que se inscrevem noutra categoria de inutilidade. Ora vejamos o que quero dizer sobre a livraria em que estamos metidos. Os governos, ainda antes de serem eleitos, começam logo a vender o seu programa, a defiinir em capítulos as principais linhas de orientação política económica e social. Ao fazê-lo, ao escrever essa receita, sabem que existe um livro sagrado que pode esmagar a bula com uma martelada jurídica apenas. A constituição da República Portuguesa é um volume pesado e pode ser colocado a jeito, sobre cadernetas e dossiers com escrituras alegadamente sagradas. O governo de Passos Coelho que obedece às fórmulas inscritas no volume remetido pela Troika, tem visto a sua vida andar para trás por causa daquela terrível enciclopédia - a Constituição da República Portuguesa. O governo mete uma medida avulso e zás catrapás, cai-lhe em cima o canone e a trindade constitucional - e nada feito. E então pensáram no seguinte; lá porque a constituição é um best-seller político e anda sempre nos tops nacionais, não vejo razão para não escrevermos o nosso próprio êxito de bilheteira? (sim, o contribuinte vai pagar pelo resultado das linhas escritas). Vamos dar um título sexy à coisa. Vamos chamar guião à reforma do Estado, de uma forma taxativa, para que ninguém duvide do seu alinhamento, do encadeamento de ideias. E se alguém questionar os ditames, podem sempre dizer; "é assim meu amigo, está escrito preto no branco, aqui no código"). Portanto são pelo menos três livros que se encontram agora na arena para o combate que se segue: o guião, a constituição e o programa da Troika. Mas tenho a certeza que o PS, por se sentir excluído pelas editoras, ainda vai apresentar um argumento original para se imiscuir no filme que decorre (o outro conjunto de folhas do Sócrates, é um paper de adolescente babado, mais nada; não conta). O curioso da recensão literária que realizámos, é que o guião faz referências bibliográficas à constituição e à ordem de trabalhos da Troika, mas o inverso não acontece. A constituição quer lá saber do guião ou o que pensa ou deixa de pensar a Troika. A constituição é literatura clássica - perdura para além das novidades do mercado de publicação. A segunda edição da Troika (já tinha havido uma intervenção proposta pelo escritor Mário Soares) é uma obra próxima do neo-modernismo com laivos de utopia. A páginas tantas do guião, avançadas em font Arial muito próximo do bold (não vá o leitor adormecer), a conversa introdutória e os aperitivos de justificação, cedem lugar a uma missa repetitiva que deve ter escangalhado o martelo da tipografia, da gráfica. São centenas de frases iniciadas pelo verbo reformar; reformar o Estado, reformar o Estado, reformar o Estado até ao ponto em que este se deforma. O guião, que foi apresentado com um ligeiro atraso para emendas de última hora, vai ter uma função especial. Vai servir para tornar anónimo o projecto e desresponsabilizar os seus proponentes pela dificuldades que certamente se encontram adiante. É sempre mais fácil dizer que a culpa não morre solteira. A culpa será sempre do guião se as coisas não resultarem. Ao longo do texto, dizem que o debate sobre a reforma do Estado está aberto à discussão, mas agora fiquei mesmo confuso. O guião é ou não é a reforma do Estado? Ou será que não passa de um peso morto para entreter enquanto realizam outro filme?
Saio de casa e só quando me sento no metro reparo que me esqueci de trazer qualquer livro comigo - o que é raro e me deixa ligeiramente irritado. Chego ao comboio, e a CP ou alguém anda a distribuir livros gratuitamente. Muito bem, os meus parabéns seja lá a quem for que se tenha lembrado disto.
É já amanhã o lançamento de Liberdade 232, uma "selecção de comentários, crónicas e memórias, publicadas nos últimos seis anos por João Távora em diversos blogs e agora convertidos num livro com 192 páginas ilustrado com fotografias de Osias Filho e do arquivo do autor." O lançamento terá lugar no "Instituto Amaro da Costa, na Rua do Patrocínio nº 128-A em Campo d'Ourique, e contará com a apresentação do escritor Francisco José Viegas e do Rev. Padre Pedro Quintela, ocasião em que o autor dará uma sessão de autógrafos. O livro estará à venda no local ao preço promocional de €10,00."
George Steiner, A Poesia do Pensamento:
«Responsavelmente definido – falta-nos um termo que o assinale –, o pensamento sério é uma ocorrência rara. A disciplina que, juntamente com a abstenção da facilidade e da desordem, o pensamento requer só muito raramente ou nunca está ao alcance da grande maioria. A maior parte de nós não tem mais do que uma vaga ideia do que seja «pensar», transformar em «pensamento» o bric-á-brac, o refugo e o lixo da nossa corrente mental. Adequadamente concebida – quando paramos para pensar no assunto? –, a instauração de um pensamento de primeira ordem é tão rara como a composição de um soneto de Shakespeare ou de uma fuga de Bach. Talvez, na breve história da nossa evolução, não tenhamos ainda aprendido a pensar. Excepto para um punhado entre nós, talvez a designação homo sapiens não passe de uma vanglória injustificada.»
Cada um dos dois volumes de A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos, a obra mais célebre de Karl Popper, recentemente publicada em português, custa 26,90 euros, ou seja, 53,80 euros no total. Em inglês, na Book Depository, uma loja que não cobra os custos de envio, pode-se comprar cada um dos volumes por 17 euros, ou uma edição que inclui os dois volumes num só por 22 euros. Partindo do pressuposto que a esmagadora maioria do público-alvo desta obra também lê em inglês e que cada vez mais se banaliza a encomenda de livros através da Internet, como é que se explica o preço da edição portuguesa? A tradução vale ouro ou trata-se de uma edição em capa dura - com uma capa de ouro, claro - ? E quem fala neste caso, fala noutros. Por exemplo, qualquer edição portuguesa da obra de Tocqueville Da Democracia na América custa cerca de 40 euros, enquanto as edições em inglês ficam por 10 ou 20 euros. Por estas e por outras é que já raramente compro livros em português que não sejam de autores portugueses. Depois queixem-se da falência de editoras nacionais ou que os portugueses têm maus hábitos de leitura...
É já amanhã, dia 31 de Janeiro, pelas 18:30, na livraria Ferin, no Chiado, que será lançada a mais recente obra do Professor José Adelino Maltez, Breviário de um Repúblico. A apresentação ficará a cargo da Professora Cristina Montalvão Sarmento. Trata-se de um sublime exercício estilístico com um conteúdo inimitável, em que nos são revelados diversos escritos públicos dos últimos anos, organizados por dias, introduzidos por deliciosas efemérides criteriosamente escolhidas por quem domina como poucos a ironia, e a que o Professor retirou a carga efémera da espuma dos dias, fazendo-os alcançar aquele domínio das coisas eternas, o que tornará esta obra numa ferramenta intemporal para compreender Portugal. Podem ler algumas entradas no site da Gradiva e aconselho também a leitura deste post no Macroscopio.
Deixo ainda uma das primeiras entradas, de dia 17 de Janeiro, escrita em 2006:
«Símbolo e cultura. A pátria não é apenas a ideologia que justifica a ordem estabelecida, ou a utopia que a subverte, mas a terceira potência da alma (Platão), a imaginação, que vai além da razão e da vontade. Porque o tal imaginário atravessa o discurso racional, ordena o respectivo simbolismo e desconstrói a sua pretensa lógica. Porque quando penso que penso, não sou apenas o eu que pensa, mas também os que pensaram antes de mim, para que eu me sinta pequena onda de uma corrente que me ultrapassa.»
" Esse olhar silencioso
Em que lingua se traduz?
Fala-me, oh astro saudozo
luz do céo, pallida luz!
A encantadora simplicidade dos versos de João de Deus, o seu caracter espontaneo e apaixonado, traduzindo em formas singelas e irreprehensiveis os sentimentos da sua bella alma - eis as qualidades que fizeram do poeta um vulto litterario de primeira grandeza ( ... )
A frescura, a ingenuidade e a vehemencia do seu lyrismo recordam-nos as eclogas de Bernardim Ribeiro, o poeta apaixonado e terno ( ... ) "
Fortunato de Almeida, « Revista Contemporanea »
Mas não é só esta faceta de poeta que vou buscar ao baú do meu Pai, em forma de estantes. Nas estórias que ia contando, a que retenho mais longínqua no tempo é a de ter aprendido ele a juntar as letras pela Cartilha Maternal, ainda antes da entrada na Escola Primária, devendo tais bons ofícios à generosidade do que havia de ser o seu professor durante os quatro anos curriculares, vizinho muito próximo, que nunca esqueceu até ao fim dos Seus dias, indelével foi a marca que deixou na Sua vida, de molde a considerá-lo « o segundo pai ». Basta dizer que, franqueando-lhe a sua biblioteca, O cativou para sempre para o amor aos livros.
A ética está ao alcance de todos. A Fundação Calouste Gulbenkian expõe para venda títulos de grande qualidade. Livros editados pela casa e a preços de saldo. Acabo de trazer para casa um dos tratados mais importantes sobre Ética do século passado. O livro - Principia Ethica de G.E. Moore (edição em língua Portuguesa, FCG. A edição original data de 1903, Cambridge University) -, pode ser seu por uns míseros 6 Euros. Aliás, na bancada que ostentava esta obra, outros títulos épicos estão à mão de semear. E não são livros quaisquer. São clássicos de Alexander Hamilton, Wittgenstein, Kant ou Platão. Um conjunto notável de textos que serviria para reescrever os postulados da política contemporânea. Princípios que parecem ter passado ao lado da inteligência governante...perdão, ignorante. Em plena época de privatizações, talvez não fosse má ideia os governantes "privatizarem" um pouco de saber em nome do seu crescimento pessoal, mas em última instância para melhor servir o interesse público. Mas parece que ambas as condições não são compatíveis. Diria até que um dos requisítos para a função governativa é não ter bagagem e viajar nesse firmamento de debilidade intelectual.
Os editores são uma via em extinção. Os outros, que se servem do título "quase póstumo" de editor, não correm por essa estrada. Mas não são editores. Chamem-lhes o que quiserem, mas não manchem a arte cada vez mais rara da prospecção, de corrida ao risco - o rascunho de algo incerto. Esses profissionais que almejam o lucro à custa da capa não são editores. São revendedores. Deslocam-se ao mercado abastecedor, fazem marcha atrás com a furgoneta e carregam paletes de best-sellers. Os editores fazem algo diverso. Procuram a agulha no palheiro, dias a fio, vidas a fio, porventura sem o aval de um destino certo. São garimpeiros em busca de uma torrente que ainda não tem nome, de um brilhante que ofusque os escaparates e estilhace o revisto em imprensa. O lido na calle e largado sem pudor. E o que dizer dos fornecedores de fábulas, os eternos aspirantes a escritores? Têm de aprender a viver com a rejeição. Se tiverem a sorte de encontrar um editor, regressarão a casa equipados com o ego arremessado e pouco mais. E pouco mais interessa, porque é nesse ranger da negação que se escuta o apelo interior, se assim tiver de ser. Mas está tudo virado ao avesso. Chegou a hora pequena para a magnificência. O que era uma impossibilidade deixou de o ser repentinamente. De repente somos todos escritores, sem sermos pensadores ou poetas amargurados pela acidez de uma vida tornada dispensável, pouco lírica. O negócio fala mais alto. O dinheiro faz correr tinta para além do quintal literal. O critério editorial morreu em definitivo e foi substituído pelo balancete de corporações apenas interessadas no bottom line - uma linha de números que nunca será uma frase. "São os tempos difíceis que nos obrigam a isto" - será o argumento apresentado. Miséria é o que eu respondo. Mas convém lembrar que são os regimes totalitários que promovem mensagens simples que uma massa de idiotas há de elevar a instância "superior" e que acabará por esmagá-la, por completo. Triste mundo este em que vivemos.
Mario Vargas Llosa, A Civilização do Espectáculo:
«Por outro lado, segundo se depreende do seu artigo, para Volpi ler consiste só em ler, isto é, em ficar a conhecer o conteúdo do que lê e não há dúvida de que o seu caso é o de imensos leitores. Porém, na polémica com Vicente Molina Foix que o seu artigo gerou, este último recordou a Volpi que, para muitos leitores, «ler é uma operação que, além de informar sobre o conteúdo das palavras, significa também, e talvez sobretudo, ter prazer, saborear aquela beleza que, as palavras, tal como os sons de uma bela sinfonia, as cores de um quadro insólito ou as ideias de uma argumentação sagaz, emitem unidas ao seu suporte material. Para este tipo de leitor ler é, ao mesmo tempo que uma operação intelectual, um exercício físico, algo que, como diz muito bem Molina Foix «acrescenta ao acto de ler uma componente sensual e sentimental infalível. O tacto e a imanência dos livros são para o amateur, variações do erotismo do corpo trabalhado e manuseado, uma maneira de amar.»
Tenho dificuldade em imaginar que as tablets electrónicas, idênticas, anódinas, intermutáveis, funcionais ao máximo, possam despertar esse prazer táctil prenhe de sensualidade que os livros de papel despertam em certos leitores. Mas não estranho que numa época que tem entre as suas proezas ter acabado com o erotismo se esfume também esse hedonismo refinado que enriquecia o prazer espiritual da leitura com o físico de tocar e acariciar.»
Leitura complementar: O mito do individualismo extremo do nosso tempo; A insustentável leveza da literatura do nosso tempo; A banalização da política; Da arte moderna; Do erro da equivalência entre culturas à difusão da incultura; Da proliferação de Igrejas à substituição da religião pela alta cultura e aos escapismos contemporâneos; Da libertação sexual ao erotismo como obra de arte; A ausência dos intelectuais da civilização do espectáculo; Da subversão da autoridade dos professores e da escola pública à perpetuação das divisão de classes a partir das salas de aula
Para que fique esclarecido. A comissão que decide a quem deve ser atribuído o prémio Nobel da Literatura, virou a cara aos atentados do escritor Chinês Mo Yan (um pen name que significa "não digas" ou "não fales"). Um autor ligado de um modo muito negativo à repressão política do regime Chinês. O The New York Review of Books, no seu número 19 volume LIX (Dez 6-19, 2012) faz o relato do percurso de um autor que se notabilizou por ser sexualmente arrojado, roçando temas-tabu "ainda disponíveis" na literatura emergente desse império. Na cerimónia de abertura da Feira de Livros de Frankfurt, em 2009, Mo Yan afirmou que "a literatura se deve posicionar acima da política", mas quando as autoridades chinesas boicotaram a sessão em que participariam os pensadores livres Dai Qing e Bei Ling, Mo Yan nem sequer hesitou; abandonou a sala na companhia desses "polícias". A atribuição de um prémio deste calibre a este senhor é um insulto para a humanidade e para a literatura. O livro chegou a Portugal, mas há qualquer coisa de incoerente na sua edição nacional. Não assenta bem vender a indignação e o protesto, para logo a seguir tentar impingir um autor associado a um regime de repressão e controlo.
Uma frase que me impressionou no livro que, em 1864, Camilo dedica grandemente às memórias que, ao longo dos anos, lhe foram ficando do Santuário bracarense, a primeira das quais, tendo o pai morrido havia dois meses, tinha o futuro escritor apenas 9 anos, se recolhia a Vila Real, a casa de tia paterna, mas tendo um mar revolto obrigado o barco em que seguia a atracar em Vigo, e ficando no caminho a prosseguir, de regresso ao Porto, destino previsto, tal Santuário, logo os passageiros quiseram aí peregrinar.
Esta seria apenas a primeira de muitas estadas no lugar onde " as minhas arvores estão affeitas a verem-me contemplativo, sereno, e enlevado no azul do ceo ou no lago verde ".
E é tal o enlevamento que não se coíbe de « No Bom Jesus do Monte » escrever, mais adiante, ser a natureza " o maximo apostolo do Senhor ", e que " quando lá ia voltava sempre melhor. Nunca me aconteceu outro tanto ao dobrar a ultima pagina de livro de moral. ".
Eduardo Lourenço, Heterodoxias, editado pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Pedro Galvão (org.), Filosofia: uma introdução por disciplinas, editado pelas Edições 70.
"Como ali disse, «estamos a viver tempos que convidam a que nos "fechemos" dentro de um livro. Não é, pois, por acaso que têm aparecido alguns neste blogue. Essa capacidade de isolamento, essa barreira prodigiosa contra a tagarelice, esse momento único de redescrição do mundo que a leitura ou a música conferem, foi descrita de forma lapidar por George Steiner num intitulado No castelo do Barba Azul - algumas notas para a redefinição de cultura, traduzido pela Relógio D'Água: «os livros bem-amados são a sociedade necessária e suficiente do indivíduo que lê a sós.»"
Politicamente incorrectíssimo e importante para se perceber alguma da História contemporânea de Portugal. E é de aproveitar enquanto se publica. Da Oficina do Livro / Leya.